Giovanni Fighera
La Nuova Bussola Quotidiana
Uma rã crucificada no lugar de Jesus Cristo, realizada por Martin Kippenberger e exposta no Museu de Arte Moderna de Bolzano em agosto de 2008; um colchão com uma lata de lixo, melões, laranjas e pepino, obra intitulada Au Naturel (1994) do artista Sarah Lucas: são apenas dois de muitos exemplos que podem ser citados para mostrar respectivamente a provocação que se traduz em blasfêmia deliberada, e a moda artística que consagra a feiura e a ostentação.
“O bonito é feio e o feio, bonito”, sentenciavam as bruxas da tragédia shakespeariana Macbeth, profetizando assim o que acabaria acontecendo, afinal, na atualidade. A inversão na concepção estética era então apresentada como o mais gritante sintoma da corrupção e da degradação da época. O verso pronunciado pelas bruxas poderia ser agora parafraseado “o bem é o mal e o mal, o bem” para sublinhar a reviravolta pela qual a indecência, a vulgaridade e o feio se tornaram objeto constante de representação na maior parte da mídia.
Evidentemente, numa era como a nossa, certamente não são apenas as premiações artísticas e os concursos culturais que estão promovendo a difusão do feio e a subversão dos cânones culturais e éticos tradicionais. Os canais privilegiados e responsáveis pela propagação dessa mentalidade, que hoje vai se tornando um hábito consolidado, são os meios de comunicação de massa mais acessados, isto é, a televisão, a internet e as revistas.
Estes canais consolidaram amiúde, nos últimos anos, o domínio do disforme (a ausência da “forma” que era sinônimo de “beleza” na antiguidade), da incompetência ou da hiper-especialização (por isso se recorre sempre ao especialista), da obscenidade, da violência, da provocação a qualquer custo e da miséria da pornografia.
Em suma, nossa época aparenta afirmar, ao menos na aparência, o domínio do feio. Hoje o homem parece quase que atraído e seduzido pelo feio. Por quê?
“A imagem vulgar, feia, não requer aprendizado, educação: essa é mais fácil de ser adquirida por uma bela, bem construída culturalmente. Nesta última, há uma ideia de projeto, uma visão que se empenha na construção de um mundo possível; na outra, há o niilismo, a dissolução que é recebida com uma risada grosseira e profanadora”. (Stefano Zecchi)
Mesmo as pessoas instruídas e “educadas para o belo” não são imunes à atração pelo feio. Ou melhor, muitas vezes elas não conseguem se libertar do consumo de produtos miseráveis, baixos e obscenos, emblema desta degeneração da cultura e da arte contemporânea que levou à gradual afirmação do trash. Tentaremos agora resumir as etapas fundamentais deste processo.
O primeiro episódio ocorre entre o fim do século XVIII e o início do XIX, quando a revolução industrial nos levou à produção em série por meio da linha de montagem. Este novo processo de produção influiu profundamente também sobre a ideia de unicidade da obra de arte e de racionalização do processo artístico.
Deste modo, o artista italiano Antonio Canova reproduz várias vezes o mesmo tema. No processo de realização da obra o escultor inclui uma primeira fase de ideação do esboço, uma segunda de realização da estátua em terracota ou em gesso de tamanho menor em relação ao trabalho final (a estátua é pontilhada por furos que identificam os comprimentos de algumas partes anatômicas de tal forma que, depois, o artista possa reproduzir a estátua final várias vezes).
A última fase encontra-se com a reprodução da estátua em mármore em cópias que podem diferir apenas no tamanho.
O segundo episódio se verifica na metade do século XIX com a afirmação do Kitsch, que deriva da associação do fato artístico incluído na lógica da produção industrial com o desejo da classe social burguesa, agora estabelecida como predominante, de fruir a obra de arte diretamente em sua própria casa.
Esta necessidade leva à realização em série integral ou parcial, a preços competitivos, de obras de arte famosas para um público cada vez mais numeroso. Estas não são mais cópias, mas reproduções industriais real e propriamente ditas.
“Se a arte está desnaturada em relação ao seu status ontológico, o próprio artista não terá mais uma função educativa, moral, de poeta-vaticinador, de referência para a própria época.”
Terceiro episódio. O século XX se inicia com as vanguardas históricas que propõem, em muitos casos, uma subversão radical do conceito de obra de arte tradicional. Assim, Marcel Duchamp (1887-1968) transforma uma roda de bicicleta em obra para o museu (1913), abrindo caminho para que qualquer objeto, desvinculado de seu contexto e uso cotidianos, possa virar motivo de fruição artística.
Deste mesmo modo, um mictório virado colocado em um museu, recebendo o nome de “Fonte”, confunde a fronteira entre o artista e os outros homens, entre a obra de arte e os objetos de uso comum.
Alguns anos mais tarde, Hugo Ball dará vida à vanguarda dadaísta (1916-1921) que, recorrendo ao ready-made (“já pronto”), à collage, à assemblage, à fotomontagem, procurará desestruturar o conceito de arte tradicional em nome de uma ampliação dos estilos, da abolição da separação entre arte e vida e da criação de uma espécie de “não-arte”.
A vanguarda futurista, no mesmo período, consagra a superioridade dos produtos tecnológicos sobre as obras de arte. No “Manifesto do movimento futurista” (1909) Tommaso Marinetti escreve que o automóvel é mais belo que a “Vitória de Samotrácia”, por ser mais moderno, assim como todas as cidades deveriam tomar como exemplo Milão, o centro industrializado e tecnológico da região norte.
De forma provocativa, Marinetti afirma que as cidades-museu, como Roma, Veneza e Florença, deveriam ser destruídas. Os poetas futuristas, escrevem frequentemente “poemas livres”, juntando palavras de modo quase fortuito, ou associando-as com operações matemáticas ou ainda com o objetivo de criar caligramas.
É evidente que estas experiências contemporâneas põem em discussão o próprio conceito de obra de arte, privada não só do caractere de beleza, mas também da sua especificidade em relação aos objetos de uso comum e quotidiano.
Se a arte está desnaturada em relação ao seu status ontológico, o próprio artista não terá mais uma função educativa, moral, de poeta-vaticinador, de referência para a própria época. Para que serviria uma obra de arte que qualquer um pode realizar, destituída de toda regra, separada da herança completa da tradição precedente?
Uma experiência artística como a futurista, que, do ponto de vista histórico, durou pouco mais de uma década, é, na realidade, extremamente significativa e um testemunho eloquente da atualidade.
A arte perde, de fato, o posto de privilégio de que sempre gozara na história da humanidade. São automóveis e aparelhos tecnológicos sempre mais evoluídos a assinalar e a caracterizar, ano após ano, as mudanças da sociedade.
Quarto episódio. Nas décadas seguintes, a evolução natural da transformação de um objeto de uso corrente em obra de arte é que qualquer um pode ser artista. Os assuntos da arte são agora retirados do mundo da cultura de massa e dos mitos predominantes no imaginário coletivo (Elvis Presley, Marilyn Monroe, Coca-Cola…). Nasce a Pop Art.
Se o kitsch transformou uma obra de arte em fenômeno de massa, a arte Pop transforma o objeto de massa em produto artístico. O artista norte-americano Andy Warhol (1928-1987) afirma que, na época contemporânea, qualquer um pode ser famoso por 15 minutos.
Por meio de fatos chocantes (mesmo os mais truculentos ou vulgares) nos talk shows ou no big brother da televisão, graças a utilização dos meios de comunicação de massa que possibilitam uma ampla difusão de informações, hoje, de fato, o sucesso pode ser alcançado.
À velocidade e à extensão da fama corresponde, porém, de modo inversamente proporcional, a facilidade com a qual esta fama desaparece.
Escreve o filósofo Alain Finkielkraut[1]:
“A escatologia igualitária exige que todos sejam autores e que seja cancelada para sempre a figura paterna, transcendente, inibidora do Autor. Todos autores, em um mundo sem autor: é esta a última forma de igualdade…”.
Assim,
“se todo homem é artista, porque então elevar os artistas acima da humanidade comum? Se todos têm o dever de realizar suas virtualidades poéticas, por que celebrar os poetas?”.
O quinto episódio consiste na afirmação do trash, ou seja, do lixo. Baldados a tradição e o legado técnico e de valor da própria tradição, ou seja, eliminada toda experiência artística, tendo subestimado tudo o que é do passado (desde que não seja de algumas décadas atrás, porque neste caso estaria na moda), pode-se tranquilamente propor aos olhos e ouvidos de todos o lixo, o trash.
No Museu de Arte da Filadélfia foi exposta em 1992 a “Strange Fruit”, obra de Zoe Leonard, composta por cascas de banana, de laranja, de toranja e de outras frutas costuradas com arame. O “verdadeiro e próprio lixo” se tornou arte: não é um sonho, mas um pesadelo, o da destruição da arte, está se tornando realidade.
Giovanni Fighera, formado em Literatura Moderna com especializações nas áreas de literatura e linguística, é professor, jornalista e colaborador do Departamento de Filologia Moderna da Universidade de Milão.
La Nuova Bussola Quotidiana, todos os direitos reservados. Publicado com permissão. Link original: “Così la contemporaneità ha sposato il trash”.
[1] Alain Finkielkraut, Noi, i moderni.
A gota do pior veneno: escola de Frankfurt