Gergely Szilvay
“Democracia iliberal” tornou-se um termo muito usado e ritualmente condenado por liberais, esquerdistas e “conservadores” ao estilo americano. Muitos veem-na como um ataque não apenas aos valores supostamente liberais de hoje, mas também à própria estrutura liberal em que os sistemas políticos ocidentais supostamente se baseiam, sistemas estes originados no início do período moderno como uma salvaguarda contra a tirania. Seja implícita ou explicitamente, muitos declararam que a verdadeira democracia só pode ser liberal.
Acredito que isso seja falso. Na verdade, eu diria até que o caso é o exato oposto: o liberalismo puro corrói democracia, e a verdadeira democracia se opõe ao liberalismo.
“não apenas um conglomerado de indivíduos, mas uma verdadeira comunidade na qual haja REAL conexão entre a vida da pessoa individual, a vida da família e a vida da nação”
A democracia iliberal, por outro lado, é capaz de integrar o que é valioso no liberalismo sem permitir que a estrutura liberal assuma o controle. Os valores liberais mais importantes só podem ser preservados hoje dentro de um quadro mais comunitário, e eu acho que essa proposta deveria estar, na Europa, inclusive sob a bandeira da Democracia Cristã.
Para defender essa posição, é útil considerar o garoto-propaganda da democracia iliberal, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, e entender melhor o que se entende pelo termo “democracia iliberal”. Ao examinar a democracia iliberal, veremos que é algo muito mais modesto, simples e talvez até mais sustentável do que seus críticos parecem imaginar.
A origem do termo “democracia iliberal”
Viktor Orbán foi a primeira figura proeminente a propor a ‘democracia iliberal’ como o caminho a seguir para a política ocidental. Isso foi durante um discurso em 2014 na aldeia de Tusnádfürdő, na Transilvânia, durante o festival anual da direita húngara. O tema principal desta palestra foi a crise econômica de 2008 e suas consequências na Hungria e no mundo.
Ele estava, é claro, interessado em discursar sobre que tipo de política econômica era necessária como resposta à crise, mas, mais do que isso, esperava conjecturar também sobre qual entendimento teórico poderia servir como o melhor pano de fundo para entender a situação e prevenir novas crises.
“o Estado liberal é incapaz de contribuir para o bem comum nacional”
Talvez alguns leitores se surpreendam em saber que Orbán citou positivamente o então presidente americano Barack Obama, que vinha falando regularmente sobre a necessidade de mudança de atitude dos americanos em relação ao trabalho e à família e a necessidade de se defender um patriotismo econômico positivo.
As conclusões de Orbán foram as seguintes: as nações todas competem para descobrir a melhor forma de organizar nossas comunidades políticas. Por isso, elas ultimamente vinham se esforçando para tentar entender como aqueles países que “não são ocidentais, nem liberais, nem democracias liberais, nem mesmo democracias” podiam ser bem sucedidos – países como Cingapura, China, Rússia, Turquia e Índia. Em seguida, vieram algumas frases importantes:
“Aqui temos que asseverar que uma democracia não precisa ser necessariamente liberal. De fato, um regime político pode ser não-liberal e ainda ser uma democracia. Além disso, é preciso dizer que as sociedades construídas sobre a democracia liberal provavelmente não serão capazes de manter sua competitividade. Em vez disso, elas podem sofrer recessão, a menos que sejam capazes de se reorganizar significativamente.”
Depois disso, Orbán identificou três tipos de organização estatal contemporânea: estados-nação, estados liberais e estados de bem-estar. Ele argumentou que a resposta húngara deveria ser um quarto tipo, um “estado baseado no trabalho” (ou “workfare state”). Esse estado trabalhista teria uma natureza “não liberal”. Isso significa que, como ele o colocou,
“devemos parar de usar teorias e métodos liberais de organização social, e devemos abandonar as abrangentes teorias liberais da sociedade”.
Essa prescrição pode soar sinistra para os ouvidos ocidentais, em geral propensos a identificar qualquer desacordo com os ideais liberais modernos como “totalitarismo nascente” ou “tirania em ascensão”, mas Orbán identifica explicitamente aqueles que ele considera serem os princípios centrais do liberalismo, e em torno dos quais a Hungria não precisa basear sua política.
“[no estado liberal] as decisões são geralmente tomadas por aqueles que, seja por natureza, seja por privilégio, ou por sorte, são os mais fortes ou melhor posicionados socialmente. E isso é, obviamente, um prato cheio para os abusos de poder.”
O cerne dessa abordagem liberal é, no relato de Orbán, que “você pode fazer qualquer coisa desde que não cause dano à liberdade dos outros”. Isso é obviamente uma reiteração do ‘princípio do dano’ de Mill, um princípio que muitos acharam convincente ao longo dos anos.
Mas, pergunta Orbán: quem tem a inteligência, a consciência e a imparcialidade suficientes para definir perfeitamente até onde vai a ‘liberdade’ de uma pessoa e começa a de outra? Como isso não é evidente, alguém precisa estar em posição de autoridade para definir esses limites. Sendo a natureza humana como ela é, na vida cotidiana essas decisões são geralmente tomadas por aqueles que, seja por natureza, seja por privilégio, ou por sorte, são os mais fortes ou melhor posicionados socialmente. E isso é, obviamente, um prato cheio para os abusos de poder.
Por conseguinte, Orbán propôs uma outra abordagem bem conhecida para os húngaros tomarem como o princípio central de sua política. (E, assim como o princípio liberal fundamental, ele não propõe uma mera norma legal, mas sim um primeiro princípio intelectual.) Em vez do princípio do dano, o princípio dos húngaros, na visão do seu presidente, deveria ser: “não faça aos outros o que você não gostaria que fizessem a você mesmo”.
Esse eco da antiga “regra de ouro” soa autoritário para você?
O primeiro-ministro argumentou que a Hungria, enquanto permanecesse sendo um Estado puramente liberal, não seria capaz de fazer tudo o que um Estado precisa. Principalmente, argumentou que o Estado liberal é incapaz de contribuir para o bem comum nacional (ou, em 2014, até mesmo incapaz de se defender do endividamento).
Assim, argumentou ele, a comunidade política húngara deve ser reestruturada em torno de uma base não liberal. Essa base, no entanto, não seria a base totalitária do início do século XX, mas sim uma que respeite o cristianismo de maneira precípua, permitindo que o regime proteja a liberdade e os direitos humanos.
“não faça aos outros o que você não gostaria que fizessem a você mesmo”
Orbán argumentou que a nação húngara deveria ser não apenas um conglomerado de indivíduos, mas uma verdadeira comunidade na qual haja real conexão entre a vida da pessoa individual, a vida da família e a vida da nação.
Com tudo isso entendido, podemos agora avaliar de novo o que o primeiro-ministro está defendendo exatamente quando fala de democracia iliberal. Somente com tudo isso esclarecido, ele diz:
“Nesse sentido, o novo Estado, o que estamos construindo na Hungria, é um Estado iliberal, um Estado não liberal. Ele não nega os valores do liberalismo, como a liberdade – e eu poderia citar outros –, mas também não centraliza a organização do Estado em torno dessa ideologia. Em vez disso, usa uma abordagem específica, nacional.”
Por que Orbán foi mal interpretado?
Se a democracia iliberal que Orbán defendeu em seu discurso inicial não é, como argumentei, uma ameaça à liberdade ou aos direitos humanos, então por que ela é tão amplamente percebida como uma forma de política perigosa e opressora?
Não pode ser apenas porque a terminologia usada por ele (ou seja, “Estado iliberal” e “democracia não liberal”) tenha soado pouco familiar ou ameaçadora, pois muitos líderes progressistas introduziram novos termos políticos em discursos semelhantes.
Além disso, parece difícil crer que aqueles que se opõem ao discurso o leram cuidadosamente, de boa fé, e ficaram preocupados com o fato de Orbán não estar reconhecendo os valores legítimos do liberalismo, pois ele fala explicitamente da necessidade de preservar esses valores, argumentando apenas que o liberalismo não pode pretender impor todos os seus valores na Hungria e que a nação não fará do liberalismo sua ideologia central.
“o liberalismo puro corrói democracia, e a verdadeira democracia se opõe ao liberalismo”
Minha convicção é que existem três razões principais pelas quais a democracia iliberal de Orbán ficou difamada, sendo vista como uma das maiores ameaças aos governos baseados em direitos humanos em todo o mundo.
A primeira é que ele já era difamado quando fez esse discurso. Ele tinha acabado de ganhar o seu segundo mandato com sua segunda supermaioria de votos alguns meses antes do discurso. Ele já havia entrado em conflito com a União Europeia e as elites globais sobre a nova lei de mídia húngara, a nova lei eleitoral, a aposentadoria de antigos juízes e a nova constituição. Então ele já tinha uma reputação manchada nos círculos liberais globais; mas ainda não era particularmente famoso nos canais conservadores internacionais.
A segunda é que o liberalismo, em seu sentido lockeano, é um elemento central da ordem política americana e do pensamento americano, e os EUA tem grande influência sobre a imagem pública de outras nações. Para colocar este ponto de uma forma mais simples, note que os líderes conservadores são constantemente atacados na imprensa, mas quando são defendidos por outros conservadores, sua imagem geralmente é menos manchada.
No entanto, muitos líderes americanos que atendem pelo título de ‘conservadores’ são, na verdade, o que tradicionalmente seria chamado de ‘liberais’, e eles se orgulham disso.
Como já explorei detalhadamente as diferenças entre o conservadorismo americano e europeu, direi apenas que o conservadorismo americano é, em muitos aspectos, só um outro ponto de vista liberal. Em sua essência, o liberalismo é antropologicamente otimista, enquanto o conservadorismo é antropologicamente pessimista. As consequências são que o liberalismo é racionalista e individualista, enquanto o conservadorismo tradicional é mais comunitário – e comunidade significa tradições, significa respeito pela autoridade natural da própria comunidade e de seus líderes, bem como por sua cultura, sua religião, etc.
Viktor Orbán não é um político americano. Os ancestrais ‘pais fundadores’ húngaros eram líderes de tribos pagãs e, duas gerações depois, o verdadeiro pai fundador do Estado húngaro foi um rei católico: Santo Estêvão.
As instituições políticas em países fora dos Estados Unidos hoje podem ser, muitas vezes, também estruturadas segundo o padrão liberal, mas não foram fundadas à maneira americana. Eles primeiro eram tribos pagãs pré-modernas, depois se tornaram reinos cristãos pré-modernos, e então viraram estados-nação liberais cristãos, e só mais tarde eles se transformaram em estados seculares modernos (na medida própria de cada um). Assim, o liberalismo lockeano não é parte constituinte de sua identidade nacional.
Isso nos leva à terceira razão pela qual a filosofia política de Orbán é tão odiosa aos progressistas ocidentais. A estrutura mais recente das instituições políticas europeias é claramente liberal.
Como a memória das duas Guerras Mundiais tem se destacado tanto no pensamento político europeu há décadas, o remédio universal amplamente considerado tem sido o liberalismo individualista e uma compreensão liberal dos direitos humanos. E isso tem implicado não apenas numa estrutura liberal de Estado, mas também na adoção do liberalismo como sistema central de crenças públicas ou ideologia oficial do país. Assim, questionar esse sistema é visto como questionar a base da paz que o Ocidente tem desfrutado amplamente nas últimas décadas.
Toda democracia deve ser necessariamente liberal?
Para muitos, parece evidente que a democracia só pode ser ‘liberal’, mas essa afirmação serve apenas para impossibilitar a consideração séria de questões políticas, evitando assim qualquer debate. Tal afirmação de autoevidência é bastante estranha, dado aquela que teoricamente é, parece-me, uma pedra angular do mundo liberal contemporâneo: o princípio de que o governo não deve privilegiar um ponto de vista sobre qualquer outro, porque não há verdades autoevidentes.
Quando os liberais começaram a defender esse princípio nos séculos passados, eles eram os desafiantes, mas hoje eles estão na posição dominante e conservadores como Orbán são os desafiantes.
Ademais, há ainda outros problemas com a ideia de que a democracia deve ser liberal para merecer este nome. A fim de descobrir esses problemas, é útil perguntar a nós mesmos o que, precisamente, queremos dizer com o termo “democracia liberal”, a qual pode ser entendida de, pelo menos, três maneiras distintas.
“no contexto ocidental, mais liberalismo significa menos democracia, não mais.”
Sob o primeiro entendimento, ‘democracia liberal’ simplesmente se refere a uma estrutura política liberal, ou seja, a democracia parlamentar representativa com ênfase no equilíbrio de poder. Mas esta é unicamente a forma da democracia, uma forma que pode ser preenchida com um conteúdo conservador – e regularmente o é.
O segundo entendimento do termo ‘democracia liberal’ é um estado de coisas no qual a ideologia liberal é implementada por meio de um sistema democrático. Esta é, obviamente, uma maneira problemática de entender o termo, pois determina claramente o alcance da política que uma nação pode colocar em prática. Para um exemplo desse tipo de pensamento, não precisamos ir além de Anna Donáth, ex-presidente do partido liberal de esquerda Momentum na Hungria, que sugeriu que a progressista ideologia LGBT contemporânea é uma parte inerente do Estado de Direito.
Por esta via, o Estado de Direito, um antigo ideal político, torna-se nada mais do que um termo ideológico que pode ser usado como porrete. Na visão de Donáth, então, se não há casamento entre pessoas do mesmo sexo em um país, não pode haver Estado de Direito lá. (Segue-se, então, que não havia Estado de Direito no Ocidente antes de 2001. Interessante.)
“os ‘direitos humanos’ liberais, na verdade, limitam a democracia”
O arqui-liberal Friedrich von Hayek argumentou em A Constituição da Liberdade que ‘democracia liberal’ pode facilmente se tornar um termo contraditório. Isso porque a democracia é um método de tomada de decisão (ou seja, decisão do povo), mas o liberalismo não é meramente algo processual ou metodológico. Em vez disso, o liberalismo tem um objetivo concreto: garantir que o princípio do dano de Mill seja consagrado no centro do Direito, implementando, assim, a própria visão liberal atomística sobre a pessoa humana e a vida política. Se o povo democraticamente rejeita os meios liberais, então o liberalismo contradiz a democracia. Hayek escolheu o liberalismo.
E há um terceiro significado de democracia liberal, extraído das tipologias da democracia, ou maneiras pelas quais diferentes estudiosos identificam diferentes tipos de democracia em seus sistemas analíticos. Menciono aqui duas tipologias.
Na tipologia normativa e hierárquica de Richard Dahl, a democracia liberal é a ideal, mas ninguém pode alcançá-la, então a versão ideal alcançável da democracia é a poliarquia, onde há funcionários eleitos, eleições livres e iguais, direitos de voto inclusivos, liberdade de expressão e de associação, com alternativas reais e livre acesso a informações.
Do outro lado está a tipologia descritiva da Universidade de Notre Dame de 2011, que mensurou democracias reais e existentes do mundo. Segundo ela, existem seis tipos de democracia, que são igualmente valiosos e parcialmente opostos entre si. São eles: a democracia elitista-minimalista schumpeteriana; democracia liberal (consensual, pluralista); democracia majoritária; democracia participativa; democracia deliberativa e democracia igualitária.
Ora, há duas que são muito contraditórias entre si: a democracia liberal (pluralista, consensual) e a democracia majoritária. A democracia liberal enfatiza todo tipo de limite ao poder, garante direitos para muitos tipos de grupos (assim como para o indivíduo) e dá grande ênfase à formação de consenso. A democracia majoritária não aborda o poder de forma tão negativa: diz que a maioria é soberana, portanto o governo eleito pela maioria deve ter amplo espaço de manobra. Mas a democracia majoritária não é inerentemente contraditória à garantia de direitos para indivíduos e grupos. A democracia iliberal de Viktor Orbán é idêntica à democracia majoritária desta tipologia.
“a ideia de democracia e seus ‘valores democráticos’ se tornou mais um culto do que um movimento político”
Assim, dependendo do contexto, o termo ‘democracia liberal’ pode se referir a várias coisas diferentes e conflitantes. O ponto crucial que desejo enfatizar, porém, é que, no contexto ocidental, mais liberalismo significa menos democracia, não mais.
Por exemplo, os “direitos humanos” liberais, na verdade, limitam a democracia. Mas o fato é que não admitimos isso; em vez disso, nós os vemos como implementadores de “valores democráticos”. Este é um sinal de que a ideia de democracia e seus “valores democráticos” se tornou mais um culto do que um movimento político. Somos forçados a justificar e legitimar as coisas argumentando que são democráticas, e não porque são boas.
Também é importante lembrar que as ideologias políticas não têm um domínio exclusivo sobre certos valores particulares. Como Michael Freeden nos lembra, as ideologias políticas que são porosas naturalmente têm uma grande intersecção de valores entre elas. Por exemplo, “liberdade” não significa a mesma coisa para o liberalismo e para o conservadorismo, mas é algo importante para ambos. E valores que são conceitos centrais em uma ideologia podem desempenhar papéis complementares na outra ideologia. É por isso que os valores liberais básicos também podem ser mantidos em uma estrutura conservadora (iliberal).
O que vem a ser a democracia iliberal?
As ideias de Orbán sobre uma democracia não liberal e um Estado não liberal eram, e continuam sendo, um tanto assustadoras para muitas pessoas de boa vontade em todos os lados do espectro político. Mas a polêmica em torno de seus conceitos foi deliberadamente criada por progressistas ideológicos que agiram de má fé para desqualificá-lo.
Tanto na teoria quanto na prática, a democracia iliberal é totalmente compatível com a defesa da propriedade, dos direitos humanos (entendidos à luz da lei natural), de eleições justas e livres, de uma democracia representativa, da repartição do poder e do Estado de direito.
A democracia iliberal também é capaz de proteger a liberdade de expressão – algo que talvez não possamos dizer sobre o liberalismo contemporâneo, dado o poder concentrado pelo esquerdismo não liberal. A democracia iliberal é capaz de integrar importantes valores liberais. Ela apenas admite que deve ser rejeitado o arcabouço teórico abrangente do liberalismo – sua antropologia, seus pontos de vista sobre a sociedade, em suma, sua ideologia.
Mas é melhor simplesmente perguntar ao próprio Sr. Orbán sobre suas intenções. Quando perguntado sobre o que ele quis dizer com “democracia iliberal” em março de 2022, oito anos após seu discurso, Orbán respondeu:
“Pessoas como nós perderam as guerras linguísticas no início dos anos 1990 e, desde então, não apenas falhamos em encontrar nosso rumo, mas também nossa língua. No primeiro terço do século 20, os democratas europeus identificaram claramente os inimigos comuns como sendo o fascismo e o comunismo. Assim, as duas tendências democráticas concorrentes – liberal e conservadora – uniram forças contra o inimigo comum: os fascistas e os comunistas. Deixamos de lado nossas diferenças intelectuais e unimos forças para combater ideias totalitárias. E em 1990 vencemos. Os liberais acordaram primeiro, percebendo que, uma vez eliminado o oponente comum, a velha ordem competitiva seria restaurada: liberais de um lado, democratas cristãos conservadores do outro. Para ganhar vantagem competitiva, eles criaram sua doutrina: a democracia só pode ser liberal. Desde então, o lado conservador vem travando uma ação de retaguarda, e seu ímpeto perdido permitiu que a doutrina da democracia liberal se tornasse a visão dominante. Desde então, tentamos criar uma contra-narrativa competitiva: Trump disse “America First”, e eu falo sobre iliberalismo; mas na verdade estamos apenas procurando posições a partir das quais possamos desafiar competitivamente a doutrina liberal.”
Quando perguntado o que há de errado com a democracia liberal, ele acrescentou:
“É um truque. A democracia é um conceito autônomo: o governo do povo. Esse conceito não pode ser apropriado ideologicamente. Da democracia podem surgir administrações liberais, administrações conservadoras, administrações democratas-cristãs – ou, na verdade, administrações social-democratas. Anteriormente, a própria democracia nunca havia sido sujeita a rotulação por ninguém, porque a democracia é o solo a partir do qual as políticas governamentais de diferentes ideologias crescem e depois competem umas com as outras. No início da década de 1990, no entanto, os liberais perceberam que a própria democracia precisava ser capturada. Os liberais concluíram que o objetivo não era ganhar o debate sobre quem poderia decretar democraticamente melhores políticas, mas tomar a própria democracia. Agora precisamos dizer que nem todas as democracias são liberais, e só porque algo não é liberal não significa que não possa ser uma democracia. É difícil afirmar isso — embora nesse meio tempo os liberais tenham caído em uma armadilha.”
Conclusão
A democracia iliberal, como entendida por Viktor Orbán, é muito menos ambiciosa e mais simples do que os seus críticos a retratam. É simplesmente ter uma visão da sociedade, dos seres humanos e do mundo a partir de uma perspectiva antiga, não liberal, e ousar implementá-la. Significa uma compreensão comunitária e personalista da comunidade política, na qual os valores liberais medulares são importantes, mas são aplicados dentro de uma estrutura conservadora e limitados por ela.
Tudo isso tem a função de manter a comunidade política a serviço do bem comum. Pois, como disse Joseph Ratzinger, os valores liberais e democráticos são mantidos por instituições sociais não democráticas e não liberais.
Gergely Szilvay é colaborador sênior do periódico húngaro Mandiner e Ph.D. em teoria política pela Universidade Católica Pázmány Péter.
The European Conservative, todos os direitos reservados. Publicado com permissão. Link original: An Analysis of Orbán’s “Illiberal Democracy”.