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Olavo x Dugin — Breve análise

O livro Os Estados Unidos na Nova Ordem Mundial é imprescindível para o entendimento das relações internacionais, uma vez que aponta para perspectivas distintas a respeito dos fundamentos e princípios de análises sobre a política internacional. Todo o livro repousa no debate travado por Olavo de Carvalho e Alexander Dugin, estrategista político russo e criador da chamada Quarta Teoria Política. Por meio de cartas, os dois debatedores começam tratando sobre o desenvolvimento histórico dos acontecimentos da política internacional desde o final da Segunda Guerra Mundial, passando pelos acontecimentos mais recentes no mundo.

O livro começa com uma pergunta simples, mas de complexa resposta: Qual é o atual quadro das relações internacionais e como a maior potência mundial, os Estados Unidos, se inserem nela? Alexander Dugin inicia o debate afirmando que não há uma ordem internacional após a Guerra Fria. Para ele, o sistema internacional da Guerra Fria, caracterizado pela bipolaridade, não foi superado. Nesse sentido, ele observa que os Estados Unidos da América possuíam três possibilidades de ação. A consolidação de um padrão hegemônico nas relações internacionais, a multipolaridade unilateral e o projeto do Council of Foreign Relations (baseado no Clube Bildeberg, cf. Cristina Jimenez: Os Donos do Mundo.). É necessário desenvolver quais são esses projetos para que se compreenda de que forma os EUA buscaram atuar.

A consolidação de um mundo unilateral é o projeto apoiado pelos neoconservadores americanos. Para esse grupo, os Estados Unidos tinham a obrigação de intervir nos países para levar a democracia. Entre os maiores nomes do neoconservadorismo americano pode-se citar Ronald Reagan e George W. Bush. Para esse segmento do Partido Republicano, os interesses nacionais só serão garantidos, caso haja democracias ao redor do mundo, pois é mais difícil que esse sistema político propicie o surgimento de arroubos totalitários ou sirva como mecanismo de financiamento de células terroristas.

O projeto de multipolaridade unilateral tem como objetivo a construção da governança global por meio dos parceiros dos Estados Unidos da América. Nesse sentido, a Europa Ocidental e o Japão seriam atores fundamentais para o êxito da tarefa. É necessário, no entanto, notar que esse projeto possui rivais que, segundo o Partido Democrata, são os Estados contrários ao multilateralismo e a uma ordem liberal internacional como, por exemplo, países como a Líbia, Síria, Irã. Em relação à China e à Rússia, os Democratas tradicionais são hesitantes.

A ideia do Council of Foreign Relations é a consubstanciação do projeto globalista. Nesse sentido, o CFR deseja a implementação de um governo mundial, dissolvendo as soberanias nacionais. É um projeto propagado pela elite financeira mundial e nomes como George Soros e nomes da Família Rockfeller são figuras carimbadas dentro do CFR. As revoluções coloridas na Ucrânia (laranja) e Geórgia (rosa) foram financiadas com os recursos dos grandes banqueiros, uma vez que tinham como objetivo a implementação de regimes políticos favoráveis à instauração de um governo mundial.

Para Dugin, as ações da política externa americana, ao longo da década de 1990 e início da década de 2000, tinham como objetivo propagar os valores e princípios americanos. Por essa razão, ele conclama os países e povos que não concordam com a política americana para tomar uma ação anti-imperialista. Assim sendo, o autor elenca os atores que não compactuam com uma ordem internacional entabulada pelos EUA.

Segundo Dugin, são três grandes grupos que fazem frente ao imperialismo yankee. O primeiro deles é composto pelas potências médias do sistema internacional: China, Irã, Rússia, Índia e Brasil. Esses países não querem perder a autonomia nas relações internacionais, embora possam contribuir e cooperar com os Estados Unidos em alguns momentos. O segundo grupo é formado pelos grupos antagônicos à ideologia ocidental: o projeto do califado islâmico e os comunistas. E o terceiro grupo é formado pelos propagadores do Projeto Eurasiano de poder.

As considerações iniciais do professor Olavo de Carvalho são voltadas para os três projetos de dominação global existentes: Projeto Eurasiano, Projeto Globalista Ocidental e Califado Islâmico. O primeiro é formado pela aliança sino-russa; o segundo é propagado pelo CFR, Comissão Trilateral e Clube Bildeberg, e o terceiro é um amálgama de todos os islâmicos que desejam implementar a Oumma mundial. Esses projetos, segundo o autor, são antagônicos, pois as bases filosóficas, teológicas e morais são heterogêneas. Apesar disso, Olavo de Carvalho afirma que esses projetos podem se aliar, caso haja algum interesse em comum. O próximo passo é observar a composição sociológica de cada um deles.

O Projeto Eurasiano é militar. Na China e na Rússia, a burocracia estatal é controlada, em grande parte, por forças militares ou membros das forças armadas. Isso é comprovado pela própria figura de Vladmir Putin, membro da KGB, que ocupa a Presidência da República. Na China, Xi Jinping tem ótimas relações com o Exército de Libertação Popular, que é o exército estatal da China controlado pelo Partido Comunista. A leitura que o bloco eurasiano faz sobre o bloco ocidental é que se trata da extensão do poder americano, pois onde o Ocidente chega, também estão presentes os princípios liberais. Para o projeto de dominação eurasiano, esses princípios representam o ápice da materialidade iluminista, que deve ser combatida, por não fortalecer as nações.

O Projeto Globalista é econômico, uma vez que é patrocinado pelos banqueiros ocidentais e pelo establishment. Segundo esse projeto, o maior inimigo é a religião. O fundamentalismo islâmico e a direita cristã ocidental são os maiores obstáculos para a implementação do governo mundial. Nesse sentido, a China e a Rússia são vistos como aliados, pois podem combater os radicalismos religiosos, bem como contribuir com o desenvolvimento de uma economia global. Ao escolher como inimigo principal a religião, nota-se que o materialismo torna-se a nova religião. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional são dois instrumentos poderosos na propagação de ideais contrários às religiões tradicionais e ao nacionalismo.

O projeto islâmico é estritamente religioso, uma vez que é controlado por uma teocracia. A Irmandade Muçulmana, criada no Egito em 1928, foi pensada para ser a grande organização intelectual que organizaria os muçulmanos do mundo todo. O livro “A Conquista do Ocidente” mostra quais são os planos e os canais de ação para que o islã conquiste toda a Europa e consiga implementar uma Oumma global. O maior inimigo desse projeto é o Ocidente, uma vez que considera a raiz de todo o enfraquecimento do Oriente Médio e, por essa razão, é possível uma aliança com o projeto eurasiano. Assim sendo, uma das estratégias dos islâmicos é utilizar o projeto eurasiano (ateu) e dar-lhe uma “alma” islâmica.

Uma vez exposto quais são os planos de dominação global, o professor Olavo de Carvalho inicia uma exposição sobre as estratégias de ação que cada um possui. O projeto eurasiano se camufla no combate ao terrorismo, mas, concomitantemente, financia células terroristas. Além disso, afirma que o liberalismo de Bóris Yeltsin foi o responsável pelo colapso econômico russo, mas esconde os grandes casos de corrupção do país. Para se proteger, informantes da KGB infiltraram-se em diversas mídias ocidentais, tentando evitar o julgamento dos atos. No caso chinês, o Ocidente foi levado a crer que Pequim passava por uma modernização, mas, na verdade, houve só a abertura econômica.

O projeto globalista se esconde, segundo Olavo de Carvalho, na ideia de propagação de uma “sociedade aberta”, como proposta por Karl Popper. Seguindo os ideais de Immanuel Kant, os globalistas desejam destruir as soberanias nacionais e enfraquecer a religião, impedindo o contra-ataque moral do ocidente. Como os globalistas são positivistas, não há como realizar uma aliança com os eurasianos, uma vez que esses possuem um grande sentimento nacional.

Nesse sentido, os Estados Unidos da América são as maiores vítimas do projeto, uma vez que as fontes de financiamento são americanos. A elite globalista apoia, portanto, a Rússia para enfraquecer a soberania nacional dos EUA. A resistência americana vem por meio dos veículos de mídia não tradicionais que propagam o pensamento cristão e conservador. Por essa razão, muitos veículos tradicionais desejam colar o rótulo de “Fake News” em canais como o InfoWars, Paul Joseph Watson e etc.

Capa da 2ª edição do livro Os EUA e a Nova Ordem Mundial (Vide Editorial).

Alexander Dugin inicia as contestações ao professor Olavo de Carvalho com base em três pontos: holismo x individualismo; questionamentos dos três projetos globais de poder; perspectiva clássica da geopolítica e a propagação dos valores ocidentais. Para que se compreenda esses questionamentos, é necessário ampliar a discussão em uma perspectiva teórica, trabalhando os conceitos defendidos por Dugin e, na medida do possível, formulando breves comentários. Somente assim, ter-se-á as condições necessárias para uma leitura assertiva das posições do estrategista de Vladmir Putin.

O primeiro ponto trabalhado por Dugin é o contraste entre o holismo eurasiano e o individualismo ocidental. Para o autor, o ocidente não defende os interesses nacionais, uma vez que o individualismo materialista está preocupado com os ganhos capitalistas. Por essa razão, os indivíduos não estão preocupados com a história da formação nacional.

Em contrapartida, o bloco eurasiano, baseado na Sobornost, tem como objetivo recuperar e manter o sentimento nacional, mobilizando toda a sociedade para um determinado bem comum. Além disso, faz uma severa crítica ao professor Olavo, afirmando que esse não é um brasileiro verdadeiro, uma vez que mora nos EUA.

No tema dos projetos de dominação global, Dugin afirma que o projeto globalista é o mais avançado e, por essa razão, motiva os tradicionalismos contra a ofensiva globalista. Nesse sentido, o jogo de forças está entre, de um lado, os globalistas e, do outro, os eurasianos e islâmicos. Concede ao professor Olavo de Carvalho o ponto de ser contrário a todos os projetos de dominação e, por essa razão, não faz nenhuma crítica ao posicionamento do professor. É o ponto menos problemático de toda a argumentação do autor, pois ele reconhece a existência dos projetos.

A perspectiva geopolítica clássica é utilizada por Alexander Duguin para constrastar o Poder Marítimo e Poder Terreste. Nesse sentido, ele cita Alfred Mahan, importante geógrafo americano, para mostrar como que o imperialismo americano se desenvolveu ao longo do tempo. A ascensão dos EUA é baseada, segundo o autor americano, no domínio de rotas comerciais e consolidação de uma grande marinha militar. Em contraposição aos EUA, a URSS era uma potência terrestre, pois não possuía capacidade de domínio marítimo. Assim sendo, segundo Halford Mackinder, era necessário dominar a Ilha Mundial (porção de terra na Eurásia que concentra os grandes instrumentos de poder geopolítico no mundo) e, consequentemente, rivalizar com os EUA.

O último tópico trabalhado por Alexander Duguin, em resposta ao professor Olavo de Carvalho, relaciona-se com a perspectiva da sociedade aberta. O agente russo critica Olavo de Carvalho, pois não há distinção entre o “Ocidente real” e o “Ocidente fabricado”. Destarte, o posicionamento do filósofo brasileiro está equivocada, uma vez que o Ocidente se transformou em uma máquina de apoio para o projeto de dominação global e, consequentemente, não há distinção entre os globalistas e a sociedade ocidental. Por essa razão, a Rússia deve dispor de todos os meios adequados para frear o avanço do capitalismo ocidental, uma vez que é nocivo aos interesses eurasianos.

Olavo de Carvalho inicia sua tréplica por meio de um conceito de ciência política: a interpretação dos discursos. Segundo essa tradição grega, os agentes políticos, em seus objetivos pessoais, buscam enganar os adversários por meio da desinformação. É preciso notar, entretanto, que um bom observador consegue distinguir a práxis do discurso e, consequentemente, extrair as reais intenções dos atores.

Uma vez conceituada a celeuma, Olavo de Carvalho afirma que o Projeto Eurasiano é o pior de todos, uma vez que utiliza-se de todos os meios possíveis para atingir seus objetivos. É a instrumentalização de Maquiavel, uma vez que o projeto aparenta ter a virtude, mas, na realidade, não a possui.

Posteriormente, Olavo critica Dugin por não conhecer a realidade brasileira. Para o filósofo, o agente russo não entende a profundidade do projeto globalista no Brasil. Ignorar a atuação de grandes veículos de mídia, universidades e classe artística é não estar preparado para analisar a realidade dos fatos no país. A partir desse momento, é possível descontruir a imagem de que o professor não seria um brasileiro verdadeiro, uma vez que, mesmo distante, ele é capaz de compreender o quadro político brasileiro, enquanto Alexander Duguin, não. Após isso, Olavo de Carvalho inicia uma exposição sobre a constituição do projeto globalista.

O “Consórcio” é um projeto de poder que começa a se articular no final do século XIX, na Grã Bretanha. A família Rotschild, a mais rica do país, tinha como objetivo conquistar posições de prestígio ao redor do globo e, para isso, iniciou um projeto de longo prazo. Nesse sentido, era fundamental a concertação com grandes famílias ocidentais e, para isso, foi necessário o contato com a família Rockfeller, Betencourt e outras dinastias. A consolidação desse grande projeto deu-se com a criação do Council of Foreign Relations e do Clube Bildeberg. Uma vez delineada a estratégia, o próximo passo era se aproveitar dos EUA a fim de enfraquecer a nação enquanto se serve do seu poder econômico, possibilitando a formação de um governo mundial.

O projeto globalista é socialista, uma vez que tem como objetivo principal garantir os monopólios, estimular movimentos socialistas e perverter a cultura cristã ocidental. Logo no início da implementação do projeto, a Sociedade Fabiana recebeu instruções do PSDOR (Partido Comunista Russo), com o intuito de destruir a cultura ocidental. Uma vez que não há cultura e tradição no ocidente, a resistência torna-se nula e, consequentemente, as soberanias nacionais ficam sujeitas à obliteração. Por essa razão, é importante comemorar os movimentos nacionalistas na Polônia, Hungria, Áustria, Grã Bretanha e nos EUA. Esses movimentos são fundamentais para impedir o êxito dos globalistas.

Em resposta ao professor Olavo de Carvalho, Alexander Dugin alega que o globalismo não pode se ser separado do Ocidente, uma vez que o projeto é fruto de uma filosofia materialista que, incapaz de compreender a metafísica antiga, estabelece os ganhos materiais como único parâmetro moral possível. É preciso, nesse momento, retomar os ensinamentos de René Guenon, pois, segundo o autor, o que mantém o Ocidente vivo é a tradição da Igreja Católica que, mesmo com todos os seus problemas, é portadora de um lastro histórico que possibilita a toda a civilização ocidental reconhecer o seu passado e entender de onde veio. É, portanto, lógico que o maior obstáculo ao projeto globalista é a destruição do catolicismo.

Contra-argumenta o filósofo brasileiro com o contraste entre o projeto globalista e sua luta contra a tradição milenar do Ocidente. Nesse sentido, desde o século XIX, os estados nacionais tem sido usados como ferramenta de destruição da cultura, dos valores e das bases que sustentam a civilização. Como comparação agostiniana, ele cita a Cidade de Deus e a Cidade dos Homens. Em recente livro, o professor Sidney Silveira argumentou que o pensamento revolucionário deixou a Cidade de Deus sitiada. É exemplo desse embate as ideologias liberais (maçonaria, libertarianismo e anarquismo) que, baseando-se no subjetivismo, propagandeiam que a moral é assunto particular e, portanto, não é passível de críticas. Ora, assim sendo, não há como uma sociedade se desenvolver, uma vez que o que mantém uma sociedade de pé são os princípios por ela defendidos.

Essa pequena resenha não substitui a leitura do livro, uma vez que há outros conceitos que devem ser estudados. O objetivo nesse pequeno ensaio foi convidar o leitor para conhecer uma das obras recentes mais importantes na área das Relações Internacionais. Sem ela, não se compreenderá os movimentos contemporâneos da política internacional.

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