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Bonum est diffusivum sui

Lepanto, 450 anos depois: esperança para a Cristandade em crise

A batalha de Lepanto demandou uma liderança forte. Hoje, a Europa está procurando por lideranças parecidas. A Europa precisa de estadistas: homens e mulheres que pensam na próxima geração, não na próxima eleição; gente como Dom João da Áustria e o Beato Imperador Carlos, animados por um profundo senso de serviço e prontos a pôr os interesses de seus povos antes dos seus.

Imre von Habsburg-Lothringen
The European Conservative

A batalha de Lepanto foi uma das mais decisivas na história da Europa. Assim ela é recordada em minha família – não apenas por sua extraordinária façanha técnica, mas também por seus aspectos miraculosos e providenciais, e pelo impacto duradouro que teve sobre a Europa. O que estava em jogo, em suma, era nada menos que a sobrevivência da Cristandade e a defesa da herança cultural e espiritual da Europa.

Este ano marca o 450º aniversário da batalha. É uma ocasião para refletir sobre a importância de Lepanto – não apenas para sua época, mas também para o nosso momento histórico – e para nos perguntarmos que lições nossos ancestrais podem nos ensinar: por que eles arriscaram suas vidas para se envolverem nesse combate? Que tipo de mundo eles visavam a preservar, construir e deixar para as futuras gerações?

Um chamado à unidade

Em maio de 1571, o papa Pio V proclamou oficialmente a criação da Santa Liga. Isto era, por si só, um desafio, já que a Europa estava à época dividida e não numa posição de poder. O imperador Habsburgo Carlos V, morto vários anos antes, havia dividido seu império em dois, criando uma linhagem espanhola e uma germano-austríaca dos Habsburgos.

À época de Lepanto, o Rei Felipe II governava a Espanha, e seu primo, o Imperador Maximiliano, havia sucedido a Ferdinando II como Imperador do Sacro Império. Embora Maximiliano tivesse assinado um tratado de paz com os Otomanos em 1568, seu primo Felipe da Espanha não havia feito concessões aos otomanos e via as forças do Islã como ameaças aos seus reinos e a todos os da Europa.

O rei da França, Carlos IX, não era um aliado dos Habsburgos. Ele herdara de seu avô – o famoso Francisco I – a centenária rivalidade entre ambas as famílias. Carlos IX preferia barganhar com os otomanos em matérias comerciais para “comprar” a paz, e considerava este novo conflito no Mediterrâneo uma oportunidade para enfraquecer ainda mais seus dois vizinhos Habsburgo: o Sacro Império e o reino da Espanha.

Além desta divisão política, a Europa vivenciava uma profunda ruptura espiritual e política. Em 1540, a Reforma já havia se espalhado por diferentes partes da Europa. Apesar da Paz de Augsburgo, de 1555, que estabelecia uma nova série de regras para a convivência pacífica entre protestantes e católicos, ficou claro para os otomanos que a Europa não seria mais capaz lutar como uma força unificada. Este era o momento para o ataque.

O papa Pio V, ciente da crescente ameaça de uma invasão muçulmana, lançou um poderoso chamado para que todos os católicos se unissem. De todas as partes da Europa, cavalheiros, soldados e corajosos aventureiros responderam ao chamado e juntaram forças. Ao lado dos Estados Papais, o Reino de Espanha de Felipe II contribuiu com metade dos navios de guerra, e a eles se somaram contingentes italianos, alemães, escandinavos, ingleses e escoceses.

A liderança suprema da esquadra foi conferida a Dom João de Habsburgo – mais conhecido como João de Áustria – filho biológico do imperador Carlos V e irmão mais novo de Felipe II da Espanha. Ele tinha, então, apenas 22 anos, mas já era versado na arte da guerra. Sobretudo, ele estava determinado a pôr um fim à presença de forças muçulmanas no Mediterrâneo.

Dom João era um homem religioso e considerava sua missão como vinda de Deus. Além disso, tratava-se de um caminho natural para seguir os passos de seu falecido pai. De fato, Carlos V via na defesa da Europa cristã sua raison d’être. Em 25 de outubro de 1555, em Bruxelas, ele declarou:

Quando eu tinha 19 anos, na ocasião da morte do imperador, propus-me como candidato à sucessão da coroa Imperial, não para aumentar minhas posses, mas, antes, para me engajar mais vigorosamente na… busca da paz entre os povos cristãos e na união de suas forças bélicas pela defesa da fé católica contra os otomanos.

O chamado do papa à unidade entre os católicos era, portanto, um desafio; mas ela funcionou e amalgamou suficientes soldados, marinheiros, embarcações e – sobretudo – determinação e coragem na preparação para a grande batalha.

A longa batalha pela Europa

Para que se possa captar o significado da Batalha de Lepanto, é importante considerar o conflito de trezentos anos entre duas potências mundiais: o Sacro Império Romano liderado pelos Habsburgos, de um lado, e o Império Otomano, de outro – isto é, o cristianismo de um lado, e o islã, do outro. Ambos os lados eram monoteístas, mas suas concepções acerca de Deus e, por conseguinte, suas respectivas compreensões acerca da pessoa humana eram dramaticamente diferentes.

A Europa não era importante apenas por conta do comércio, mas também possuía alta-cultura e uma tremenda influência no cenário mundial. A riqueza material e espiritual da Europa a tornava um objeto bastante atraente de conquista.

Além deste motivo, havia também o fato de que na tradição muçulmana, uma vez que um território tivesse sido conquistado e posteriormente perdido – como havia ocorrido com diversos territórios do sul da Europa – era necessário reconquistá-lo a qualquer custo. Mais ainda: se conquistassem a Europa, os Otomanos iriam conquistar o próprio coração da Cristandade.

Após a queda de Constantinopla, em 1453, os otomanos haviam se tornado uma potência imperial e as condições logo se tornaram propícias a uma expansão. O império muçulmano havia posto um pé na Europa – e era apenas o começo de um esforço de trezentos anos para adentar mais o continente. A Batalha de Lepanto foi o ponto de inflexão.

Em 1520, quando Suleiman I – conhecido como “o Magnífico” – se tornou sultão, ele deu início à sua missão para conquistar a Europa cristã. Um ano mais tarde, Belgrado foi tomada, e em 1522 a Ilha de Rhodes foi ocupada. Mas o sultão tinha uma meta ainda mais ambiciosa em mente: Viena, tida como o portal para a Europa Ocidental, e Roma, coração da Cristandade. Mas primeiro seu exército precisava abrir caminho pela Grande Planície Húngara.

O sultão logo venceria, em 1526, a Batalha de Mohacs, que marcou o início da ocupação da Hungria pelos otomanos, que iria durar 150 anos. Buda [a parte ocidental da atual Budapeste] e a parte leste do Danúbio se tornaram muçulmanas. O lado oeste da Hungria – conhecido como “Hungria Real” – tinha um novo Rei, eleito pela nobreza: Ferdinando I, da casa de Habsburgo.

Este era o começo de um período de 400 anos, durante o qual minha família teve a honra de servir ao reino magiar, dando-lhe nada menos que 19 reis. O último rei da Hungria foi meu bisavô, Carlos ou Karl I da Áustria, coroado Károly IV em 1916 com a mesmíssima coroa que o primeiro rei da Hungria, Santo Estevão, havia recebido do papa Silvestre II no ano de 1000. Meu bisavô recordava este evento como um dos mais importantes de sua vida, considerando seu dever real como uma missão de Deus e devotando-se a ela totalmente, mesmo até a morte.

Ele foi capturado por membros aliados da Conferência de Paz após a Primeira Guerra Mundial, durante uma tentativa de retorno à Hungria como rei legítimo. E faleceu vários meses depois, na pobreza, longe de seus povos da Europa central, mas rodeado por sua família e consolado por uma profunda consciência de haver cumprido seu dever como imperador e rei. Ele via em sua própria morte um sentido mais elevado, e por isso dizia à sua esposa: “Eu tenho de sofrer tanto assim para que um dia todos os meus povos sejam novamente reunidos.”

Após a conquista da Hungria em 1526, Suleiman deu início àquela que seria outra batalha decisiva pela Europa: o cerco de Viena de 1529. Se os otomanos tivessem tido sucesso, isso teria significado não apenas uma expansão do seu domínio na Europa, mas um duro golpe sobre a parte oriental do Império Habsburgo.

Suleiman chegou com nada menos que cem mil homens para atacar a capital austríaca. Viena estava mal preparada e tinha um contingente bem menor, mas resistiu por duas semanas. A derrota parecia às portas quando, graças a Deus, o terrível clima de outubro tornou impossível aos otomanos permanecer e alimentar suas tropas. Sua retirada foi uma vitória não apenas para os vienenses, nem tão somente para a Áustria, mas para a totalidade da Europa cristã.

Mas Suleiman não desistiu de seu sonho de conquistar a Europa e, a despeito de sua idade avançada, reuniu um grande exército e marchou novamente rumo a Viena em 1566. Embora tenha obtido sucesso em sua incursão na Hungria, o sultão morreu aos 72 anos, justo antes da vitória otomana na Batalha de Szigetvár. Apesar de ter sido um sucesso, este cerco, devido às suas grandes perdas – morreram vinte mil otomanos, além do sultão -, impôs um quadro em que um novo cerco a Viena estava fora de cogitação.

Apesar da morte de Suleiman, o magnífico, a avidez dos otomanos por novas conquistas continuava. Mas não levaria menos de um século até que o sultão Mehmet IV e seu grão-vizir tentassem novamente conquistar Viena.

A Batalha de Lepanto

Avançar através da Hungria havia se provado difícil, mas ainda havia o Mediterrâneo como via de acesso à Europa cristã, assim como para ganhar influência, expandir territórios e disseminar o Islã. Em 1565, os otomanos sitiaram Malta, e muito embora eles tenham ao final perdido e se retirado, a batalha mostrara à Europa quão grande era a avidez otomana por estender ainda mais a presença muçulmana na Europa. Várias ilhas no Mar Egeu logo foram tomadas. O avanço otomano preocupava o papa, que compreendia que o comércio e a expansão territorial não eram os únicos motivos dos turcos.

Como dito, para os muçulmanos os territórios perdidos precisavam ser reconquistados a qualquer custo. Era justamente o caso do Chipre, que havia estado sob domínio otomano nos séculos VIII e IX. Sua perda era razão suficiente para que o sultão Selim II rompesse o tratado de paz com os venezianos e atacasse o Chipre no Cerco de Famagusta, em 1570. O extraordinário cerco durou mais de um ano e finalmente terminou com a capitulação das forças venezianas frente aos otomanos, sob a condição de que aos soldados e à população fosse dado salvo conduto para sair.

Os termos não foram cumpridos e, uma vez rendidos, milhares de venezianos foram massacrados, e os jovens homens e mulheres foram levados para Constantinopla como escravos. O comandante veneziano na cidade, Marco Antonio Bragadin, signatário do acordo de rendição, teve suas orelhas e nariz decepados, e enquanto era torturado, recitava o Miserere e invocava o nome de Jesus. Finalmente, ele foi esfolado na piazza em meio às zombarias dos soldados otomanos. A Catedral de S. Nicolau foi transformada em mesquita e os habitantes remanescentes foram banidos da ilha.

Esta derrota humilhante e devastadora foi o gatilho para que o papa Pio V conclamasse uma união das forças cristãs com objetivo de pôr fim à crescente ameaça otomana. Ao responderem o chamado, os membros da Santa Liga sabiam que estavam lutando não apenas por seus países, mas também por sua fé e seu Deus, bem cientes de que uma derrota redundaria em um súbito avanço do exército muçulmano pelo sul da Europa e, finalmente, na conquista e capitulação da capital da Cristandade, Roma. O papa pediu explicitamente para que os cristãos de todo o mundo se unissem em oração pela vitória na batalha.

O próprio Dom João conduziu seus homens numa oração antes da batalha naval. Santas Missas foram rezadas e confissões para os soldados foram organizadas. Antes da batalha, Dom João, usando seu colar da Ordem do Tosão Dourado – a mais elevada comenda da Europa – navegou em um pequeno bote de embarcação em embarcação, exortando seus homens a lutarem por Cristo e mostrando sua disposição de morrer na batalha, se necessário.

A sete de outubro de 1571, as duzentas embarcações da Santa Liga se depararam com a esquadra otomana, mais poderosa, com cerca de trezentas embarcações, não longe do litoral de Lepanto, hoje localizada na Grécia. Por cinco horas, as forças cristãs e muçulmanas se confrontaram num combate encarniçado. Durante o conflito, a esquadra otomana perdeu 210 embarcações e seu comandante supremo, Ali Pachá, foi morto. As perdas foram consideráveis de ambos os lados, mas os otomanos finalmente se renderam, e 15 mil remadores cristãos escravizados que serviam nas embarcações restantes foram libertados.

Durante a batalha, muitos navios portavam um grande crucifixo. Na galera do capitão, La Real, havia um crucifixo de madeira que hoje está pendurado na catedral de Barcelona, bem como uma imagem da Virgem Maria que hoje está no Museu Naval de Madrid.

Miguel de Cervantes – um soldado espanhol e futuro famoso autor de Don Quixote – estava doente com uma severa febre, mas não quis perder a batalha que ele descreveu como “a mais importante ocasião para se lutar em séculos.” Ele perdeu seu braço esquerdo “em honra do seu direito”, ele escreveria mais tarde. Bravura e heroísmo manifestaram-se no seu ápice!

Existe um curioso elo entre a aparição de Nossa Senhora de Guadalupe no México em 1531 e a Batalha de Lepanto. Segundo o relato da aparição (ocorrida quarenta anos antes de Lepanto), uma mulher aparecera a um asteca recém-batizado chamado Juan Diego e anunciara ser a Mãe de Deus. A imagem miraculosa deixada por ela no manto – ou tilma – de Juan Diego iria ajudar na maior conversão em massa da história: 4 milhões de pessoas. Mas Nossa Senhora de Guadalupe não estava atenta somente ao Novo Mundo.

O bispo da Cidade do México fez uma réplica da imagem, encostou-a à original, e a enviou a Dom João para que ele a pudesse portar como estandarte de sua esquadra. Assim, Nossa Senhora, conhecida como “Rainha das Américas”, lutou do lado de seus filhos na batalha de Lepanto. De fato, sua presença ali destaca o fato de que o significado de Lepanto nunca foi somente salvar a Europa, mas salvar a própria Cristandade – e defender sua liberdade de proclamar Cristo a todas as nações do mundo.

Como agradecimento à Virgem Santa, a quem o povo da Europa havia rezado o rosário, e a quem a vitória houvera sido tão fervorosamente encomendada, o Papa adicionou a invocação Auxilium Christianorum à ladainha mariana, e declarou o dia da vitória – 7 de outubro – como festa de Nossa Senhora da Vitória. Posteriormente, este dia de festa foi renomeado com a advocação de Nossa Senhora do Rosário.

Outro ataque otomano

Ainda que o Mediterrâneo agora estivesse seguro, os otomanos ainda voltariam a combater. Em julho de 1683, a Batalha de Viena teve início, quando a cidade foi cercada por um grande e poderoso exército muçulmano em busca de vingança. Mas novamente, como no Cerco de Viena, os austríacos defenderam a cidade tanto quanto possível (inclusive no subterrâneo, uma vez que os otomanos cavaram túneis a fim de explodir as muralhas da cidade).

Deve-se chamar a atenção para o papel central da oração e do apoio moral e espiritual dado aos soldados. O grande Marcus d’Aviano, um frade capuchinho, foi um poderoso pregador que desempenhou um papel crucial na união dos poderes da Santa Liga contra a ameaça muçulmana e motivou os combatentes exauridos em torno à muralha da cidade a aguentarem firme o ataque otomano. De fato, Marcus d’Aviano, beatificado em 2003 pelo papa S. João Paulo II, é venerado por minha família. Até hoje, aos membros do ramo masculino da família (eu, inclusive) é aposto o nome “Marcus d’Aviano” em honra desta importante figura e do seu legado.

Após dois meses de luta, os austríacos estavam exaustos. Levaria apenas um ou dois dias até que a cidade fosse tomada. Era um momento crítico. Então, o rei Polonês Jan Sobieski III e seus poderoso e respeitados Hussardos Alados apareceram. Ele deixou a Polônia, encomendando a proteção de seu reino à Virgem Maria (até os dias de hoje, a Virgem Maria detém o título de “Rainha da Polônia”). Os poloneses eram católicos fervorosos, fiéis ao Papa, e grandes defensores do Sacro Império.

O rei Sobieski e seu exército se aproximaram dos portões de Viena sobre o Kahlenberg e, a 12 de setembro, lançaram seu ataque sobre os otomanos, impondo-lhes uma terrível derrota. Esta vitória foi atribuída à bravura dos soldados austríacos, liderados pelo Marechal de Campo Conde von Starhemberg, à ajuda indispensável do rei Sobieski e dos exércitos aliados, mas sobretudo, à firme fé dos combatentes cristãos, a cujo Deus tal vitória foi, em última instância, atribuída. Nas palavras do próprio Sobieski, parafraseando a famosa frase de Júlio César: “Viemos. Vimos. Deus venceu.” Assim como em Lepanto, a Virgem Maria havia sido invocada por toda a Europa durante a Batalha de Viena. Depois disso, o Papa declarou o 12 de setembro dia do Doce Nome de Maria.

A vitória na Batalha de Viena pode ser vista como o início da estagnação e declínio do Império Otomano. Ao longo do século XVIII, várias batalhas possibilitaram que a Áustria e seus aliados removessem o império muçulmano ainda mais para o Oriente e, no processo, libertassem a Hungria e os Bálcãs. Tudo isto culminou na Guerra de Independência Grega de 1820. Assim, começando pelo cerco de Viena, em 1525, o Conflito Otomano-Habsburgo finalmente chegou ao fim.

A lição de Lepanto para os nossos dias

Hoje, quatrocentos e cinquenta anos após Lepanto, a Europa enfrenta uma profunda crise de identidade e fé. Assim como no século XVI, a Europa hoje se encontra profundamente mal preparada para lidar com a pandemia, com a imigração, com o nacionalismo ascendente e os conflitos religiosos. O filósofo alemão Jürgen Habermas falou até de uma “crise civilizacional”.

Uma razão para tal crise é que parecemos facilmente esquecer (ou até rejeitar) nossa herança, nossas raízes, nossa história – e até nossa história recente. De fato – como nosso saudoso chefe da família, meu tio bisavô Otto costumava dizer – se nós ignoramos ou rejeitamos de onde viemos, então como poderemos saber aonde estamos indo, se não sabemos onde estamos ou quem somos? É fundamental que a Europa “reencontre sua alma” para recuperar sua identidade e discernir melhor sua vocação.

À época de Lepanto, apesar da falta de unidade e religião da Europa, Dom João, o papa Pio V, os líderes da Santa Liga, e seus muitos soldados e marinheiros sabiam que a batalha era um momento crucial para a Igreja, para sua herança cristã, sua civilização e sua própria identidade. Se a Europa pretende redescobrir e reafirmar sua identidade nos nossos dias, é fundamental que ela se reúna em torno à sua vocação – que é viver de acordo com a fé que recebida há dois mil anos atrás, e comunicá-la ao mundo, promovendo uma visão que respeite a dignidade da pessoa humana. Assim como a Santa Liga e o Sacro Império lutaram em defesa da Europa contra as invasões otomanas durante séculos, a identidade da Europa não pode ser compreendida sem sua herança cristã – filosófica, espiritual e culturalmente.

Richard von Coundenhove-Kalergi, o político e filósofo austríaco, dizia que dentro do Sacro Império, “a Europa podia sentir sua unidade de maneira bem mais forte que hoje”. A despeito das divisões intestinas da época – devidas à Reforma e às lutas de poder recorrentes – havia uma consciência de se fazer parte de uma entidade maior. Isto podia ocorrer somente graças à descentralização de poder, ao respeito pelas culturas locais, e à autonomia de muitos principados dentro do Império.

Um grande ponto a favor da ideia de que o princípio de subsidiariedade era mais bem aplicado no século XVI do que na União Europeia de hoje. Nesta, muitos assuntos são gerenciados pelos escalões mais altos pelo bem da eficiência. A subsidiariedade, porém, exige o contrário: começar pela família e pelas comunidades locais. Somente então um patriotismo europeu será possível, abrindo espaço para que as nações europeias lutem por uma causa maior.

A Batalha de Lepanto e o conflito de 300 anos que a envolveu requereram uma forte liderança. Hoje, a Europa busca uma liderança similar. À época de Lepanto, os líderes estavam animados por uma verdadeira bravura e por firmes convicções. Eles estavam dispostos a morrer em serviço da causa e de seu país. Os políticos de hoje em dia, por outro lado, são amiúde motivados por eleições e têm uma visão que dificilmente se estende para além de quatro ou cinco anos. A Europa precisa de estadistas: homens e mulheres que pensam na próxima geração, não na próxima eleição; gente como Dom João da Áustria e o Beato Imperador Karl, imbuídos de um profundo sentido de serviço, dispostos a colocarem os interesses de seus povos antes dos seus. Mais do que nunca, precisa-se de gente que preserve a verdade e a comunique aos outros; homens e mulheres que sejam bem relacionados, inovadores, e capazes de mudar o curso da história.

Os homens e mulheres do século XVI estavam profundamente consciente de sua própria mortalidade, e viviam na esperança da vida vindoura. Eles conheciam o poder da oração pessoal e comunitária. Eles tinham fé de que, apesar do sofrimento e da morte, o Senhor estava com eles.

Durante a Batalha de Lepanto, um exército oculto brandia seu rosário como sua arma principal e inundavam o trono de Deus com preces e petições confiadamente postas nas mãos da Mãe de Deus. Incapaz de resistir aos rogos de Sua Mãe Imaculada em favor de seus filhos, o Filho escutou suas preces e, uma vez e outra, concedeu à Europa cristã vitórias milagrosas justo quando a derrota parecia iminente.

A mensagem de Lepanto é, portanto, de uma esperança extraordinária. A Europa contemporânea novamente se depara com inimigos terríveis e obstáculos aparentemente insuperáveis – muitos colocados por ela própria – que põem em risco sua própria existência. Que nós, ao lutarmos com as muitas ameaças de doença, incerteza econômica, confusão moral, divisão religiosa e até o mesmo velho inimigo do islã radical e violento, sejamos inspirados pelo exemplo de nossos ancestrais, sabendo que o Senhor não irá abandonar aqueles que n’Ele confiam.


Imre von Habsburg-Lothringen, arquiduque da Áustria, é o bisneto do último imperador e rei da Áustria-Hungria, o Beato Carlos, e sua esposa, a Serva de Deus imperatriz Zita.

The European Conservative, todos os direitos reservados. Publicado com permissão. Link original: “Lepanto, 450 Years Later: Hope for Christendom in Crisis.

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