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Chesterton: Eugenia e outros males, 100 anos depois

Paolo Gulisano
La Nuova Bussola Quotidiana

Há exatos 100 anos, era lançado um livro do escritor e apologista inglês Gilbert Chesterton intitulado Eugenics and other evils (A eugenia e outros males). Chesterton apresentava uma série de ensaios sobre o tema da eugenia e de outras degenerações do pensamento científico, um texto que depois de um século aparece como extraordinariamente profético e precursor do cenário transumanista de hoje. Como observador atento das tendências culturais, G.K.C. dirigiu sua aguda atenção a um tema que estava surgindo precisamente em sua terra natal, a Inglaterra.

O que é eugenia? O termo indica um conjunto de teorias e práticas que visam melhorar a qualidade genética de uma determinada população humana. Esta melhoria é conseguida por meio da seleção das características físicas e mentais consideradas positivas, ou eugênicas (genética positiva), e da eliminação simultânea das negativas, ou disgênicas (genética negativa), mediante a modificação das linhagens germinativas, segundo as técnicas estabelecidas na pecuária e na agricultura.

A ideia desse projeto de “aperfeiçoamento” da espécie humana foi originalmente desenvolvida na segunda metade do século XIX pelo antropólogo, sociólogo e psicólogo britânico Sir Francis Galton, primo de Darwin, e inicialmente permaneceu intimamente ligada ao darwinismo e a sua teoria da seleção natural.

Mais tarde, Galton tentou estender esses critérios de seleção e evolução biológica aos seres humanos, antecipando em muito as teorias e práticas dos médicos nazistas da década de 1930. Em 1883, Galton deu à sua pesquisa um nome preciso: eugenia, do grego “de bom nascimento”. No momento em que Chesterton decidiu abordá-la, a eugenia como questão havia começado a deixar os estreitos círculos científicos nos quais havia sido elaborada e a se tornar um tópico de discussão pública.

Chesterton denunciou abertamente um perigo que sutilmente se espalhava pela sociedade europeia e norte-americana. Os defensores da eugenia se propuseram a criar um mundo eficiente, no qual o valor do homem seria decidido por sua capacidade de produzir bem-estar econômico; no qual o casamento seria decidido, escolhido e imposto de acordo com critérios genéticos, baseados na “qualidade de vida”, na felicidade e na realização do ser humano fundados, precisamente, na visão do homem apenas como um ser “produtivo”; uma “casta de médicos” teria a última palavra – tiranicamente – sobre toda a humanidade.

Quem realmente tenta tiranizar por meio do governo é a ciência. Quem realmente usa o braço secular é a ciência. É o credo que realmente extorque dízimos e toma conta das escolas, o credo que realmente é proclamado não em sermões, mas em leis, e difundido não por peregrinos, mas por policiais…”

São palavras de Eugenics, mas parecem escritas hoje, para descrever o projeto transumanista em andamento. 

Chesterton denunciou a estranha mistura entre a credulidade do povo – que se deixou enganar pela propaganda ideológica –, o fanatismo pseudocientífico dos “especialistas” e a arrogância política daqueles que definiu como “vilões super-ricos” autointitulados benfeitores e filantropos, como Carnegie e Rockefeller, que defendiam o planejamento familiar, a evolução racial darwiniana e a eugenia.

Chesterton denunciou essas ideologias eugenistas aberrantes um século atrás, antes do advento de Josef Mengele e dos horrores do nazismo e do comunismo. Ele pode ajudar-nos, ainda agora, a compreender a origem destes males, ou seja, o clima necessário não só onde o vírus pode vingar e espalhar-se, mas o que ainda mais devorava ​​e devora a sociedade: a anarquia silenciosa e o anormal pecado de uma sociedade ateia e materialista.

Eis o que escreveu em 1922:

Uma anarquia silenciosa consome a nossa sociedade. Eu tenho que insistir nessa expressão, porque a verdadeira natureza da anarquia é, na maioria dos casos, mal compreendida. A anarquia não é necessariamente violenta, nem vem necessariamente de baixo. Um governo pode se tornar anárquico tal qual um povo.”

Ao distinguir entre anarquia e revolução – enquanto a revolução visa minar uma ordem estabelecida para estabelecer uma nova ordem, a anarquia se refere à ausência de qualquer ordem e governo –, ele esclareceu como a anarquia era o estado de espírito ou comportamento daqueles que não podiam se conter:

É a perda daquele autocontrole que nos permite voltar à normalidade […], é claro que esse tipo de caos pode se apoderar tanto dos poderes que governam uma sociedade quanto da sociedade governada”.

Essa “anarquia silenciosa” contestou a autoridade legítima e separou-se da razão e do bom senso com todas as consequências alarmantes que Chesterton previu e cujas consequências vemos hoje, um século depois, inclusive na evolução da medicina. Suscitam a nossa reflexão, em particular, seus juízos sobre a chamada Medicina Preventiva: 

Prevenir é melhor que remediar. Ao comentar essa posição, eu disse que isso equivaleria a tratar todas as pessoas saudáveis ​​como se fossem doentes […] aqui reside a falácia fundamental de todo o discurso sobre a medicina preventiva. A prevenção não só não é melhor do que a cura: é ainda pior que a doença. A prevenção significa ficar incapacitado por toda a vida, com a exasperação suplementar de gozar de excelente saúde. Vou pedir a Deus, mas certamente não ao homem, que me previna em todas as minhas ações“.

E, por fim, impressiona esse juízo mais aprofundado sobre o uso político da medicina:

É pura anarquia dizer que um médico pode sequestrar e segregar quem ele quiser. Alguns grandes higienistas poderiam cercar ou limitar a vida de todos os cidadãos, a tirania é factível“. 

O que o grande sábio londrino, profeta não ouvido, temia se tornou realidade, triste e tragicamente, depois de um século.


Paolo Gulisano é médico e escritor italiano.

La Nuova Bussola Quotidiana, todos os direitos reservados. Publicado com permissão. Link original: “Chesterton: Eugenetica e altri mali, 100 anni dopo”.

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