Redes Sociais:      

Bonum est diffusivum sui

A importância da Ínclita Geração para o Império Português

Mas, pera defensão dos Lusitanos,
Deixou, quem o levou, quem governasse
E aumentasse a terra mais que dantes:
Ínclita geração, altos Infantes.” (Os Lusíadas)

Breve introdução sobre as elites

O desenvolvimento dos impérios é um tema que atrai muitas pessoas, pois é por meio desse olhar para a história que é possível compreender quais são os elementos centrais na criação de países fortes, consolidados e que perduram ao longo do tempo. É por essa razão que muitos historiadores ficam fascinados com o crescimento do Império Romano, com a vitalidade do Império Macedônico e com a organização do Império Carolíngio. Todos eles tiveram elementos em comum como, por exemplo, uma liderança forte, uma sociedade organizada e uma visão transcendental da existência política. No Império Português, isso não foi diferente, a Ínclita Geração foi, provavelmente, o momento de maior esplendor de Portugal em toda a sua história, uma vez que ela demonstrou aquilo que é, por definição, uma elite virtuosa.

Em primeiro lugar, faz-se necessário conceituar o termo elite. O vocábulo elite vem do verbo latino “eligere” que significa “escolher”, portanto, a elite é um pequeno grupo, considerado superior por seus dotes, qualidades, funções e liderança. Esses grupos, quando ordenados para o desenvolvimento, fizeram ao longo da história impérios e nações se tornarem fortes e que deixaram uma marca significativa na construção da civilização ocidental. Nesse sentido, uma primeira observação que se pode fazer a respeito dos impérios é que eles não tinham o intuito de construir uma sociedade igualitária, visto que as elites são compostas por pessoas de quilate superior. Em outras palavras, os impérios que construíram a civilização sabiam que, pela própria natureza das coisas, há uma hierarquia entre pessoas que, se canalizada para o bem da sociedade, corrobora para o desenvolvimento.

Essa elite também deve possuir os elementos adequados para conseguir atuar na sociedade. Podemos citar cinco pilares básicos para que as elites tenham capacidade de articulação e direção. O primeiro pilar é que ela deve ser organizada. Isso significa que as pessoas que a compõem devem possuir costumes, símbolos e ritos em comum. O segundo, é que ela deve possuir objetivos comuns, portanto, uma causa final estabelecida. O terceiro repousa na necessidade de relações duradouras. O quarto é que ela possua os meios de ação e, por fim, o quinto é que ela seja dotada de formação.

A elite pode ser formada por pessoas de diversas bases de atuação na sociedade, fazendo com que o conjunto de atividades que permeiam a vida social, seja organizado e dirigido para a finalidade proposta pela elite. No entanto, é importante notar que a elite só será boa quando ela for competente, virtuosa, capaz de pensar no próximo e disposta ao sacrifício. Sem essas qualidades, a elite torna-se uma oligarquia, no sentido aristotélico do termo, utilizando-se de diversos meios para corromper os costumes, escravizar o povo e controlar os interesses da pátria.

Para que haja, portanto, uma sinergia entre a elite e o restante da sociedade, é importante que se tenha uma visão de finalidade comum. Como se sabe, a elite acaba por determinar o rumo das principais decisões políticas de um país. Se essa elite conseguir transmitir os ideais corretos, o povo consegue trabalhar para atingir a finalidade proposta, pois sabe que o fim é o bem comum. Nesse sentido, os valores, a cultura, o projeto de país e as relações devem estar ordenados para que não haja ruído entre a elite e o povo. Somente assim, é que um país conseguirá ter o desenvolvimento necessário para perdurar pela história.

A história de Portugal só pode ser compreendida à luz do posicionamento que as elites deram para o destino do país. Desde a formação do país, na Batalha de Ouriques, até as grandes navegações, o que se nota é que a elite dirigente do país tinha como principal objetivo expulsar os muçulmanos do território, garantir que a fé católica fosse conhecida e estabilizar o país. Em especial, a elite da Ínclita Geração que, por conta do seu contexto histórico e político, foi capaz de levar o país a ser o império mais importante do mundo entre os séculos XIV e XV.

O desenvolvimento de Portugal e a sua vocação (711-1385)

A história de Portugal deve ser compreendida em um quadro mais amplo dos acontecimentos europeus, mais precisamente a chamada Reconquista. Desde o século VIII, com a conquista da Península Ibérica pelos muçulmanos, os cristãos foram enclausurados em uma porção norte do território, na região das Astúrias e, daquela região, começaram um longo processo de retomada territorial. Pode-se colocar, como marco inicial do processo, a Batalha de Covadonga, em 722, quando dom Pelajo consegue a primeira vitória dos cristãos contra os maometanos.

À medida que os cristãos se organizavam e que o Reino das Astúrias ganhava territórios, outros reinos foram surgindo, a partir desse reino, como os reinos de Galícia, Castela, Pamplona e Aragão que, juntos, formariam a linha de frente contra o chamado Al-Andaluz. Por conta do processo de organização e busca por maior capacidade de organização do território, no final do século IX, é criado o Condado Portucalense, dentro do reino da Galícia, dando origem para a semente daquilo que seria, posteriormente, Portugal.

O Condado Portucalense, ao norte, teve por objetivo expulsar todos os muçulmanos da região ocidental da Península Ibérica. No final do século XII, o Reino da Galícia é incorporado ao Reino de Leão e, por conta de uma política de casamentos, o condado portucalense seria governado pelo rei de Leão; no entanto, não era esse o destino da região. Por conta da Batalha de São Mamede, dom Afonso Henriques garante que o condado não será governado pelos galegos que, naquele momento, queriam união com os demais reinos ibéricos. Uma vez que dom Afonso Henriques ganha notoriedade e prestígio, ele volta-se para a retomada completa da porção ocidental.

É nesse contexto que, em 1139, eclode a Batalha de Ourique e que forja o caráter eminentemente católico de Portugal. Um dia antes da batalha contra os maometanos, Jesus Cristo aparece para dom Afonso Henriques e diz que ele sairá vitorioso, e que o reino de Portugal terá como missão imprescindível fazer com que a Fé seja dilatada por todos os povos e nações. É, portanto, uma missão evangelizadora e civilizacional que terá impacto no mundo todo. O historiador Alexandre Herculano assevera que esse momento forja a identidade e o espírito português.

É interessante notar que o brasão do Império Português, depois de consolidado em reino, tem cinco quinas que representam os cinco reis mouros derrotados por D. Afonso. Além disso, dentro de cada um das quinas, há cinco pontos representando as chagas de Cristo. Contando as chagas e duplicando as chagas da quina do meio, soma-se 30, representando as 30 moedas que Judas recebeu por ter traído Cristo. É uma imagem muito forte e clara de qual é a missão primordial de Portugal dentro dos planos mais altos da civilização católica. Nesse sentido, o que se pode observar é que era necessário uma construção pátria muito estável para que esse ideal pudesse ser alcançado.

Depois de reconhecida pelo Papa, a dinastia afonsina governa Portugal e completa a unidade territorial do país em dois marcos: com a tomada de Lisboa, em 1147, e com o fim dos muçulmanos, em 1279. A dinastia afonsina, internamente, tinha como objetivos principais a defesa do território, a consolidação da independência e a organização interna para que houvesse capacidade de seguir a vocação dada pela Providência. Nesse sentido, é importante que se conheça a obra de D. Diniz (1279-1325) que imprimiu uma vitalidade cultural e social muito grande em Portugal.

Em primeiro lugar, ele conseguiu estabelecer a ordem na justiça, depois, reordenou a forma pela qual a posse de terras era transmitida. Isso garantia a organização social e política do território que, uma vez livre dos muçulmanos, precisava de uma continuidade política adequada para a vida social. Em segundo lugar, ele sabia que a cultura era um elemento chave na construção do país e, em 1290, funda a Universidade de Coimbra que, em Portugal, seria uma das principais responsáveis pela difusão do tomismo no mundo ibérico. Nesse período, o que se observa é que Portugal ganha a musculatura necessária para ser um grande império no mundo

Entre os anos de 1330-1390, aparece uma fase de instabilidade política, de tentativas de tomada do Império Português pelos reinos irmãos e de uma mudança de dinastia no seu comando. A situação é mais grave no reinado de dom Afonso IV quando seu filho, Pedro, começa a ter relações proibidas com Inês de Castro. A situação leva a um conflito entre pai e filho e Pedro I (1357-1367), enquanto rei de Portugal, manda prender aqueles que queriam matar Inês. A importância do reinado de Pedro I é que ele concede título de nobreza para muitas pessoas, incluindo seu filho João, que recebe a Ordem de Avis.

O último rei da dinastia Afonsina, Fernando I (1367-1383) gerou problemas com o reino de Castela, ameaçando a independência de Portugal e, como não deixou herdeiros, gerou um problema de sucessão com a sua morte. Seu irmão bastardo, João, começa a ganhar preponderância em Lisboa, uma vez que ele era contrário a ceder a independência de Portugal. Com isso, Álvaro Pais, intelectual português, começa a preparar João para exercer o poder. À medida que ele ganha poder, o Reino de Castela vê que a regência de Leonor[1] está em perigo e invade Portugal.

Quando o Reino de Castela invade Portugal, os burgueses do litoral e os agricultores do interior, liderado por Nun’Álvares Pereira, juram fidelidade a João e começam a confrontar os irmãos castelhanos. Em 1385, na batalha de Aljubarrota, o exército de João vence os invasores e, por conta de uma aclamação geral do povo português, João é coroado rei de Portugal, dando início à dinastia de Avis. A partir de então, João I, Mestre de Avis, terá o trabalho de retomar a estabilidade e o prestígio de Portugal.

O Reinado de João I e a Ínclita Geração (1385-1450)

O reinado de João I, Mestre de Avis (1385-1433) é um dos mais longos da história de Portugal e um dos mais importantes para toda a consolidação do Império. Isso porque, dentro do reinado de João I, Portugal se estabelece como um grande país, começa a exploração marítima e dá início a construção do Império Português em todos os continentes do mundo.

Sabendo da importância dos intelectuais e do estudo, ele coloca do seu lado o grande João de Regras, um dos jurisconsultos de grande envergadura no país e professor da Universidade de Coimbra. O cronista Fernão Lopes diz que João de Regras era homem de grande cultura, capacidade filosófica e conhecimento de história. Alçado ao cargo de Conselheiro e Chanceler, ele sabia que era necessário agraciar os comerciantes que, em sua maioria, navegadores, imprimiram um caráter desbravador e aventureiro em Portugal. Isso, juntamente com o espírito da Reconquista, levou o povo português a dilatar a fé e o império para todo mundo, como assinalou Camões.

No entanto, o grande feito de João I foi a consolidação de uma política de prestígio fundada na aproximação com outras dinastias Europeia e na defesa do Papado em Roma. Com a crescente força do Império Otomano, controlando o Mar Mediterrâneo, os portugueses iniciaram um longo processo de encontrar outra alternativa para as Índias e para as viagens à Jerusalém, como aponta Padre Alfredo Sáenz, em seu livro “Cristandade e sua Cosmovisão”. Aquilo que a Reconquista representou para a Península Ibérica, as navegações transmitiram para o mundo todo. A Conquista de Ceuta, em 1415, marca essa grande aventura da Cristandade.

Nesse contexto, João I ordena que seja construída uma escola para estudos e aprimoramento das técnicas de navegação. Em 1417, é fundada a Escola de Sagres. A escola foi administrada por Infante Dom Henrique, um dos homens mais célebres da Ínclita Geração. Durante o tempo em que ele permaneceu na escola, houve um grande desenvolvimento de mapas, de instrumentos de navegação e de naus. A partir do sucesso da Escola de Sagres, Portugal se consolida como pioneiro nas grandes navegações e grande responsável pela difusão do catolicismo pelo mundo todo.

Depois da morte de João I, em 1433, acontece o ápice de todo o processo do desenvolvimento do Império Português, fazendo com que Portugal fosse o grande responsável por cristianizar todas as partes do mundo, seguindo a vocação dada por Nosso Senhor à D. Afonso Henriques.

Os filhos de Dom João I e Felipa de Alencastre foram parte da Ínclita Geração que, por conta de sua grandes habilidades e virtudes, formaram uma verdadeira elite cuja finalidade era o bem comum. Os integrantes dessa geração eram: Dom Duarte, Infante Dom Pedro, Infante Dom Henrique, Infanta Isabel, Infante Dom João e Infante Dom Fernando. Todos esses tiveram grande relevância nos desdobramentos históricos de Portugal e, portanto, na busca do cumprimento da vocação do país. É notório que saiu, dessa geração, as bases para a chegada dos portugueses ao Brasil, no final do século XV.

Para que se possa compreender a envergadura dessas pessoas, é necessário falar um pouco de cada um deles. O infante Dom Pedro (Duque de Coimbra) traduziu para o português as obras de Marco Túlio Cícero e concluiu obras importantes de sociologia política. O infante Dom Henrique (Duque de Viseu) foi o grande militar que comandou as tropas portuguesas na tomada de Ceuta e é o grande desbravador português. D. Duarte I, rei de Portugal, foi o responsável por liderar os esforços de continuidade às grandes navegações, chegando até o temível Cabo Bojador e até as primeiras ocupações nas Ilhas Canárias e na Ilha da Madeira.

Esses são alguns exemplos de pessoas que compuseram a grande Ínclita Geração de Portugal, uma geração que era a descrição própria da elite portuguesa e que, por meio dela, pode-se tirar alguns importantes ensinamentos de como se pensa o desenvolvimento das nações. Além disso, o que se pode aprender com eles é que a nação precisa de homens virtuosos e que tenham o fundamento de suas vidas a verdade, somente assim, é que uma nação pode chegar aos pontos mais altos de seus componentes históricos, políticos e sociais.

O que a Ínclita Geração pode ensinar

A Ínclita Geração pode transmitir ensinamentos que vão desde a vivência da religião até grandes feitos humanos que permaneceram na história. Ela produziu frutos impressionantes no desenvolvimento pessoal, na condução dos negócios políticos do país, na relação com outras dinastias e nações e na vivência de fé, são elementos que levam a pensar em como uma nação não pode ser construída a partir de políticas públicas que levem em conta o entendimento completo da sociedade.

Os membros da Ínclita geração eram profundamente religiosos, tanto que um deles morreu como cativo de muçulmanos, em Ceuta. O Infante Dom Fernando é considerado como Beato pela Igreja Católica e seus restos mortais repousam no Mosteiro da Batalha e, até hoje, milhares de portugueses são devotos a ele. A Infanta dona Isabel tratou de pobres, cuidou de doentes e, depois de ter-se tornado viúva, passou a usar os trajes dos franciscanos, com profunda piedade. A prática da verdadeira religião é, portanto, um aspecto fundamental para o desenvolvimento das nações.

Além do aspecto religioso, é necessário compreender que uma nação precisa de pessoas que sejam cultas e sábias. O Duque de Coimbra é considerado como o príncipe mais culto de Portugal, não apenas pelo fato de ter traduzido Cícero, mas por ter escrito obras sobre sociologia. O rei dom Duarte era, também, muito afeito ao estudo da filosofia e da teologia, pensando em como a virtude deveria ser entendida no cumprimento de seus deveres como monarca. A leitura dos clássicos e a busca pela verdade é outro traço importante que se pode notar nessa geração.

A consciência histórica e o comprometimento com a vocação do país é outro elemento que pode ser visto por aqueles que desejam atuar na esfera pública. Todos os membros da Ínclita Geração sabiam da mensagem de Ourique e sempre que precisavam avançar em alguma matéria mais complicada, remetiam-se aos fundamentos de Portugal. Somente com consciência histórica é que se pode compreender qual é o destino de um país. Um líder que deseja atuar em um país precisa, necessariamente, conhecer profundamente a história daquela nação.

O sucesso de Portugal, entre os séculos XIV e XV, portanto, deve-se a formação de uma elite com o ferramental necessário para tomar as grandes decisões necessárias para Portugal, muito mais do que saber qual é a política pública mais adequada ou qual é a ação imediata a ser tomada. Por essa razão, é importante que seja fomentada e patrocinado ambientes e formações que atuem para a formação das elites, principalmente em um momento histórico que é marcado pelo individualismo, pelo egoísmo e pelo pragmatismo.

Não se pode ter um país sólido sem que as elites entendam que elas devem patrocinar e fomentar o aumento do nível cultural das pessoas, na propagação dos ambientes que proporcionam esse tipo de formação e que essas mesmas elites estejam preparadas para exercer aquilo que é fundamental na condução política, econômica e social: a busca do bem comum. Portanto o que é necessário é a formação de uma elite aristocrática clássica, que deixe o espírito liberal de lado, sem isso os países continuarão a sofrer com as correntes ideológicas.


[1] O direito de regência de Leonor Teles, em caso de morte do rei D. Fernando, foi estabelecido no Tratado de Salvaterra de Magos. O tratado dizia que, em caso de problema de sucessão, Castela assumiria o reinado.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *