Juliano Padilha
O Ocidente está enfrentando um período de transição sem precedentes na história no que tange à cultura e, sobretudo, no que diz respeito às relações sociais, pelo solapamento gradativo dos pilares que o constituíram.
Existem dados e fatos abundantes a demonstrar que tais mudanças não se fizeram de uma forma espontânea, mas planejada, com vistas a atingir objetivos específicos de controle no comportamento humano e social, compondo aquilo que ficou conhecido como Engenharia Social.
Poucos dias atrás, o noticiário apresentava um agrupamento formado por um homem e duas mulheres, denominado pela mídia de “trisal”, realizando um ensaio fotográfico da gestação de uma das mulheres.
A reportagem trazia as fotos das três pessoas em seu “book”, com a transcrição de algumas frases dos membros, em declarações carregadas de jargões bastante conhecidos e batidos sobre “criar a criança sem preconceitos e aberta a novos tempos”, ou do tipo: “queremos incentivar os curiosos a serem felizes”, temos um “relacionamento fechado entre nós três” e etc.
O grupo faz sucesso nas redes sociais apresentando sua rotina e procurando “quebrar tabus” tradicionais. Glamourização da poligamia, basicamente.
Nos comentários, algumas pessoas de boa vontade – mas bem ingênuas, diga-se de passagem! – tentavam justificar esse novo agrupamento usando até a Bíblia, afirmando que, no Antigo Testamento, a poligamia era permitida. Ou ainda, que não é possível julgar a questão no curto prazo e que, no decorrer do tempo, tal união poligâmica poderia se demonstrar viável para, quem sabe assim, num futuro próximo, ser legitimada, etc.
“Não existe, no universo jurídico brasileiro, algo que ampare tal espécie de união, e isso porque se trata de uma união espúria, antinatural e repudiável em si mesma”
Intenta-se aqui apresentar alguns fundamentos lógicos, sem a pretensão de exauri-los, para contrapor a propaganda que se faz a respeito do famigerado “poliamor”. Mostraremos a sua contradição pela luz da razão natural, que já desde a antiguidade esclarecia a análise filosófica de mentes investigativas, como as dos pré-socráticos e de Aristóteles.
Considerando as razões de ordem natural implicadas neste assunto, convém problematizá-lo, em primeiro lugar, com o seguinte dado da realidade: não é possível que uma pessoa ame, pelo menos no aspecto conjugal, duas outras da mesma forma e ao mesmo tempo. O amor conjugal, que é um amor de predileção e que implica numa complementariedade sexual, exclui terceiros por sua própria natureza.
O amor é uno e indiviso. Logo, na questão do “trisal” em tela, fica patente que é impossível se entregar por inteiro a duas pessoas, dois corpos e duas personalidades diferentes, e dizer que as ama com a mesma intensidade.
É próprio da natureza humana amar diferentemente; cada pessoa com um grau diferente de amor. Portanto, não há como amar duas pessoas diferentes com a mesma intensidade. Haverá, sem dúvida, algum sinal de preferência entre as duas.
A disposição natural do ser humano igualmente demonstra que o corpo do homem foi feito para uma só mulher e vice-versa; os órgãos só se compreendem na sua complementariedade exclusiva. Ou seja, eles não teriam razão de ser caso não existisse um outro; mas esta conexão é, por si, demonstrativa de que os órgãos foram feitos para se unir a apenas uma outra pessoa de sexo oposto, em uma conexão única.
É de se esperar também, de um relacionamento como este, que apareçam problemas de ordem filial, social e jurídica. Por exemplo, com quem ficaria a criança em caso de divórcio? Como ficaria a questão da guarda? E se a criança se apegar com a mulher que não é a sua mãe biológica, aquela terá também direitos de mãe? E a pensão, a quem será paga? Não existe, no universo jurídico brasileiro, algo que ampare tal espécie de união, e isso porque se trata de uma união espúria, antinatural e repudiável em si mesma.
“uma união monogâmica fiel é um fator que contribui, insofismavelmente, para um lar estável e feliz”
Há que se lembrar que no ordenamento natural, considerando a sua finalidade intrínseca, o matrimônio contraído com plena consciência e sincera adesão de amor tem a característica de consistir num conúbio único, indissolúvel e fiel.
Único, conforme já explicitado anteriormente, em referência à impossibilidade do amor se dividir com plena igualdade; indissolúvel, porque isto garante estabilidade e, mesmo com a possibilidade da infidelidade de uma das partes, o amor, por ser infinito, não se desfaz; e fiel, porque não se divide, a não ser que um dos dois busque uma satisfação momentânea, como tristemente acontece nos casos de adultério.
Considerando o argumento de que a própria Bíblia legitimaria este tipo de união, vale fazer uma análise teológica da consistência dessa asserção. Com vistas a evitar interpretações equivocadas, é preciso compreender, na exegese das Sagradas Escrituras, que o Antigo Testamento era uma fase preparatória, ou uma pálida figura daquilo que atingiria a sua plenitude com a vinda do Cristo.
Ao ser interpelado sobre a questão do divórcio, Jesus afirma que esta prática foi tolerada pela dureza do coração do povo, mas que no princípio não era assim (Mc 10,5-6). A monumental obra filosófica e teológica de João Paulo II, conhecida como a Teologia do Corpo, ensina que, ao assim afirmar, Cristo pretendia restaurar o casamento e transformar o mesmo, naquilo que ele era desde o princípio, ou seja, uma unidade de amor em que o homem e a mulher deixarão seu pai e sua mãe, para se tornarem “uma só carne”.
No princípio, Deus não fez duas mulheres para Adão, nem fez dois homens para Eva, nem formou várias pessoas para praticarem entre si um “swing”. Ademais, é óbvio que Cristo veio ao mundo para libertar a humanidade de sua condição de pecado, dando-lhe a graça naquilo que antes era impossível realizar por si mesmo ou suportar.
Cristo propôs um aperfeiçoamento na lei mosaica, ressaltando o caráter do Direito Natural, ou da Lei Eterna e perene, inscrita no coração do homem como inerente à moral, e a partir da qual cada ser humano, crente ou não, pode seguir os desígnios do Criador.
Além disso, Ele eleva o matrimônio à condição de sacramento, dada a sua natureza sagrada e inviolável, como Deus o havia feito antes da Queda no jardim do Éden.
Logo após o pecado dos primeiros pais, Deus inicia aquilo que chamamos de “economia da salvação”, ou seja, os meios para realizar a restauração da ordem quebrada pela desobediência humana.
A partir de Abraão, Javé faz uma aliança com um único povo. E, no Novo Testamento, Jesus escolhe 12 apóstolos, dos quais os 12 patriarcas geradores das tribos de Israel eram apenas uma prefiguração. Com os apóstolos, estabelece a Nova Aliança, com uma única Igreja católica e apostólica fundada a partir deste grupo. Não há duas, mas apenas uma Sponsa Christi (“esposa de Cristo”, cf. Marcos 2,19).
É por isso que os apóstolos São Paulo e São João interpretam o mistério da Igreja na sua relação com Cristo em termos de “marido e mulher” e “núpcias do Cordeiro” (Efésios 5, 25; Apocalipse 19, 9).
Não é à toa também que o escritor sagrado utiliza-se, muitas vezes, do termo ”Deus ciumento”, sobretudo quando Israel cede ao culto dos ídolos, comparando o paganismo politeísta com o adultério ou, dir-se-ia hoje, com o “poliamor”, que não deixa de ser infame e ilegítimo por ser “consensual”.
“Somente numa sociedade em franco retrocesso civilizacional é possível que a opinião pública venha a consentir com essas novas formas de união”
As analogias da fidelidade religiosa com a fidelidade conjugal perpassam as Escrituras Sagradas em várias partes. Todo antigo israelita e, mais tarde, todo cristão primitivo, era chamado de “infiel” se se entregava à idolatria.
Com efeito, é impossível não perceber que este tipo de união poligâmica, alicerçada sobre a areia, tende logo a ruir. Se uma pessoa não é capaz de garantir fidelidade a uma única outra, como será capaz de se manter fiel a duas, três, quatro?
O que separa, moralmente, um bígamo de um trígamo, ou de polígamo? Rigorosamente, nada. Como diria Aristóteles, um pequeno erro no início torna-se logo um grande erro no final.
Os casais que são fiéis tendem a garantir maior estabilidade no casamento, apesar dos diversos desafios que naturalmente o compõem, de modo que uma união monogâmica fiel é um fator que contribui, insofismavelmente, para um lar estável e feliz, sobretudo para os filhos.
Ao contrário de muitos animais, o ser humano não consegue se virar sozinho logo após o parto, mas necessita de uma família, uma comunidade estável que lhe ajude a sobreviver e se desenvolver, tanto em termos materiais quanto no tocante à descoberta do sentido da vida.
Se o leitor for pesquisar, sobretudo em inglês, encontrará muitas pesquisas que demonstram a importância de um lar estável para a formação de cidadãos que sejam mentalmente saudáveis e que ajudem a edificar a sociedade em todas as áreas.
Por fim, não é possível legitimar essas uniões a partir da lei natural e tampouco justificar biblicamente o “poliamor”. Somente numa sociedade em franco retrocesso civilizacional é possível que a opinião pública venha a consentir com essas novas formas de união. Que país vamos construir com tal proeminência das veleidades e arrumações passageiras? Pode um povo viver feliz sem respeito à natureza humana e à moral mais elementar? A resposta é evidente.
Juliano Antonio Rodrigues Padilha é economista, especialista em Finanças e Controladoria, e em Orçamento Público. Atua como coordenador do Núcleo de Estudos e Formação da Casa Pró Vida Mãe Imaculada.