Por Roberto de Mattei – 26 de março de 2025
O espectro da conferência de Yalta paira sobre a Europa enquanto observadores internacionais debatem a possibilidade de um fim à guerra entre a Rússia e a Ucrânia e o conteúdo de uma possível trégua. Ainda é prematuro aprofundar-se no mérito das negociações atualmente em curso entre Estados Unidos e Rússia, porém a analogia com os acordos de Yalta de 1945, mais do que o aspecto geopolítico, parece dizer respeito à relação psicológica entre os interlocutores.
Um antigo ensaio do historiador francês Arthur Conte, Yalta ou le partage du monde. 11 de fevereiro de 1945 (Robert Laffont, 1964, tr. it, Gherardo Casini, 1967) nos ajuda a entender uma certa semelhança entre as negociações atuais e aquelas que ocorreram no Mar Negro há oitenta anos.
Joseph Stálin, antigo companheiro de armas de Lenin, que se tornara “senhor de todas as Rússias”, foi o protagonista indiscutível do encontro ocorrido na Crimeia, entre 11 e 14 de fevereiro de 1945, entre os líderes das três potências vitoriosas: Estados Unidos, Inglaterra e Rússia. Stálin foi um homem que passou a vida inteira em complôs, ora tramando-os, ora frustrando-os. “Tão banal e perigoso quanto uma adaga caucasiana”, disse sobre ele o escritor revolucionário Victor Serge.
O ditador russo considerava o Ocidente um mundo doente, caminhando para o declínio e a morte, de acordo com as teorias de Marx sobre a evolução da sociedade. Apesar da doença, o inimigo capitalista era capaz de convulsões finais e, para se defender, Stálin estava convencido da necessidade de criar uma cadeia de estados-tampão ao redor das fronteiras de seu país.
O dogma do cerco o obcecava. Daí o objetivo de obter, nas fronteiras da URSS, o maior número possível de zonas de proteção, controlando de uma forma ou de outra a maior parte da Europa Central e Oriental. Stálin temia Churchill e tinha como seu interlocutor privilegiado o presidente americano Franklin Delano Roosevelt, que chegou doente e debilitado a Yalta.
Roosevelt estava enfermo desde que foi acometido pela poliomielite quando jovem. Vindo de uma família rica, ele era um narcisista que nunca se preocupou com dinheiro e, em sua busca por poder, nunca abordou profundamente as questões importantes de sua época. Ele chegou a Yalta dominado por duas ideias: acabar com a guerra o mais rápido possível e organizar uma paz duradoura.
Acima de tudo, ele acalentava o sonho de ser o “Homem da Paz” e, portanto, o maior homem de todos os tempos. Ele estava convencido de que a única maneira de alcançar a paz seria o estabelecimento de uma Organização das Nações Unidas, à qual a presença da URSS e dos EUA daria uma autoridade que a malfadada Liga das Nações não tinha alcançado na década de 1930.
Para obter o apoio de Stálin para o seu plano, Roosevelt estava pronto para pagar qualquer preço. Sua opinião superficial sobre o autocrata do Kremlin é evidente em sua resposta impaciente ao embaixador William Christian Bullitt, que tentava avisá-lo:
Bill, eu não discuto a lógica do seu raciocínio. Só tenho a impressão de que Stálin não é esse tipo de homem. Harry [Hopkins] diz que não é, e que ele não quer nada além de segurança para seu país; acho que se eu lhe der tudo o que posso e não pedir nada em troca, noblesse oblige, ele não buscará a anexação e trabalhará comigo por um mundo de democracia e paz…(https://time.com/archive/6824640/historical-notes-we-believed-in-our-hearts/)
Harry Hopkins, um alto dignitário da maçonaria que foi o principal colaborador de Roosevelt no acordo, afirmou:
Não há dúvida de que os russos amam o povo americano. Eles amam os Estados Unidos. Eles confiam nos Estados Unidos mais do que em qualquer outra potência no mundo.
Roosevelt retornou de Yalta convencido de que havia conseguido domar Stalin. Mas as intenções de Stálin eram claras: os países bálticos já eram parte integrante do Império Soviético, ele mal escondia o fato de que queria sovietizar a Finlândia e a Iugoslávia, tinha a Bulgária sob seu controle e um golpe estava ocorrendo na Romênia.
Em Yalta, o comunismo internacional percebeu a ingenuidade do Ocidente. A sovietização da Europa Oriental, a vitória de Mao Tsé Tung na China, a queda da Coreia e da Indochina, o Muro de Berlim, a conquista de Cuba, tudo derivou, segundo Arthur Conte, da vitória de Stálin em Yalta. E nos acordos de Yalta também é preciso buscar a causa e a inspiração das grandes campanhas russas do pós-guerra em favor do pacifismo.
O caráter de Trump e seu projeto político são certamente diferentes dos de Roosevelt. Mas o que devemos pensar do empreendedor imobiliário Steve Witkoff, a quem o presidente americano confiou a iniciação das delicadas negociações entre a Rússia e a Ucrânia?
Witkoff foi entrevistado por Tucker Carlson em 21 de março de 2025 para discutir seu encontro com o presidente russo em Moscou na semana anterior. Durante a entrevista, Witkoff, diante de um Carlson quase comovido, relatou que Putin havia encomendado um lindo retrato de Trump ao melhor artista russo e este o havia entregado a ele para que o levasse ao presidente, que ficou comovido.
Putin também lhe disse que foi à igreja para rezar por Trump após o ataque na Pensilvânia, em 14 de julho. Para o enviado de Trump, Putin “não é uma má pessoa” e “não quer conquistar todo o Velho Continente“, pelo contrário, disse ele, é um “grande” líder que está tentando pôr fim ao conflito que já dura três anos entre Moscou e Kiev. “Eu gostei. Achei que ele estava sendo honesto comigo“, reiterou Witkoff (https://www.youtube.com/watch?v=acvu2LBumGo).
Ao ouvir a entrevista, ficamos impressionados com o otimismo e a inexperiência do enviado de Trump diante de uma velha raposa da KGB como Vladimir Putin. Isso não significa que o presidente americano compartilhe as impressões de seu assistente. É muito difícil entrar na mente de Trump, embora ele seja mais falante e extrovertido que Putin.
A estratégia do chefe do Kremlin, no entanto, tem a vantagem de ser clara porque foi expressa repetidamente nos últimos quinze anos. Em entrevista ao mesmo Tucker Carlson em 9 de fevereiro de 2024, após uma longa aula de história, Putin argumentou que, desde suas origens, a Ucrânia tem sido uma parte histórica da “Grande Rússia” e voltará a sê-lo.
Em outras ocasiões, ele indicou Stálin como seu modelo, a quem considerava como o patriota que venceu a “grande guerra patriótica” na Segunda Guerra Mundial e restaurou a unidade da Rússia, recuperando o seu papel como grande potência.
Para atingir esse objetivo, Stálin precisava dissipar quaisquer medos que os anglo-saxões pudessem ter sobre suas intenções revolucionárias. Entre outras coisas, ele decidiu que o hino nacional russo não seria mais o hino da Internacional Comunista. O novo hino, musicado por Alexander Alexandrov com letra de Sergei Mikhalkov e Gabriel El-Registan e transmitido pela primeira vez na rádio russa em 1º de janeiro de 1944, trazia o refrão:
Glória a ti, nossa pátria livre – o baluarte seguro da amizade entre os povos – que a bandeira soviética, a bandeira nacional, tremule de vitória em vitória!
Abolida com o colapso do regime soviético em 1991, a melodia foi readotada por Putin em 2000 como o hino nacional da Federação Russa, expressando sua vontade de poder. Como o antigo chefe da KGB em Moscou, General Evgeny Savostyanov, agora no exílio, explicou em uma entrevista ao “Corriere della Sera” em 25 de março:
Putin aceitará uma trégua completa somente quando tiver certeza de que pode atingir seus principais objetivos. Ele quer muito entrar para a história como “O Grande Reconquistador das Terras Russas”, aquele que reverteu a desintegração do Império que começou em 1867 com a venda do Alasca para os Estados Unidos.
Não é somente um interesse dele. A inclusão da Ucrânia e da Bielorrússia em um único estado permitiria aumentar “sua” população para cerca de 188 milhões, com uma expansão de seus recursos de mobilização, mercado consumidor interno e força de trabalho. Era uma teoria cara à antiga KGB: quanto menor a Rússia, mais ingovernável ela se torna. Seu principal objetivo tem uma base prática e uma ideológica. A Europa precisa acordar., conclui Savostyanov.
Mas o alerta também se aplica aos americanos.
Originalmente publicado em: https://www.corrispondenzaromana.it/da-yalta-a-mosca-1945-2025/ (Traduzido e publicado com autorização expressa do Corrispondenza Romana).