Wiliam de Carvalho
Quando se discute o peso acachapante do lobby da cultura da morte junto aos governos, universidades e demais centros de poder e influência, a pesquisa realizada pelo Dr. Donald Critchlow é, sem dúvida, uma fonte imprescindível. Editor fundador do Jornal of Policy History, periódico trimestral publicado pela Cambridge University Press, ele notabilizou-se como um autor de leitura obrigatória por todas aqueles que desejam atuar na causa pró-vida. A obra de Critchlow que comentarei suscintamente aqui representa a melhor coletânea de dados envoltos a “uma pequena elite americana que, no fim da Segunda Guerra Mundial, quis ‘sanar’ os problemas do mundo”, nas palavras do próprio professor.
Intitulada no Brasil como Segundas Intenções: a cultura da morte e o governo americano, o livro em questão já ganhou há três anos uma edição brasileira[1]. Em suas páginas, revela-se o minucioso, senão milimétrico, aparelhamento abortista de instituições-chave nos EUA. O autor desvela como as hostes do progressismo militante planejaram a conquista de espaços junto às reitorias das maiores universidades americanas, o seu intenso lobby na Casa Branca e no Congresso, a elaboração de metodologias eficazes de controle de comportamento, e a implementação de programas governamentais a serviço do chamado “planejamento familiar” (controle de natalidade).
Portando o distintivo da Oxford University Press, o autor logrou êxito em esmiuçar o enorme registro documental, inclusive com textos não processados, de John D. Rockefeller III[2] e do Population Council, além de ter feito uma vasta pesquisa nos arquivos dos primeiros presidentes do mesmo Conselho Populacional. Acessou também acervos documentais de outras entidades e pessoas, entre eles: PPFA[3], Fundação Ford[4], American Eugenics Society[5], Hugh Moore[6], Pe. Theodore Hesburgh[7], FAIR[8], reunindo, por fim, um grande volume de dados advindos de coleções presidenciais e cruciais apontamentos de agências governamentais obtidos nos Arquivos Nacionais.
A extensa pesquisa publicada inicialmente pela Oxford University Press no ano de 1999 parece ter finalmente dado frutos sensíveis, se considerarmos a queda da funesta sentença de Roe vs. Wade[9] que vigorava desde 1973, revogada recentemente pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que passou a permitir que os estados americanos possam legislar sobre o aborto, inclusive para reconhecer este crime bárbaro como tal. A importância vital desta celebrável, ainda que tardia decisão[10], é por certo inquestionável.
Critchlow demonstra, enfim, como se deu a intensificação do debate e do ativismo daqueles incansáveis pregadores do birth control. E recorda que eles foram precedidos nas suas pretensões malthusianas especialmente por feministas lideradas no começo do século XX pela mente eugenista e racista de Margaret Sanger[11], a fundadora da International Planned Parenthood Federation (IPPF) e de sua divisão americana, a Planned Parenthood Federation of America (PPFA).
Hoje, a Planned Parenthood controla a maior e mais lucrativa rede de clínicas de aborto do mundo, figurando no topo da bilionária indústria abortista. Seus lucros anuais, até a revogação de Roe vs. Wade, chegaram a ultrapassar a cifra de 1 bilhão e 300 milhões de dólares com serviços que incluem, além das intervenções abortivas – eufemismo para assassinato de crianças em gestação (!) –, a disseminação de métodos de contracepção, inclusive daqueles mais danosos à saúde das mulheres. Dinheiro de sangue, literalmente. Um negócio de causar inveja a qualquer um dos grupos de extermínio nazistas ou comunistas, cujos soldados recebiam nada mais que o seu soldo regular para matar os inocentes classificados como “não-pessoas” pelos regimes totalitários que os recrutavam.
Por mais humanitário que tente parecer, o argumento pró-aborto, em geral, nada mais é do que uma gigantesca distorção da realidade; verdadeira montagem de uma cadeia de construções discursivas politicamente enviesadas. No entanto, elas são cuidadosamente pensadas para forjar um resultado que legitimamente pode ser identificado como fruto de Segundas Intenções, de intenções que não se declaram abertamente infanticidas, embora o sejam, na verdade.
Seus pressupostos são simplesmente ideológicos, antiéticos e anticientíficos. Em primeiro lugar, (i) a criança no ventre materno não é vista como ser humano[12]; (ii) ato seguinte, as diferenças entre o corpo do bebê e o da mãe são totalmente obscurecidas, como se o ser que está ali em gestação não fosse detentor de direitos, não tivesse uma personalidade essencial e individual; (iii) em vez de um sujeito de direito e uma pessoa que merece viver, a criança é representada como um obstáculo para a saúde ou felicidade da mãe, derivando daí uma longa sequência de manipulações narrativas sobre “direitos reprodutivos da mulher” de caráter irracional, farsesco e emotivo.
Via de regra, a execução de uma pessoa adulta e inocente é repudiada pela sociedade, seja o vitimado nascido no país, naturalizado ou até mesmo estrangeiro, de modo que raramente um povo tolera tal violação de um direito natural tão elementar. Já a execução do nascituro é aceita em muitos países pela (anti)lógica da descriminalização, como no caso americano[13], ou por uma distorção semântica do dispositivo legal que afasta a punibilidade, confundindo esse afastamento com uma licença para matar. O que promove esta discrepância? Principalmente a atuação dos grupos, narrativas e agentes descritos pelo Dr. Critchlow.
Vale lembrar que a Resolução 95 (1) da Assembleia Geral das Nações Unidas de 11 de dezembro de 1946 afirma que os Princípios da Carta e julgamento do Tribunal de Nuremberg embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. E o Tribunal de Nuremberg estabeleceu como “crime contra a humanidade” o aborto.
O reiterado menosprezo da tutela internacional ao nascituro demonstra explicitamente que o tema “aborto” custa caro aos agentes contraculturais, políticos e econômicos comprometidos com a cultura da morte, e que o poder deles sobre as instâncias decisórias é assaz descomunal. Seus interesses vão muito além do que aparentam, como revela, por exemplo, o documentário Blood Money: aborto legalizado [14], de David Kyle e lançado em 2009.
Alheios à resposta da ONU de 11 de dezembro de 1946, que tratou o aborto como crime contra a humanidade, as elites globais de hoje estão obstinadas em sua campanha contra o direito fundamental à vida desde a concepção. Neste cenário de promoção internacional do abortismo, que se sustenta com o financiamento de grandes players do capital financeiro, ativistas da morte espalham seus erros e confundem os povos, matando milhares de inocentes que, nos ventres que deveriam ser santuários maternos, emitem um Grito Silencioso[15].
Há solução? Por certo. Mas a sociedade deve reagir. Primeiramente, informando-se adequadamente sobre o tema, indo além da mera profusão de opiniões nas redes sociais. A luta pró-vida exige estudo sério e comprometido, com profundidade e método, com o fito claro de superar a nossa ignorância e o próprio senso comum que, inclusive no Brasil, acha ok permitir o aborto em certos casos, embora o repudie na maioria das vezes.
Eis aí o primeiro passo para vencer a escravidão ideológica que está sendo imposta a nações inteiras e ambiciona tardar o máximo possível a punição dos genocidas aborteiros ou até mesmo isentá-los de responderem à justiça por seus crimes. Quem se põe a atuar pela vida no debate público deve estar convicto e muito bem formado e informado sobre a natureza e os direitos das crianças em gestação.
Wiliam de Carvalho é católico, pai de família, advogado, palestrante, formador e atua na causa pró-vida.