Um adulto que se depare com o material didático de seu filho, nos dias de hoje, possivelmente será tomado por um misto de confusão e de desânimo. Para ele, o conteúdo é bem fácil, mas é provável que a criança não consiga formular uma argumentação que dê solução aos problemas ali propostos, sejam eles de matemática, português ou qualquer outra matéria.
Mesmo nas universidades, não é tão difícil encontrarmos alunos que, diante de uma pergunta, demoram uns 3 segundos e já respondem um categórico “não sei” sem nunca voltar a pensar no assunto. Esses, muitas vezes, são os mesmos que se deixam seduzir pelas ideologias e pela busca utópica de um mundo melhor – desde que isto não lhes acarrete nenhuma responsabilidade, obviamente.
Quão maior não seria a preocupação do nosso adulto hipotético se ele se deparasse com os relatos históricos da educação antiga? Ao ler os tratados de educação da Idade Média como o Opúsculo sobre o Modo de Aprender de Hugo de São Vitor, como o Sobre o Modo de Aprender do Gilberto de Tournai ou até mesmo um tratado clássico de não muito tempo atrás como o Ratio Studiorum do Pe. Leonel Franca, ver-se-ia que algo deu muito errado.
Em suma: este tipo de excelência não é uma característica peculiar de uma época. Talvez seja a nossa própria época que destoe das anteriores. Mas o que tornará tão diferente a educação dos dias de hoje, em relação ao que se praticava antes? Esta é uma pergunta que não é tão difícil de se responder, se estivermos dispostos a considerar a educação em relação à natureza humana. É à luz dela, portanto, que essa trajetória será apresentada nesse artigo.
O que, então, podemos considerar como sendo a educação? Um bom ponto de partida pode ser a etimologia da palavra. ‘Educação’ (e–ducare, e de ducare derivam palavras como duque, duce etc.) significa conduzir para fora, isto é, como o desabrochar de uma flor, este processo visa a revelar o que é mais valioso no ser humano. Do mesmo modo, se falamos de ser humano, não dizemos apenas de este ou aquele homem, como se falaria de João e Maria. Falamos, antes, da natureza humana naquilo que ela tem de universal, ou seja, naquilo que todos os indivíduos compartilham e que é um condicionante para o bem viver de cada um deles.
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Em outros tempos, o termo universal já seria suficiente para determinar que essa é a condição verdadeira sobre a qual a educação se baseia. Mas, como a época em que vivemos é marcada por uma deturpação do uso universal, que muitas vezes é utilizado para designar coisas particulares (e até idiossincráticas), precisamos dizer que, no nosso caso, falamos de algo verdadeiramente universal. Por isso o título do nosso artigo, “a verdadeira educação universal”.
Porém, o que deve ser conduzido para fora? A sua humanidade, isto é, a qualidade própria de cada Ser Humano. Hoje em dia, está na moda dizer que a educação é o processo de formação de uma personalidade até que ela se torne madura. No entanto, uma personalidade pode ser boa ou má, por mais madura que seja. Uma pessoa madura é aquela que se coloca na realidade com consciência de seu papel. Por isso se diz que um Napoleão ou um George Soros são pessoas de personalidade madura, isto é, agem no mundo com um fim determinado. Assim, não basta ter uma personalidade consciente de um certo papel histórico para alcançar o fim próprio do ser humano, que é a sabedoria.
O primeiro elemento da educação é o elemento que – este sim – dispõe cada homem para a sabedoria: a humildade. É importante que se reconheça isto: apenas aquele que se sabe imperfeito pode um dia ser conduzido à perfeição. Hugo de São Vitor, um monge do século XII, faz questão de indicar que a humildade é a base da inteligência. Essa virtude coloca o indivíduo diante da sua real condição diante do mundo, dos outros e de Deus.
Ao longo do século XX, com a teoria crítica da educação, baseada na obra de Rousseau, o professor foi colocado na posição de facilitador junto ao aluno e destituído de sua autoridade. O problema é que o professor, para além de sua capacidade intelectual e conhecimento, é uma autoridade natural para o grupo de alunos que está diante dele, no quesito moral. E é justamente nessa relação que o aluno consegue praticar a humildade e se colocar na humilde posição de aprendiz.
Aprofundando o problema e retrocedendo ainda mais no tempo, é preciso reparar que o pensamento racionalista do século XVIII já havia efetuado uma cisão entre a pessoalidade e o indivíduo. A pessoalidade é a unidade de todos os aspectos circunstanciais e essenciais do ser humano. Mas na educação pós-iluminista, efetuou-se uma separação entre as diversas áreas do conhecimento. Assim, o ensino foi planificado no conhecimento entre vários segmentos de estudo sem conexão entre si. A moral, nessa nova educação, passa a ser um elemento subjetivo composto de valores, em contraposição à objetividade do progresso científico, composta de fatos.
De acordo com essa concepção, o professor passa a ser um poço de conteúdo e mais nada. Assim, o professor tem duas saídas: usar as regras do colégio para imprimir ordem pela força ou submeter-se ao mau comportamento dos alunos. No início do século XX a primeira opção era mais comum, mas hoje em dia vivemos a segunda opção. Tudo isso, por falta de humildade.
Em seguida, Hugo de São Vitor relembra que o engenho é o instrumento vital pelo qual agimos na busca da educação. Esse engenho é a capacidade natural, que é herdada pela geração, aliada à memória e à diligência. Note, leitor, que a memória não se encaixa na capacidade natural. E esse é mais um erro da nossa educação moderna. Com medo de imposição sobre o aluno – mais um efeito da falta de humildade e da moralidade de alunos e professores – a pedagogia moderna afirma que a memorização ofusca a inteligência natural de cada educando.
No entanto, a memória é uma parte da inteligência que se utiliza da atividade mental do homem. Para que haja memória, é necessário concentração e repetição. Por acaso, você, leitor, percebe que isso também já não está mais presente nos alunos ou crianças que você conhece? A memorização se realiza com o foco da imaginação na informação recebida, na ausência de dissipação na imaginação e com a repetição para a fixação. Só após esse processo, a inteligência é capaz de alçar voos mais altos.
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O papel da memória, esquecido pelos modernos, é o de apresentar o conhecimento adquirido anteriormente, de modo fidedigno à realidade à inteligência. Assim, a inteligência pode “olhar” para essas informações e conceitos e estabelecer relações entre eles.
Imagine a seguinte cena: um professor pergunta a um certo aluno se ele sabe um determinado conceito ou argumento. O aluno responde que sim. Mas, quando o professor lhe exige a explicação, o aluno responde: “eu sei o que é, só não sei explicar”. Um bom professor não deixaria essa oportunidade de ensinar passar. Porém, quando o professor pede ao aluno que desenvolva suas ideias, o aluno desiste. O medo de fracassar diante dos amigos ou a preguiça de usar a sua inteligência predominaram. Creio que todos já presenciamos uma cena parecida.
Essa cena é explicada justamente pela falta de humildade, pela falta de memória e, portanto, pelo mau uso da inteligência. Desde o início da civilização, o processo educacional recebeu contribuições relevantes que elevaram a capacidade do homem de conhecer a realidade. Houve uma tradição iniciada na Grécia, perpassada pela civilização romana e difundida na Europa através dos monges católicos. Essa educação chegou ao Brasil através dos dominicanos, franciscanos e jesuítas.
Vale dizer que, naquele momento histórico, a educação ainda estava ligada à unidade do homem enquanto um ser moral e inteligente. A moralidade significa a verdade aplicada às ações, enquanto a inteligência significa a verdade na consciência de cada homem. O fim dessa educação é a sabedoria.
Sabedoria não é uma lição de moral pontual e obscura vinda de algum guru. Ela é a contemplação da verdade em sua unidade. Explico melhor; a sabedoria é enxergar que até mesmo o verde da grama está relacionado à sua existência e à bondade de Deus. Mas, veja, é enxergar mesmo! Essa visão é identificada através de um deleite interior, mais pessoal e suave do que os deleites do corpo e mais tranquilizador que os deleites da vitória pessoal.
É como uma iluminação interior em que você é capaz de afirmar: “eu via, mas não enxergava, agora vejo o mundo de modo diferente”. Como Santo Agostinho ao dizer “ó beleza tão antiga e tão nova”. Do mesmo modo, essa contemplação realiza uma mudança interior que é refletida na atitude de quem a alcança.
Hoje, debate-se tanto sobre qual proporção do PIB deve ser destinada para a educação, sobre a pedagogia do oprimido ou sobre novas tecnologias em sala de aula. Mas isto não é o bastante. Nada disso terá eficácia em conduzir cada pessoa do estado de ignorância para o hábito da contemplação da verdade.
Não é essa a tradição educacional herdada pelo nosso país e não é essa a preocupação que um verdadeiro conservador deve ter quando o assunto é a educação. Quando da queda do Império Romano, o movimento educacional que surgiu nos mosteiros penetrou naquelas sociedades bárbaras e transformou o comportamento da população. Com isso, foi-se formando sociedades cristãs nos diversos povos da Europa.
Essa transformação é possível em qualquer período da história, mas apenas quando a educação é baseada na busca pela verdade e na meditação dos ensinamentos de professores que visam alcançar a contemplação. Quando as pessoas tomarem consciência de que há uma educação verdadeiramente universal, poder-se-á considerar uma mudança substancial em nossa sociedade.
Filipe Mendes Dalboni é mestrando em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais e bacharel pela Universidade Federal de Viçosa, com especialização latu sensu pela Faculdade Pio XII.