A família possui uma condição original que garante, em cada pessoa do seu entorno, a conservação do que se poderia chamar “o essencialmente humano”. Diferente de outras instituições humanas, a família acompanha a pessoa desde antes da sua concepção até depois da sua morte, tanto no sentido de desejá-la como de tê-la em memória e consideração. É na família, portanto, que o ser humano é acolhido e cumpre todo o seu ciclo vital enquanto pessoa, fazendo-se digno por si mesmo, independente de suas condições fisiológicas, mentais ou comportamentais. Na família, a pessoa é amada por aquilo que é, foi e será.
Cada homem existe, recebe sua origem, no exercício da sexualidade por parte de seus pais. A importância da sexualidade está, pois, estreitamente vinculada com a consciência do caráter único que a pessoa tem. É o aviso da misteriosa singularidade de cada uma, mais ou menos expressa, a que reclama para sua origem uma forma misteriosa e, definitivamente, transcendente.
Se cada pessoa se apresenta como sendo dotada de liberdade, quer dizer, como um ser inédito, único e que não pode ser subtraído das circunstâncias anteriores, então, a pessoa não é um simples pedaço da natureza, é algo mais, e sua origem não se pode entender como completamente imersa nos meros processos naturais por meio dos quais a matéria se multiplica. (STORK, Ricardo Yepes, p. 281)
Se nem mesmo um fenômeno físico atribuímos ao acaso da natureza, muito menos podemos atribuir ao acaso o surgimento de um ser que, dotado de inteligência e vontade, se faz capaz de liberdade, transcendendo sua própria natureza ao pensar na sua própria existência e razão de existir. A família, mais do que uma comunidade biológica ou social, é uma comunidade de amor, que acolhe e eleva a pessoa, fazendo-a consciente do que é e pode vir a ser.
Do ponto de vista sociológico, podemos entender a família como um grupo de pessoas que convivem, que estão vinculadas por relações de parentesco – laços biológicos e sociais que se desprendem dos primeiros; consanguinidade, afinidade e adoção – que cumprem funções com respeito a seus integrantes e a sociedade em seu conjunto. Sob este aspecto, alguns elementos são fundamentais para a sua constituição e perpetuação: a presença de um homem e uma mulher com a pretensão de uma união duradoura, vinculados potencialmente à perpetuação da espécie e ajustados a preceitos de caráter social.
O que chamamos hoje de “família”, com suas características sociais, não corresponde exatamente ao que se entendeu por família – ou seu equivalente – ao longo do tempo e nos distintos lugares. Há certamente elementos comuns que nos últimos séculos foram considerados por muitos como essenciais ao conceito: seres humanos unidos por vínculos mais ou menos estáveis em que o afeto joga um papel importante, e que contribuem para a reprodução e persistência da espécie. Não obstante, estes aspectos não são necessariamente compreendidos da mesma forma em todos os tempos e lugares.
Segundo José Pérez Adán, numa relação temporal, são três as visões dominantes sobre a família: a evolucionista, a do ciclo vital humano e do ciclo vital da família.
A visão evolucionista da família tem raízes antropológicas; é uma visão que poderíamos chamar de majoritária se considerarmos o número de filiações históricas, embora, sendo a mais antiga, não possa ser dito precisamente que é a dominante hoje. Seu principal apoiador foi o antropólogo francês C. Lévi-Strauss. Para a corrente do Ciclo Vital Humano o marco de referência não é o tempo histórico, mas o tempo vital das pessoas.
O protagonista não é o progresso, mas o indivíduo desde seu nascimento até a sua morte. De acordo com a idade do indivíduo, a situação familiar se modifica. Já para a corrente do Ciclo Vital da Família, o marco de referência é a permanência da instituição através das culturas. O centro de atenção não é o progresso nem o indivíduo, mas a própria família. A família vem antes que o matrimônio. A razão da institucionalização do matrimônio é a preservação da família. (ADÁN, José Pérez, 1997, p. 74.)
Desde o mundo antigo foram surgindo traços que se integrariam à tradição ocidental e cristã: a antiga prática da poligamia deu lugar à monogamia como forma institucional de organização familiar; ela passou a ter um caráter cada vez mais estável e formalizado na relação entre os sexos para a procriação; o matrimônio foi instrumento dessa formalização; houve um predomínio crescente do homem como chefe do grupo familiar; o cumprimento de funções sociais fortaleceu as estruturas existentes.
Já na sociedade pré-industrial, a família era relativamente fechada, com uma rígida estratificação social, eminentemente rural; era organizada em torno de pequenos núcleos dominados por intensas relações de parentesco e de servidão, fortemente ancorada em valores religiosos. Era numerosa e extensa, patriarcal e absolutista. Tinha importância central para a formação das pessoas e para a manutenção das estruturas sociais: riqueza e estratificação, por exemplo.
Como instituição social, contribuiu como instrumento para manter a organização social vigente. Era profundamente enraizada no lugar de residência e com predomínio do institucional sobre o afetivo e interpessoal. Basicamente desempenhava as funções de unidade de produção econômica e centro de consumo; de responsabilidade no cuidado dos menores e dos anciãos; formadora da personalidade da criança (estruturas psíquicas); transmissora de valores culturais e religiosos; lugar de socialização primária e secundária.
Na sociedade contemporânea, que começou com a revolução industrial, a unidade casa – trabalho foi rompida, acentuando-se em rompimento com o processo de urbanização. Neste contexto, a família começa a ver-se mais como espaço privado do que como instituição social. A sociedade se torna mais industrializada e urbanizada, acentuando o processo de transição demográfica, com relações sociais impessoais, e regida pelos princípios do capitalismo como doutrina e prática dominante na escala mundial.
“a família é transmissora primária das normas culturais de uma geração à seguinte”
Nesta sociedade a família passa a ser nuclear, constituída de pai, mãe e filhos, com maior igualdade entre homem e mulher; estrita divisão de papéis entre pai (fora do lar), mãe (papéis afetivos e privados) e filhos. Torna-se forjadora de seres humanos, mais como base da sociedade do futuro do que como instituição chamada a proteger valores e estruturas. Há uma privatização progressiva da esfera familiar e um progressivo aumento do valor do afetivo como condição para a formação da família.
Assume novas funções nos mais diversos aspectos: torna-se um centro de consumo, ainda que haja países onde as empresas familiares são importantes especialmente no emprego; passa a dar assistência e assumir o cuidado dos membros mais débeis da sociedade; assume o processo educativo e de socialização primária apesar da crescente importância do colégio; e também secundária em relação aos valores, atitudes, motivações, comportamentos, oportunidades e apoios. Favorece a ancoragem da personalidade individual: estabilização social e controle sociocultural.
A título de esclarecimento, a socialização primária tem lugar na infância e é básica para o indivíduo; através dela este se converte em membro da sociedade. As definições e concepções dos pais são apresentadas à criança como realidade objetiva. Os outros significados tomam aspectos do mundo segundo sua peculiaridade e a situação que ocupam dentro da estrutura social, pelo qual a criança aprende um mundo social já “filtrado”.
Na socialização primária, a criança passa a perceber as regras e atitudes daqueles que integram seu entorno imediato, a entender em geral as regras e atitudes. Ou seja, um aprendizado que se generaliza a partir de casos particulares. O que lhe é apresentado como real passa a ser real dentro do indivíduo. A criança internaliza o mundo de quem o rodeia como o único que existe e é concebível. Por ele, este mundo se implanta com mais firmeza que o que se internaliza na socialização secundária; daí sua importância para sua vida futura. Em síntese, a família é transmissora primária das normas culturais de uma geração à seguinte. Reflete a cultura do estrato e grupo dos pais.
A socialização secundária é um processo que induz ao indivíduo já socializado a novos setores de seu mundo; leva a “internalizar” outros submundos e regras. Estes submundos são visões parciais que contrastam com o mundo adquirido na socialização primária, e trazem consigo novos componentes afetivos, cognoscitivos e normativos.
A socialização secundária supõe a primária; encontra um eu já formado e um mundo já internalizado. Os novos conteúdos devem sobrepor-se à realidade já existente. Não obstante, o papel da família persiste. Gera crise quando o indivíduo reconhece que o mundo que os pais lhe apresentaram não é o único possível.
“fez-se necessária uma nova perspectiva relacional que permita a compreensão das oportunidades e responsabilidades de cada pessoa no cumprimento do seu papel dentro e fora da família”
Esse processo de adequação da família aos novos tempos, como já dissemos, não é único nem mesmo dentro da cultura ocidental, e muitos são os que o questionam e até a ele se opõem, não só quanto ao modelo institucional da família, mas até mesmo do ponto de vista do que seja a pessoa.
Para os evolucionistas, e nisto coincidem com os marxistas, não há natureza humana em sentido estrito: há história e cultura que vão moldando instituições como a família. Se esta apareceu em algum momento, também pode desaparecer. Esta tese influiu em muitos autores e na prática política dos Estados marxistas.
Para críticos mais recentes, as investigações evolucionistas não são “científicas”: em vez de comprovações, são hipóteses sobre o passado; uma delas versa sobre a suposta carência de regras sexuais; para eles, toda sociedade se dá normas (Levi-Strauss) e em todas há elementos comuns como o tabu do incesto, o que questiona a hipótese da absoluta promiscuidade sexual das tribos primitivas.
Alguns traços do capitalismo baseado no esquema neoliberal acentuaram os desafios da família na sociedade contemporânea. Estes desafios repercutiram de variados modos na constituição da família e de suas relações, passando por transformações significativas. Em meio a estas transformações a família esforça-se por reorganizar suas funções em meio a um ambiente sociocultural instável e dinâmico. Este esforço pode ser reconhecido pelos diversos estudos que surgiram nas últimas décadas, especialmente no mundo ocidental, conforme aponta João Carlos Petrini na apresentação do estudo sobre a Família no século XXI:
O tema família esteve fora do foco acadêmico-científico durante muitos anos no nosso país. Em uma espécie de eco ao discurso que difunde as mudanças pelas quais passa essa unidade societária, o assunto foi submetido a um “silêncio eloquente” nos ambientes universitários, como a caucionar certo posicionamento de que estaria em vias de extinção. No entanto, nos últimos vinte anos surgiram no cenário internacional inúmeros centros de estudos da família, e estudiosos das mais diversas áreas verificam que tal instituição, mesmo afetada por mudanças socioculturais, éticas e religiosas, reage aos condicionamentos externos e, ao mesmo tempo, adapta-se a eles, encontrando novas formas de organização que, de algum modo, a reconstituem…
Esse movimento vai de encontro à evidência de que, atualmente, a família é considerada um dos maiores recursos de sustentação para a pessoa e para a sociedade, sendo escolhida como parceira da administração pública para a realização de políticas sociais. Além disso, sondagens de opinião revelam que os jovens brasileiros a julgam como um valor essencial. Por isso, está sendo estudada pelas diversas áreas de conhecimento, visando compreender as razões de sua existência, as formas de sua organização, as mudanças que a influenciam, as tensões e os conflitos que a permeiam, o futuro que se descortina a partir da ação dos seus componentes. (PETRINI, João Carlos et al. Família na Sociedade Contemporânea. Apresentação. In DONATI, Pierpaolo. Família no Século XXI, 2008, p. 9.)
Com o advento da globalização, irrompe-se um fenômeno que transforma o planeta numa “aldeia global”. Essa transformação constitui-se numa geradora de tensões sociais derivadas da disparidade crescente entre ricos e pobres, entre países desenvolvidos e atrasados, entre a cultura ocidental e outras culturas.
A convivência globalizada passa a articular o interesse individual com a sociedade global; a família nuclear, torna-se referência dominante no ocidente, porém suas modificações permitem falar de novos tipos de família; se debilitam os traços da família nuclear: o núcleo se fragmenta com o advento das famílias monoparentais; surgem novas formas de organização familiar ou saúde familiar gerando famílias complexas de divorciados, famílias de fato, convivências ocasionais, uniões homossexuais.
Estas novas formas mencionadas de organização são válidas – independentemente de suas conotações teológicas – sempre que impliquem união entre homem e mulher. Existem uniões que, por sua própria natureza, não podem ser famílias: não geram vida e por isso não implicam paternidade, maternidade, filiação nem fraternidade. Podem reconhecer-se sob formas contratuais diversas, porém são distintas da família.
Destas transformações surgem alguns fenômenos cada dia mais comuns:
- Retardamento do matrimônio
- Aumento de adultos dependentes e de lares unipessoais
- Aumento da coabitação
- Aumento de número de nascidos fora do matrimônio
- Aumento da gravidez na adolescência
- Aumento da ausência paterna
- Aumento do monoparentalismo (*)
- Aumento do número de divórcios
(*) Monoparentalismo: refere-se a uma mãe ou a um pai que vive sem cônjuge e com filhos dependentes. A família monoparental foi reconhecida como um tipo de família pelo Direito brasileiro com a promulgação da Constituição de 1988.
Destas novas formas surgem também novos papéis:
- Igualdade entre homem e mulher: favorece a confiança e o respeito, porém produz novas confusões e tensões em relação aos papéis.
- Crescente individualização dos filhos: Deixam de estar em função do grupo familiar para querê-la a seu serviço.
- Reordenamento dos papéis familiares pela inserção da mulher no mundo do trabalho que modifica o entendimento e a prática das relações familiares.
“Muitos homens, sobretudo em regiões economicamente desenvolvidas estão tão absorvidos pela economia que quase toda sua vida pessoal e social está tomada de certo espírito econômico.”
As transformações na família não são alheias às transformações na juventude. Nas sociedades capitalistas modernas, a juventude foi delimitada por dois momentos, um biológico outro socioeconômico: desenvolvimento das funções sexuais e reprodutivas como início desta fase da vida, e assunção das responsabilidades próprias da fase adulta. As transformações do século XX fizeram mais complexos e menos transparentes estes momentos:
- Adultos tendem a ser atraídos para o universo juvenil. O sistema econômico pressiona os adultos para que adotem atributos “juvenis” no trabalho e em sua aparência.
- Jovens ingressam mais cedo no mundo adulto. Os fatores (precariedade econômica e social) abreviam a juventude: Maternidade precoce, trabalho infantil, ingresso em grupos armados, abandono escolar, busca de vantagens econômicas. Porém, adolescentes de boa condição econômica buscam prolongar sua adolescência na família.
- Os jovens tendem a influir cada vez mais na família. Razões:
- Crescente individualismo: o filho, em especial o jovem, deixa de ser subordinado. Ao contrário, trata de pôr a família ao seu serviço.
- As mudanças pedagógicas relacionadas com a anterior, que tendem a substituir a pedagogia coercitiva pela da negociação.
- A cultura que idealiza o juvenil e leva os adultos a comportarem-se como jovens.
- O aumento do período dos jovens no lar.
Causas da mudança das regras:
- Transformações demográficas: extensão do período matrimonial sem filhos, redução de seu número; aumento dos anciãos.
- Mentalidade divorcista: matrimônio como mero contrato, e não como algo sacro ou entrada numa forma de vida permanente.
- Maior hedonismo que valoriza a sexualidade como gozo, à margem das regras tradicionais em cada sociedade.
- Influência feminista, oposta ao patriarcado e a regras próprias da família tradicional acentuada por sua crítica da maternidade.
- Secularização da vida que debilita referências religiosas.
- Inovações em ciências biológicas: engenharia reprodutiva, que faz possível a separação entre sexualidade e procriação.
- Meios de comunicação que ocupam espaço da família formadora de valores e transmitem outros valores opostos aos da família nuclear.
- Debilidade cultural dos grupos pró-família, incapazes de expressar sólida e publicamente suas convicções: as propostas teológicas e de direito natural não convencem aos não cristãos.
- Processo de globalização.
Para as famílias dos países “subdesenvolvidos” é necessário agregar outras causas de transformação que, para alguns, seriam “regressivas”. O abandono das teses do estado de bem-estar e a agudização da crise generalizada de vastos setores da população trouxeram à família competências que se agregam como carga extra às que supostamente lhe correspondiam na sociedade urbana e industrial.
Muitos homens, sobretudo em regiões economicamente desenvolvidas estão tão absorvidos pela economia que quase toda sua vida pessoal e social está tomada de certo espírito econômico. Num momento em que o desenvolvimento econômico poderia mitigar as desigualdades sociais, com demasiada frequência traz consigo um endurecimento delas e às vezes até um retrocesso nas condições de vida dos mais débeis.
Enquanto multidões imensas carecem do estritamente necessário, alguns ainda nos países menos desenvolvidos, vivem na opulência e gastam sem consideração. O luxo pulula frente à miséria. Enquanto alguns poucos dispõem de um enorme poder de decisão, muitos carecem de toda iniciativa e responsabilidade, vivendo com frequência em condições de vida e de trabalho indignas da pessoa humana.
A revolução da informática e das comunicações impulsionou mudanças na organização da produção e acumulação do capital que inclui a descentralização espacial dos processos produtivos. Esta mudança estendeu-se para uma crescente socialização global em todos os âmbitos.
Nesta configuração de sociedade moderna, a família acaba assumindo uma nova concepção, passando a ser vista mais como forjadora de seres humanos e base da sociedade do futuro do que como instituição chamada a proteger valores e estruturas. A consequência é a privatização paulatina da esfera familiar e o progressivo aumento do valor do afetivo como condição para a formação da família.
As mudanças expostas não seguem uma sequência única e linear. Ainda que de maneira distinta em cada país, tais mudanças obedecem a interações múltiplas e complexas derivadas dos processos culturais, sociais, econômicos e políticos. No Brasil, as interações se tornam especialmente mais complexas por sua extensão e diferenciação territorial, somado ao caráter heterogêneo dos processos de conformação regional, incluído a mestiçagem cultural.
Alguns valores, no entanto, parecem comuns:
- A perda dos valores e crenças religiosas: se estende a crença em um Deus cuja relação com o ser humano é puramente individual, não institucionalizada e à margem da Igreja.
- A decomposição dos valores éticos devido ao culto ao hedonismo e ao dinheiro.
- A ausência de novos valores transcendentes que sirvam para substituir, com um referencial ético, os que deixaram de prevalecer.
- A generalização dos valores cada vez mais individualistas das classes médias.
- A absorção de suas implicações tende a ser passivas e carentes de critérios seletivos.
- Como consequência do anterior, destrói valores sem construir processos favoráveis à família e, em geral, à consolidação de processos sociais baseados na solidariedade.
A família no Brasil
Na história da formação da sociedade brasileira, especialmente no período da colonização do Brasil, o modelo de família que se formou foi o modelo patriarcal proposto por Gilberto Freyre em sua obra “Casa-grande e Senzala” e outras do mesmo autor. O modelo patriarcal, como o próprio nome indica, caracteriza-se por ter como figura central o patriarca, ou seja, o “pai”, que é simultaneamente chefe do clã (dos parentes com laços de sangue) e administrador de toda a extensão econômica e de toda influência social que a família exerce.
Esse modelo de família começou a formar-se logo no primeiro século da colonização, século XVI, a partir da herança cultural portuguesa, cujas raízes ibéricas estavam, nessa época, fortemente vinculadas com o passado medieval europeu – sem contar a forte influência do modelo de patriarcado muçulmano, de quem os portugueses absorveram muitas características.
Segundo Roberto da Matta (1987) o modelo patriarcal de Gilberto Freyre estrutura uma hierarquia de formas de família, umas completas e outras incompletas, estando estas últimas, de alguma forma, ao serviço das primeiras. O mais interessante é que as várias formas de família obedecem à evolução de tradições diversas que se articulam num sistema “sui generis”.
“A família é um grupo social, bem como uma rede de relações. Funda-se na genealogia e nos elos jurídicos, mas também se faz na convivência social intensa e longa. É um dado de fato da existência social (sem família, como dizem os velhos manuais de sociologia, não há sociedade) e também constitui um valor, um ponto do sistema para o qual tudo deve tender. Assim, o termo “família” refere-se não só à família nuclear (mulher/marido e filhos), mas também a toda a parentela.
Além disso, utiliza-se “família” como um qualificativo poderoso para denotar situações corriqueiras ou rotineiras (“essa comida é familiar”) ou quando alguma coisa é importante e boa (“aquela moça é de família”). E é bem conhecida a importância, mesmo hoje em dia, em se possuir um “nome de família” ou em se ter nascido numa “família importante ou boa”. Há pessoas que pertencem a uma “família de generais”, tal como há as que nascem em “família de políticos” ou de “comerciantes”, cretinos ou diplomatas. Pertencer bem ou mal a uma “família”, nestes vários sentidos, é mais significativo do que ter um elo com pessoas e instituições: de fato, esse pertencer é tão crítico que vale por uma classificação social.
Uma pessoa que “vem” de uma “família sem pai” permite definir uma linha dramática precisa; do mesmo modo, quem faz parte de uma família sem “eira nem beira” encontra dificuldades ao realizar certas coisas em determinados ambientes, no caso brasileiro. É curioso observar que tomamos o “legal” e a lei como um valor (daí o adjetivo legal para exprimir o certo, o positivo e o bom: aquilo que é realizado de acordo com as boas normas de sociabilidade e de moralidade) da mesma forma que tomamos a “família” para exprimir um dado empírico e um modo de ser, bem como um valor e até mesmo a condição da existência. Quem não tem família já desperta pena antes de começar o entrecho dramático; e quem renega sua família tem, de saída, a nossa mais franca antipatia.” (DAMATTA, Roberto. A família como valor: considerações não-familiares sobre família à brasileira. In. PENSANDO A FAMÍLIA NO BRASIL DA COLÔNIA À MODERNIDADE, p. 125.)
Considerando os inúmeros desafios de nossa sociedade contemporânea e as novas formas que assumiu a família em relação à sua organização interna e interação com a sociedade e demais instituições, fez-se necessária uma nova perspectiva relacional que permita a compreensão das oportunidades e responsabilidades de cada pessoa no cumprimento do seu papel dentro e fora da família.
Nas palavras de (PETRINI, 2008) ao comentar a obra de Pierpaolo Donati, “a teoria relacional procura proceder de maneira que a compreensão da família seja mais aderente à realidade e ofereça melhores oportunidades para uma intervenção eficaz. Não é uma abordagem a mais entre muitas, não se contrapõe a este ou àquele paradigma, mas é uma visão transversal daquilo que existe de mais positivo em todos os paradigmas de investigação em família.”
Para melhor entender esta nova dinâmica relacional que assume a família em nossos dias, publicaremos um novo artigo em futuro próximo com base na obra de Pierpaolo Donati.
REFERÊNCIAS
SANCHEZ, Carlos Antonio Zorro, Especialização em desenvolvimento Pessoal e Familiar, 2009, UEPG.
DONATI, Pierpaolo, Família no século XXI, 2008, Paulinas.
ADÁN, José Pérez, Sociologia Conceptos y usos, 1997, EUNSA.
DAMATTA, Roberto, Pensando a família no Brasil – da colônia à modernidade, 1987, Espaço e Tempo.
STORK, Ricardo Yepes; ECHEVARRIA, Javier Aranguren. Fundamentos de Antropologia, 2011, Instituto Raimundo Lúlio.