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(EDC) Um erro pior que errar

Um erro pior que errar

Rusty R. Reno
First Things

Durante um longo período como um jovem professor, eu acreditava que o perigo de perverterem suas mentes por crerem em falsidades era a principal, ou até mesmo a única, ameaça intelectual que rondava meus alunos. Por isso eu os provocava e tentava ensiná-los a serem sempre autocríticos, questionadores, céticos. Quais são suas premissas ocultas? De que maneira você pode defender sua posição? Onde estão suas evidências? Por que você acredita nisso?

Eu achava que, ao condicioná-los a pensar criticamente, eu os estava ajudando. E sem dúvida estava. No entanto, a leitura de John Henry Newman me ajudou a me dar conta de outro perigo, talvez mais grave: o de termos tanto medo de estar errados a ponto de não conseguirmos acreditar no que é verdadeiro. Ele ficava incomodado pela tendência moderna de endeusar o pensamento crítico – como se evitar o erro, ao invés de chegar à verdade, fosse o grande objetivo da vida.

Assim como Platão e Santo Agostinho, Newman partia do pressuposto de que os seres humanos procuram, fundamentalmente, conhecer a verdade. Nossos corações não descansam, não por medo do erro, mas pelo desejo de descansar em Deus, que é a plenitude da verdade. A atividade que dá sentido à vida intelectual é a de afirmar a verdade, mais do que a de se resguardar da falsidade.

A razão crítica, que Newman às vezes chama “razão estrita“, e a qual ele certamente não rejeitava, destrincha argumentos, examina premissas e testa hipóteses. Ela filtra aquilo que cremos. Os métodos da crítica “irão deitar abaixo e não serão capazes de construir. Uma análise esclarecida e escrupulosa remove as ervas daninhas do erro, mas é incapaz de plantar as sementes da verdade.

É aí que mora o perigo. Ao nos tornarmos demasiado temerosos perante o erro, e assim superestimarmos a razão crítica, acabamos por tornar nossa mente acostumada e disposta a duvidar, mas despreparada para empreender rumo em direção à crença; uma mentalidade muito disposta a achar razões para não sustentar convicções.

No nível da idealização, gostamos de acreditar que a razão crítica é uma serva no nosso projeto fundamental de afirmação da verdade. Imaginamo-nos a examinar escrupulosamente várias afirmações pretensamente verdadeiras, lançando fora as irracionais, e então assentindo judiciosamente àquelas que parecem ter bases sólidas.

Como o próprio Newman reconheceu, a vida não funciona assim. Para começar, nosso equipamento mental não está tão bem ajustado. De qualquer uma de nossas convicções, diz ele, numa fórmula patética: “tão grande como sua desejabilidade – seja no que toca à excelência, ao alcance, ou à complexidade –, é a sutileza da evidência com base na qual é aceita.”

Noutras palavras: as questões realmente importantes não podem ser tão facilmente respondidas. O que é mais importante: igualdade ou liberdade? Será que minha morte corporal extingue minha existência? Será que minhas obrigações morais em relação aos outros são mais importantes que satisfazer meus desejos? Será que felicidade e prazer são a mesma coisa?

O grande matemático francês Blaise Pascal fez uma observação similar, que eu formulo da seguinte maneira: O grau de certeza com o qual somos capazes de conhecer uma verdade é inversamente proporcional à sua importância.

Nem Newman, nem Pascal insinuam, com isso, que não possamos refletir sobre assuntos importantes. Pelo contrário, é famosa a formulação feita pelo último de um argumento destinado a nos levar a responder à mais importante de todas as questões: “Deus existe?” Como o desafio de Pascal sugere, tanto ele como Newman reconheciam que a verdade sobrepuja as capacidades da nossa razão. Por isso, é preciso assumir o risco de errar, ao lançarmo-nos para a frente em busca daquilo que esperamos ser a verdade mais profunda das coisas.

Minha experiência me diz que, embora a universidade moderna esteja cheia de delicadezas politicamente corretas surradas, sua cultura educacional é, na maior parte, reticente quanto ao erro. Os estudantes são condicionados – eu o fui – a acreditar no mínimo possível, a fim de que a mente possa ser poupada da ignomínia do erro.

A consequência? Uma vida intelectual empobrecida. A mentalidade contemporânea muito frequentemente vive numa dieta miserável de verdades pequenas, intranscendentes, porque estes são os únicos assuntos em que podemos estar certos de estar evitando o erro.

É certo que podemos ficar preocupados por não pegar o trem errado numa estação de trem estrangeira cujas placas não podemos compreender. Mas também deveríamos nos preocupar com a perspectiva de ficarmos paralisados na estação por muito tempo, e não conseguirmos pegar o trem correto. Poderíamos acabar morrendo de fome na estação, se nunca saíssemos dela. Esta parece, para mim, a essência da percepção de Newman e Pascal. Às vezes, os perigos que resultam de sermos incapazes de afirmar a verdade são muito maiores do que os resultantes de afirmarmos algo falso por engano.

Se formos capazes de ver isto – o perigo das verdades e das percepções perdidas, das convicções jamais formadas –, a feição da nossa jornada intelectual e o ônus da prova se transformarão. Começaremos então a valorizar livros, professores e amigos que insistam conosco sobre as possibilidades da verdade, e que nos levem a nos apaixonarmos por ela.

A vida intelectual se tornará então uma aventura. Os riscos de errar passarão a parecer apostas dignas de serem feitas diante do valoroso prêmio das verdades enriquecedoras, orientadoras, acessíveis apenas a uma mente apaixonada pela intimidade da convicção, mais do que friamente capaz de criticar.


R.R. Reno é editor da First Things.

First Things, todos os direitos reservados. Publicado com permissão.

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