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Bonum est diffusivum sui

As ruínas do progressismo – Parte 1

O poeta e historiador Antônio Sardinha certa vez recordou que “não há ideias novas nem ideias velhas, apenas ideias sãs e ideias falsas”. No entanto, a difundida mentalidade do historicismo progressista nos ensinou a pensar que tudo o que é moderno é melhor, mais acertado e mais justo do que o que é antigo, e isso inclui valores morais e padrões de comportamento. Há uma série de noções e práticas que as gerações passadas consideraram salutares e que as pessoas hoje acham “retrógradas”, inadmissíveis “em pleno século XXI”, como gostam de dizer.

Contudo, apesar da sua vasta propaganda e penetração na cultura comum, a ideia de progresso irrefreável vem enfrentando crises (no mínimo teóricas) pelo menos desde que a Revolução Francesa – epítome da modernidade – instaurou um reino de terror, degradação social e matança de inocentes, sendo logo lastimada como um verdadeiro “flagelo divino” por analistas contrarrevolucionários como Joseph De Maistre. E não parou por aí. No século XX, depois de duas guerras mundiais, dos horrores vistos nos regimes “socialistas” que foram implantados em diversos países e dos grandes desapontamentos com a democracia liberal e o capitalismo, a crítica literária aos modelos sociais progressistas se intensificou.

Logo apareceram obras de contestação aos descaminhos da modernidade, como o brilhante Nas Sombras do Amanhã: um diagnóstico da enfermidade espiritual do nosso tempo, lançado em 1935 pelo historiador holandês Johan Huizinga. Antes dele, houve o clássico A decadência do Ocidente, de Oswald Spengler, livro este que teve, apesar dos seus limites e equívocos, o mérito de ter impulsionado grandemente a crítica às rupturas modernas, a ponto de o próprio Huizinga lhe ter prestado reconhecimento:

O livro A decadência do Ocidente, de Oswald Spengler, soou o alarme para muita gente em diversos países. O que não quer dizer que todos os leitores do célebre volume se converteram às ideias ali transmitidas. Mas pelo menos familiarizaram-se com a possibilidade de um declínio da civilização moderna, ao passo que antes ainda acalentavam uma crença irrefletida no progresso. O otimismo inabalável por enquanto é privilégio ou daqueles incapazes de enxergar o que há de errado com a cultura, tendo sido eles mesmos afetados pelo mal, ou daqueles que, com sua doutrinação salvacionista, julgam possuir a receita da civilização futura, prontos para despejá-la sobre as cabeças da humanidade sofredora. (HUIZINGA, Nas sombras do amanhã, cap. 1).

Antes ainda de Spengler, já havia o grande G. K. Chesterton, aguilhoando que “o negócio dos progressistas é continuar cometendo erros, enquanto o negócio dos conservadores é evitar que os erros sejam corrigidos”. Ambos contribuem, de algum modo, para que o mundo continue desconcertado; os primeiros impondo mudanças insanas à sociedade inteira e os últimos se limitando a pedir moderação aos primeiros no ritmo da sua marcha rumo ao caos. O perspicaz crítico das modas sem sentido e dos alucinantes chavões contemporâneos pondera, num de seus livros, que a mente progressista não tem, na verdade, um autêntico interesse pelo porvir; o que a move é o temor do retorno a um passado que não era compatível com os vícios e comodidades que ela estima. Ou seja, o que atiça a mente moderna não é uma

afeição genuína pela futuridade, pois a futuridade não existe, uma vez que ainda é futura. É antes um medo do passado: um medo não só do mal que há no passado, senão também do bem que há nele. O cérebro entra em colapso ante a insuportável virtude da humanidade. Houve tantas fés flamejantes que não podemos suportar, houve heroísmos tão severos que não somos capazes de imitar, empregaram-se esforços tão grandes na construção de edifícios monumentais ou na busca da glória militar que nos parecem ao mesmo tempo sublimes e patéticos. O futuro é um refúgio onde nos escondemos da feroz competição dos nossos antepassados. São as gerações passadas, não as futuras, que vêm bater à nossa porta. (CHESTERTON, O que há de errado com o mundo, parte I, cap. 4)

Do tempo desses primeiros críticos para cá, porém, o progressismo tem conseguido se camuflar, se reinventar, assumir outras formas, permitindo aos seus profetas-ideólogos lançar novas estratégias de apelo político e arregimentação de militância. Por isso, é conveniente investigar a natureza da ideologia do progresso e suas consequências. Nesse intuito, e a fim de dar uma noção geral dos precedentes históricos e implicações deste fenômeno, nas linhas que seguem faço algumas considerações sobre o desenvolvimento e os efeitos práticos do progressismo nos nossos dias.

Embora tal modo de pensar possa ser rastreado e identificado até em autores pré-modernos, no século XVII o empirista Francis Bacon alardeava um discurso explicitamente progressista ao defender que “a antiguidade, longe de ser um modelo, não é mais que a juventude balbuciante do mundo. O progresso faz-se por acumulação: ‘O tempo é o grande inventor e a verdade é filha do tempo e não da autoridade’.”, (LE GOFF, História e Memória, Ed. Unicamp, 1990, p. 247).

Vemos aí manifesta a questionável noção de que a mera passagem do tempo, ao implicar num acúmulo de produção intelectual, seria capaz de tornar a nossa percepção do mundo mais verdadeira. A despeito dessa visão, a própria razão moderna revelou-se não apenas uma razão autônoma e secularizada, mas também desenraizada do chão da realidade e desligada do depósito da cultura clássica. A mente moderna foi frequentemente absorvida por percepções inovadoras e conceitos abstratos, sem referência no mundo real ou na tradição intelectual, como advertia Edmund Burke.

Autodeserdada, ela abjurou do patrimônio sapiencial herdado dos antepassados. Sem qualquer deferência, os modernos preferiram antes desacreditá-los e enterrá-los para sempre sob os escombros do preconceito de época do que aprender com eles. Uma atitude de humilde acolhida daquele legado lhes teria permitido, num segundo momento, aprimorar e edificar em cima daquilo que os antigos mestres deixaram.

Malebranche dizia no séc. XVII: “O mundo está dois mil anos mais velho e tem mais experiência que no tempo de Aristóteles e de Platão” (LE GOFF, 1990, p. 179). Muitos modernos se consideram, portanto, mais sábios do que os antigos pelo simples fato de serem modernos, de modo que, para se estar certo sobre qualquer coisa, importaria mais ser um homem moderno do que ser Sócrates redivivo ou Aristóteles em pessoa.

Pensadores renascentistas e iluministas quiseram “emancipar” o homem das amarras da visão teológica, metafísica e moralizadora que caracterizou a cristandade medieval. Esta, porém, havia feito o hercúleo trabalho de tirar o homem antigo da selvageria que caracterizava sobretudo os povos bárbaros que não conheciam nem o Evangelho nem a Ética jusnaturalista dos filósofos clássicos.

O inovador Jean Jacques Rousseau, embora teorizasse que o homem perfeito seria o homem primitivo em seu estado de natureza e que a civilização e o processo de socialização haviam sido mais corruptores do que aperfeiçoantes do ser humano, também deu um forte impulso ao progressismo naquele turbulento século XVIII.

Rousseau foi progressista não apenas ao propor ideais políticos baseados em um democratismo destituído de critérios permanentes (estabelecendo a genérica e volúvel “vontade geral” da população como autoridade suprema para as decisões políticas), mas também porque sugeriu transformar o “estado de constrangimento” vigente (a saber, um estado socialmente desigual) em um estado igualitário, racionalmente planejado, que apagasse o que houvera sido instituído até então para instituir algo novo e melhor. Não é à toa que o autor d’O Contrato Social é considerado um dos principais inspiradores da sangrenta Revolução Francesa.

O pensador genebrino aventou, ainda, a ideia de transmutar a sociedade, que até então havia sido, segundo ele, uma “obra da cega necessidade”, em uma “obra da liberdade” humana, denotando excessiva confiança no planejamento artificial da sociedade e na “liberdade” (ou numa livre e esclarecida benevolência) do homem do seu tempo. Os resultados das diversas tentativas de planificação social que vieram depois não foram nada celebráveis de um ponto de vista humanitário. As vítimas dos regimes socialistas que o digam.

O século XX provou ser muito tênue a linha que separa o homem “emancipado” moderno do homem bárbaro antigo.

Embora os efeitos destrutivos do pensamento progressista já pudessem ser observados nos séculos XVII e XVIII, sobretudo na Revolução Francesa, e tenha sido apenas no século XX que as suas consequências mais devastadoras se tornaram manifestas, foi no século XIX que ele logrou difundir-se e fazer fama por todo o Ocidente. Para constatá-lo, basta recordar que este foi o século de Hegel, Feuerbach, Nietzsche, Marx e Engels. Embora possamos contestar se todos eles foram progressistas stricto sensu, certamente todos contribuíram, de alguma forma, com o caldo ideológico dos mais mortíferos regimes progressistas que surgiram no século seguinte.

A própria confiança cega nas vantagens insuperáveis da democracia liberal que levou Fukuyama a declarar que este seria o regime definitivo que nos levaria ao “fim da História” – isto é, a um ponto de desenvolvimento sociopolítico máximo depois do qual nada mais seria possível em termos de aprimoramento evolutivo – é uma expressão dessa visão historicista-progressista.

O ideário do progressismo tornou-se, assim, tão dominante quanto diluído em suas diversas formas de expressão, revelando-se, em algumas delas, como um fator de abalo, de desestabilização não apenas dos regimes tradicionais, mas até dos novos arranjos sociopolíticos que se sucederam nos diversos países contaminados pela mentalidade revolucionária, como descreve o cientista político Norberto Bobbio:

No decorrer do século XIX, o progressismo se foi construindo baseado em três hipóteses fundamentais: a científica, que fez das ciências naturais modelos a imitar no desenvolvimento das ciências humanas e do próprio homem; a democrática, que viu na extensão do poder de decisão política a todos os indivíduos o melhor resultado a que se poderia chegar; a histórico-materialista, que fez da luta de classes o pré-requisito do necessário progresso humano.

Combinadas entre si dos modos mais variados, estas hipóteses foram usadas como modelos interpretativos e como ideologia nas grandes transformações do século passado. Sua dinâmica tornou impossível a estabilização de qualquer novo equilíbrio de poder, sempre desmascarado como insuficientemente racional ou ligado a interesses egoístas de classe, e suplantado por tendências mais radicais.” (BOBBIO, Dicionário de Política, Ed. UnB, 1998, p. 244-245)

Uma das formas mais bem-acabadas do progressismo moderno aparece, sem dúvida, nas obras de Auguste Comte, o pai do positivismo. Suas ideias influenciaram imensamente os rumos do Estado brasileiro, sobretudo após o golpe republicano-positivista de 1889, que derrubou uma monarquia constitucional parlamentarista que ainda contava com amplo respaldo popular para impor uma ditadura “republicana” militarista que não havia sido requerida pelo povo.

Como na precursora revolução gaulesa, a “república da espada” que se instaurou no Brasil de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto foi despótica o bastante para massacrar a população rural do vilarejo monarquista de Canudos – exatamente como fizeram os jacobinos na França contra os camponeses tradicionalistas da Vendeia. Foi assim que que a República Federativa do Brasil se estabeleceu: recorrendo sem hesitação ao autoritarismo, à violência e ao terror para se consolidar como novo regime.

Ainda hoje podemos encontrar as marcas ideológicas do positivismo em diversas estruturas do governo e das forças armadas do Brasil, assim como no nosso modo de pensar a política e na nossa própria bandeira nacional. O lema gravado em nossa bandeira é lembrado por Le Goff em uma citação de Comte:

A ideologia do progresso encontra, sem dúvida, nesta fase a expressão mais acabada desta ideologia na filosofia de Auguste Comte… No Discours préliminaire sur l’ensemble du positivisme [1848], ele declara: ‘Uma sistematização real de todos os pensamentos humanos constitui portanto a nossa primeira necessidade social, igualmente relativa à ordem e ao progresso.’. (1990, p. 258)

No século XIX, a mentalidade progressista foi reforçada ainda por aplicações extrabiológicas da teoria da evolução de Charles Darwin. Pensava-se que, se a seleção natural poderia fazer o homem evoluir para algo melhor, não haveria razões para impedir o Estado de acelerar ou “dar um empurrãozinho” nesse processo. Logo, o darwinismo social de Francis Galton, um primo de Darwin, começou a apregoar que as sociedades humanas também evoluíam por uma espécie de seleção natural dos mais capazes, o que implicava na crença de que os indivíduos menos aptos deveriam ser impedidos de se reproduzirem ou então perecer, a fim de favorecer a prevalência da parte mais saudável e evoluída do corpo social.

Num escopo mais amplo, o evolucionismo conviria para dar ao discurso progressista uma aparência de maior racionalidade científica às propostas de controle e dirigismo estatal da sociedade. Foi um suporte retórico a mais para legitimá-las. Afinal, o que estava em jogo, segundo os profetas da evolução, era a sobrevivência e o aperfeiçoamento da nossa espécie humana, não sendo razoável que os direitos de alguns indivíduos ou grupos indesejáveis fossem colocados acima do bem geral da totalidade. Ou seja, o próprio princípio clássico da primazia do bem comum foi frequentemente distorcido e instrumentalizado nesse processo.

O racialismo do partido nacional-socialista alemão, aliás, derivava de uma convergência de interesses fundados em concepções racionalistas modernas (progressistas), darwinistas, nietzscheanas e inclusive pagãs, pois também havia um aporte simbólico do paganismo germânico através da “Sociedade Thule” ou “Vrill”, que já ostentava a mesma suástica que viria a ser o distintivo do partido. Esta sociedade, nascida como uma seita ou irmandade ocultista, acabou se tornando o berço do partido nazista e congregou membros do seu alto escalão, como Rudolf Hess, Alfred Rosenberg e muito provavelmente o próprio Adolf Hitler.

Na verdade, desde o chamado “Renascimento” (ou “Renascença”) nos primórdios da modernidade, os seus pivôs vinham se esforçando para favorecer um revival da cultura pagã antiga na Europa. Grupos ocultistas, sociedades secretas e seitas neopagãs vêm atuando desde então, por trás das cortinas, na promoção de diversos movimentos progressistas e na difusão de ideologias revolucionárias. O próprio Giordano Bruno, por mais que tenha sido incensado pela casta “iluminada” como um “mártir da ciência”, era na verdade uma espécie de mago, um sujeito fissurado por doutrinas ocultas, especulações cosmológicas e velhas crenças pagãs.

Mais tarde, as relações de grupos como a maçonaria e a carbonária com os diversos processos revolucionários que se desencadearam na modernidade tornaram-se bastante conhecidas e há farta literatura sobre o envolvimento direto ou indireto delas com episódios de convulsão social e regimes de exceção. Casos de autoritarismo de Estado, de subversão contracultural, de perseguição anticristã e mesmo de execução de opositores também aparecem nos registros referentes às atividades das lojas e seitas paramaçônicas (vide, e.g., A República Maçônica: como produzir a corrupção universal, 2016, Ed. Santa Cruz).

Entretanto, como já aludimos, a ideia de progresso começou a ser posta em xeque sobretudo a partir de meados do século XX diante dos genocídios e tragédias humanitárias causados pelos regimes totalitários que se pretendiam totalmente organizados conforme os ditames da razão moderna e mais avançados do que todas as outras formas de governo anteriores. Por baixo da máscara do progresso racional e modernizador descobriu-se a face mais aterradora da selvageria e da barbárie.

Em meados do século XX, os fracassos do marxismo e a revelação do mundo stalinista e do gulag, os horrores do fascismo e principalmente do nazismo e dos campos de concentração, os mortos e as destruições da Segunda Guerra Mundial, a bomba atômica – primeira encarnação histórica “objetiva” de um possível apocalipse –, a descoberta de culturas diversas do ocidente conduziram a uma crítica da ideia de progresso. (LE GOFF, 1990, Ed. Unicamp, p. 14).

Leo Strauss também notou que a esperança progressista “acaba refutada empiricamente pela incrível barbarização que tivemos a infelicidade de testemunhar no nosso século” (Uma Introdução à Filosofia Política, p. 255). Para o filósofo, “o homem moderno é um gigante cego. A dúvida sobre o progresso conduziu a uma crise da civilização ocidental como um todo, porque no curso do século XIX a antiga distinção entre bom e mau, entre bem e mal, foi progressivamente substituída pela distinção entre progressista e reacionário.” (idem, p. 252)

O pensador alemão observava também que a “forma mais recente de crença no progresso está baseada na decisão de simplesmente esquecer-se do fim, de esquecer-se da eternidade” (ibidem). Ou seja, o progressismo niilista contemporâneo está atrelado a um negacionismo completo do telos e da possibilidade de um pensamento que se volte para as coisas eternas ou que conceba algo de atemporal. E como o homem é um ser essencialmente espiritual, tal projeto materialista não poderia ganhar popularidade nem perdurar por muito tempo se as próprias ideologias que o embalam não se revestissem, de algum modo, com uma roupagem profética, ritualística e sectária, e não pregassem uma doutrina secular envolvente, apresentando-se como verdadeiras religiões políticas, como acusava Eric Voegelin.

Auspicioso, Le Goff chegou até a sugerir um desaparecimento próximo do grande credo iluminista, interpretando que “a crença num progresso linear, contínuo, irreversível, que se desenvolve segundo um modelo em todas as sociedades, já quase não existe.” (ibidem). No entanto, o historiador desconsiderava as incontáveis e influentes mentes do nosso tempo que ainda se creem até muito mais ilustradas que as do passado. Além disso, existe entre nós a certeza quase onipresente de que nada é sagrado o bastante para permanecer um tabu “em pleno século 21” – expressão usada e abusada ad nauseam. Impera a convicção de que o tempo presente é, em tudo, muito superior ao dos nossos avós, e de que o futuro será ainda melhor, graças às promessas das novas políticas “inclusivas” e tecnologias digitais.

Le Goff se esquece também das imensas fileiras dos partidos e movimentos revolucionários que ainda perduram tanto nos países “desenvolvidos” do hemisfério norte quanto no nosso “terceiro mundo”. Por isso, parece-me que o progressismo não apenas está bem vivo, como suas expressões políticas mais bem adaptadas continuam atuantes e até dominantes em muitos países.

O feminismo militante é um bom exemplo. Embora diversos estudos venham comprovando que as mulheres “liberadas” do século XXI se sentem consideravelmente mais frustradas e infelizes do que as mulheres supostamente “reprimidas” das décadas precedentes (o que significa dizer que as nossas bisavós eram provavelmente mais felizes do que as nossas colegas de trabalho), diversos grupos feministas insistem em afirmar que um libertinismo ainda maior as levará a uma realização e felicidade sem precedentes. Recusam-se a enxergar a ilusão e a crendice progressista de que estão imbuídas.

Não seria razoável, é claro, negar os avanços obtidos nos últimos séculos nos âmbitos material e técnico. É evidente que houve um significativo salto de produtividade e uma inédita expansão da prosperidade dos povos após as revoluções industrial e agrícola. Da mesma forma, os avanços na medicina, na tecnologia de transportes e comunicações, entre outras áreas, abonam a percepção de melhorias importantes das quais todos nos beneficiamos hoje.

Sim, os meios materiais de suporte à vida humana e os recursos técnicos disponíveis nunca foram tão abundantes. A vida do homem sobre a terra, materialmente falando, nunca foi tão fácil e confortável. É preciso reconhecer que certo impulso de progresso nas ciências naturais de fato trouxe avanços materiais à humanidade, ainda que esses benefícios tenham sido possibilitados, muito antes, também pelo surgimento do método científico experimental na baixa da Idade Média e, antes ainda, pelos fundamentos filosóficos civilizacionais herdados da antiguidade clássica e cristã.

Não nos é possível admitir, contudo, que tais avanços se refletiram também nos âmbitos menos “exatos” da vida humana, como a moralidade, a política, a convivência humana e a cultura geral. Quem seria capaz de dizer, por exemplo, que o socialismo chavista vigente na Venezuela é uma forma de governo superior ao império constitucional e parlamentarista que tivemos no Brasil sob Dom Pedro II ou mesmo superior ao sistema feudal? Quem poderia afirmar que os estudantes de pós-graduação de hoje são em geral mais cultos, corteses e aplicados do que os bacharéis do final do século XIX, os polímatas da renascença ou mesmo os escolásticos do século XIII? Não são poucos os campos de atuação humana em que poderíamos fazer objeções contundentes à ideologia do progresso.

Por que justamente nestes tempos de suposto “esclarecimento” e inédita abundância material nós encontramos tanta fragmentação familiar e problemas relacionais, tantas pessoas com profunda fragilidade emocional e psíquica, tantos jovens até abastados, mas afundados na depressão, nos vícios e com tendências suicidas? O que deu errado com o projeto da modernidade que iria libertar e elevar a humanidade a um novo patamar de satisfação, inteligência, moralidade e felicidade? Na sequência deste artigo, vamos explorar um pouco mais sobre as causas do fracasso das promessas do iluminismo.


Luiz Moraes

Mestre em Filosofia Política interessado em inflamar inteligências e desvelar as verdades omitidas e ocultadas

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