Quem poderia imaginar que, no auge da “era das revoluções”, em plena efervescência dos motins que vinham na esteira das reivindicações iluministas e rebeliões jacobinas, a segunda universidade mais influente da Europa veria florescer em seu seio uma expressiva onda cultural de caráter restaurador, tradicionalista e antiliberal?
E quem poderia prever que os reflexos dessa reação se estenderiam dos debates teológicos à literatura, dos estudos históricos à música, da arquitetura às artes plásticas, da política às questões éticas?
Um fenômeno desconhecido
Pouca gente no Brasil ouviu falar sobre o Movimento de Oxford que revolveu a cena cultural inglesa no séc. XIX, como vai acontecer com todos os grandes fenômenos históricos que não contribuem para validar a narrativa esquerdista dominante nos meios escolares brasileiros.
Simplesmente não é do interesse das nossas elites pedagógicas e acadêmicas hodiernas que os estudantes tenham ciência de certos episódios que honram as verdades e virtudes opostas aos engodos e vícios que elas promovem.
Por isso, o establishment escolar mantêm a massa estudantil na ignorância dos bens culturais do passado, enquanto os saturam de puro junk food ideológico, de todo tipo de conteúdo degradante, politicamente enviesado, farsesco e contracultural.
Aliás, muitos sequer sabem o bastante sobre as origens e a importância daquela instituição de ensino para o mundo ocidental. Este artigo, o primeiro de uma pequena série sobre o referido Movimento, vem a ser uma tentativa de reparar ao menos algumas das omissões históricas que os nossos catedráticos não cansam de cometer.
“Oxford tem sido um celeiro de eruditos, desde a alta Idade Média até os dias atuais.”
Neste texto, portanto, discorreremos um pouco sobre os primórdios daquela universidade inglesa e seu papel histórico. No segundo, abordaremos o contexto, as intenções e a obra dos oxfordianos que impulsionaram o movimento. E, a partir do terceiro artigo, falaremos sobre os copiosos frutos, as influências e os impactos culturais gerados por eles.
Vejamos, então, alguns highlights que patenteiam que Oxford tem sido um celeiro de eruditos, desde a alta Idade Média até os dias atuais, a despeito de toda a atmosfera tóxica de contaminação da academia pelos novos dogmas do ativismo woke.
Tradição no ensino, com repercussões globais
Sabe-se que a Universidade de Oxford tem sido, por séculos, uma das mais tradicionais e prestigiadas da Europa. A alma mater de J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis hoje se destaca no noticiário mundo pelas pesquisas médicas, mas não apenas.
A título de exemplo, o filósofo jusnaturalista John Finnis, hoje reconhecido como uma das mais autorizadas vozes de questionamento às ideologias “politicamente corretas” contemporâneas, orientou em Oxford o doutorado em Filosofia do Direito do justice (juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos) Neil Gorsuch, que foi um dos responsáveis pela anulação do retrocesso humanitário representado pela sentença de Roe vs. Wade em 1973, que foi uma conquista recente, com repercussões mundiais, na defesa dos direitos do nascituro.
Há séculos que as suas faculdades gestam para a ciência e para o serviço público importantes líderes britânicos e até chefes de Estado, inclusive de outros países, além de escritores, filósofos e pesquisadores renomados.
Lá estudaram os próprios pais medievais do método científico experimental, como o bispo Robert Grosseteste e o monge franciscano Roger Bacon, que pesquisaram e lecionaram em Oxford no século XIII.
E também nomes ilustres do período da Revolução Industrial, como o engenheiro agronômico Jethro Tull, inventor da semeadeira mecânica, e o astrônomo Edmond Halley, que dá nome ao famoso cometa que orbita o Sol e fica visível da Terra a cada 75-76 anos.
Sim, Oxford também foi a incubadora de alguns vândalos intelectuais que causaram grandes danos à civilização, como Guilherme de Ockham, o paladino do individualismo ontológico (nominalismo) e precursor do materialismo moderno, além de Thomas Hobbes, que foi um herdeiro intelectual do próprio Ockham e pai do absolutismo estatal com pretextos liberais.
No entanto, a despeito destes, é inegável que Oxford tenha dado à humanidade muitos frutos louváveis de ciência e bons serviços.
Ainda hoje o nome Oxford University aparece, em vários rankings de excelência acadêmica, entre as 5 melhores instituições de ensino do mundo. Historicamente, ela nunca esteve muito longe das primeiras posições.
A localização também é favorável. Ela está situada a cerca de 90 quilômetros de Londres, a noroeste da capital inglesa, com diversos campi espalhados pelo município que lhe empresta o nome.
A história desta instituição está profundamente imbricada na história da cristandade. Não é por acaso que a sentença latina que lemos no seu brasão é um verso de um Salmo da Bíblia Sagrada:
“Dominus Illuminatio Mea” (“O Senhor é a minha iluminação”) é o lema no escudo da universidade.
Nascida no bojo da sociedade medieval, sua fundação remonta a fins do século 11, sendo do ano de 1096 A.D. o seu registro mais antigo. Tudo começou com uma escola monacal ligada ao mosteiro agostiniano ali construído e dedicado a Santa Frideswide, uma devotada princesa e abadessa do século VII.
Logo nos primeiros séculos do segundo milênio, Oxford despontou como um importante polo do saber e um centro de transmissão do conhecimento que contribuiu para o pujante desenvolvimento da civilização cristã medieval nos séculos seguintes.
Os lauréis da universidade em si, porém, não são o escopo principal dessa nossa série.
Lucidez em meio à insanidade
O que mais nos interessará tratar aqui é o fato de aquela universidade ter sido, no conturbado século 19 (chamado por alguns de “o século das revoluções”), o berço de um dos fenômenos culturais mais lúcidos e fecundos da Europa contemporânea.
Veremos no segundo artigo desta série que um grupo de brilhantes clérigos e acadêmicos de Oxford quis naquele tempo fortalecer as bases doutrinais da Igreja anglicana, dinamizar os aprofundamentos teológicos e dar mais solidez à vida espiritual dos ingleses, e acabou por fomentar um revival das artes, do são pensamento filosófico-científico e da cultura universalista católica, suscitando uma verdadeira e real renascença dos tempos áureos da cristandade.
Manifestou-se então uma fecundidade invulgar da inteligência, de modo que o seu efeito mais surpreendente foi que a tendência lançada por eles repercutiu nos outros continentes do globo e nos séculos seguintes.
Resgataremos nos próximos artigos um pouco das ideias que fizeram grande eco nas obras muitos pensadores, líderes, artistas e escritores influentes, Belloc, Chesterton, Benson, Pugin e Burne-Jones, só para citar alguns nomes.
O transcurso histórico-cultural deste fascinante movimento e seus brilhantes frutos serão explorados nos textos porvir. Acompanhe.
- Continua em: Movimento de Oxford: o reaparecimento da Sapiência