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Bonum est diffusivum sui

A inserção internacional do Brasil pós-guerra fria

O final da Guerra Fria marcou um ponto de inflexão nas relações internacionais e trouxe consequências relevantes para diversas áreas da política mundial. A bipolaridade, traço característico de todo o período entre 1945-1991, deu lugar a uma nova arquitetura do poder, fazendo com que as nações tivessem que buscar novas formas de se colocar no cenário internacional. O Brasil, potência média dentro de todo o sistema internacional, passou por um momento de mudança de paradigma em sua política externa e, com isso, foram estabelecidas as prioridades de ação do país. Nesse artigo, iremos analisar as bases nas quais tem se assentado a política externa brasileira nesses últimos trinta anos.

O final da guerra fria marcou um período de transição no modelo de desenvolvimento vigente no país desde a década de 1930. O nacional-desenvolvimentismo entrou em colapso, por conta da dívida externa, de problemas fiscais e da inflação. Isso fez com que o Estado brasileiro não tivesse mais as condições necessárias de ser o grande propulsor do crescimento econômico nacional. Consequentemente, a nova visão da diplomacia brasileira era de que o país precisava participar da construção da ordem internacional, visando maiores ganhos econômicos. Por isso, a estratégia adotada pelo pais foi a do pragmatismo.

Na esfera da política internacional, o Brasil buscou cooperar para a construção da ordem internacional e isso se deu em dois eixos de ação: assuntos globais e integração regional. No primeiro eixo, a ênfase da diplomacia brasileira estava na defesa da Organização das Nações Unidas e dos princípios entabulados pela Declaração de Direitos Humanos de 1948. Como complemento a essa estratégia, o Brasil advogava por uma cooperação sul-sul, ou seja, afirmando que o polo de poder deveria mudar do mundo ocidental para uma multipolaridade “benigna”. No segundo eixo, o objetivo era a construção de um espaço regional integrado, por meio da consolidação do MERCOSUL e, posteriormente, da UNASUL.

Na economia internacional, o Brasil advogava pela reforma de todo o sistema financeiro internacional, erigido em Bretton Woods, em 1944. Nesse sentido, ao longo dos últimos trinta anos, o Brasil aderiu ao G-20 na OMC e ao G-20 no FMI. Esses grupos de articulação têm como objetivo fazer com que o centro de poder se descole da Europa e dos EUA e passe a ser mais distribuído. No entanto, o que se nota é que, ao aderir ao BRICS, o Brasil estava tornando-se um instrumento para a China e a Rússia, dentro de uma estratégia de mudança da ordem internacional. O Brasil, juntamente com a China, criou o Novo Banco de Desenvolvimento e o Acordo de Contingência de Reservas, dois instrumentos análogos ao Banco Mundial e ao FMI, porém sem a participação dos Estados Unidos da América. Aqui se pôde notar que o Brasil adere, em algum grau, ao projeto eurasiano de poder.

No eixo social das relações internacionais, a política externa brasileira esteve comprometida, nessas últimas três décadas, com a adequação do país aos chamados regimes internacionais. Isso quer dizer que o país adere aos conceitos, às legislações e aos ditames emanados pela ONU, OMC, OMS, UNESCO, UNICEF e etc. Essas organizações, enquanto vertentes sociais, possuem uma agenda baseada nos seguintes temas: ambientalismo, ideologia de gênero, governança digital, direitos humanos e educação. Nesse contexto, o Brasil delega para instituições internacionais a capacidade de definir como serão tratados os temas dentro da política nacional. Isso contribui para que o Brasil perca a soberania nacional e não espelhe aquilo que o povo brasileiro realmente deseja.

Na temática de segurança internacional, o Brasil buscou aderir aos regimes de não proliferação de armas e energia nuclear, participar de operações de paz da ONU e concertar uma ação conjunta com os países da América Latina. O primeiro fez com que o Brasil deixasse de investir nos projetos nucleares e, também, na modernização dos equipamentos militares. O segundo tinha como objetivo fazer do país um dos principais candidatos a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, em uma possível reforma. Por fim, o terceiro aspecto diz respeito à concertação de um ambiente de paz e desmilitarização, mantendo, somente, os aspectos de dissuasão militar. Tudo isso fez com que o Brasil perdesse capacidade de investimentos e modernização.

Como se pode ver, a política externa brasileira adotou uma postura proativa na construção da ordem internacional pós-guerra fria. O objetivo brasileiro era a ampliação de espaços democráticos na política internacional, bem como a inclusão de atores para que isso trouxesse a estabilidade no mundo e, consequentemente, evitasse uma guerra ou movimentos mais bruscos de uma potência com arroubos expansionistas. Além disso, a neutralidade ideológica gerou uma situação na qual não se discute a verdade e, portanto, o Bem Comum perdeu espaço dentro da agenda internacional do Brasil.

Os aspectos levantados nesse artigo apontam para uma necessidade categórica dos formuladores de política externa do país: uma mudança significativa do modelo de inserção do país nas relações internacionais. Isso passa por um entendimento de que as visões ideológicas influenciam na formulação da política externa, que a política externa deve ser organizada a partir de princípios – e não do pragmatismo –, da defesa da soberania nacional e da necessidade de pensar que a política não é abstrata. Esses são alguns elementos importantes para a consideração de uma nova política externa brasileira.

Por fim, vemos que, assim como a política interna atrai a atenção de diversos atores, a política externa passou a ser tomada por uma pequena parcela de instituições, atores e pessoas que, em quase sua totalidade, defendem uma visão ideológica que não está em consonância com o Bem Comum e, consequentemente, o Brasil fica à mercê de uma visão equivocada de política externa. Assim sendo, é fundamental que aqueles que desejam ver o Bem Comum como pressuposto para a construção da política externa se engajem no debate e, mais do que isso, estudem a dinâmica internacional. Isso é um trabalho de longo prazo, mas que precisa ser colocado como prioridade, visto que o mundo está a caminho de uma mudança na ordem internacional.

A Guerra da Ucrânia, bem como as recentes sanções impostas pelos ocidentais à Rússia, mostra que a política internacional não voltará para aquele padrão de confiança absoluta nas organizações internacionais. Por essa razão, é preciso fazer a leitura correta da decadência da ordem liberal internacional e, a partir da compreensão do que aconteceu, estruturar uma ação que garanta que o Brasil não seja atingido de maneira gravosa por essas mudanças. E que ele não se alinhe àqueles que propagam um modelo de sociedade incompatível com as raízes do país.

Por fim, convém estruturar medidas que garantam que o Brasil conseguirá ter um desenvolvimento social de longo prazo, capaz de garantir segurança energética, alimentar, social e econômica, mesmo com esse quadro complexo de instabilidade sistêmica. O desafio é grande e, por isso, é fundamental a preparação para fazer frente a todos os problemas de política externa.

Rodrigo Muller

Internacionalista e Palestrante que deseja resgatar a tranquilidade da ordem no caos da modernidade.

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