Sebastian Morello
The European Conservative
Certa vez, um familiar da filósofa Elizabeth Anscombe contou-me a seguinte história. Uma jovem se aproximou da professora Anscombe e manifestou uma preocupação – uma preocupação existencial: “Não me acho muito virtuosa”, confessou a jovem, claramente desanimada com sua autoavaliação. “E por que você acha isso?” perguntou a professora Anscombe. A jovem então passou a explicar que uma pessoa virtuosa, pelo que lhe parecia, era alguém que, quando confrontado por tentações, agia de uma maneira que ele ou ela entendia ser certo – por mais forte que fosse a tentação de fazer o contrário. Como ela poderia, então, ser virtuosa?
Se ela fosse virtuosa, ainda quereria fazer aquelas coisas que ela sabia serem erradas, mas optaria, contra esses desejos, por fazer as coisas que ela considera certas. Porém, explicou a jovem à professora Anscombe, a própria ideia de fazer coisas que ela sabia serem erradas era acompanhada por uma tremenda sensação de infelicidade. Ela não lutou nobremente contra desejos malignos porque não tinha tais desejos – ela estava feliz sendo boa. “Mas o que você descreve de si mesmo”, respondeu a professora Anscombe, “é a virtude”.
Essencialmente, essa jovem inquieta havia cometido o erro kantiano. Para Immanuel Kant, os atos só têm “valor moral” quando, ao experimentar o impulso de fazer o que o agente sabe ser errado, ele faz o que sabe ser certo – por um senso de dever.
Para compreender o conteúdo da ação em si, o agente pode realizar um breve experimento mental para saber se está correto em seu julgamento do que é certo e do que é errado. Ele pode formular uma máxima a partir da consideração de sua ação potencial, a qual pode então “universalizar”, perguntando-se: “essa é uma máxima justa e boa para todas as pessoas, em todos os lugares e em todos os tempos?”
Por exemplo, se fosse tentado a roubar um litro de leite, ele poderia enunciar: é permitido a qualquer indivíduo levar até um litro de leite sem ter que pagar por isso. Então, ele pode se perguntar: “Posso pretender racionalmente que essa máxima se torne uma lei universal?” Se ele julgar que a máxima universal derivada de sua proposta de ação poderia, afinal, ser uma “lei da natureza”, então ele poderá, justificadamente, tomar o leite sem pagar. Se, no entanto, ele julgar o contrário, ele deve pagar pelo leite, apesar de seu desejo de fazer o contrário. É no ato de fazer tal escolha em oposição ao seu desejo maligno que ele prova que sua vontade é boa – que ele se torna virtuoso.
Para Kant, o homem que se compraz em fazer o bem não é virtuoso no sentido estrito – suas ações não têm “valor moral”. Tal homem, ao escolher o que um pouco de teorização abstrata revelaria ser moralmente correto, está simplesmente fazendo o que gosta. No entanto, a boa ação não é primariamente, para Kant, o caminho para uma pessoa ser feliz e próspera, mas o caminho da luta interior para cumprir os deveres. Então, quando a luta acaba, a virtude também.
O pensamento realista clássico oferece de maneira geral uma visão diferente. Nesta ampla escola encontramos distinções entre a “pessoa intemperante”, a “pessoa de vontade fraca”, a “pessoa de vontade forte” e a “pessoa virtuosa”. A pessoa intemperante não apenas deseja fazer o que é moralmente errado e o que a corrompe como agente moral, mas não tem noção da imoralidade de sua escolha – na verdade, ela celebra sua imoralidade e se considera boa no processo.
A pessoa de vontade fraca sabe que suas escolhas são ruins para ela, para os outros e para si mesma, mas sua vontade – e qualquer sensibilidade reta que tenha – simplesmente não pode resistir à tentação e aos impulsos de seus apetites, e ela é rotineiramente seduzida por suas paixões. A pessoa de vontade forte é a pessoa no caminho da virtude; ela ainda é constantemente atormentada por seus desejos e inclinações ignóbeis, mas repetidamente ela opta pelo que considera ser bom, apesar de encontrar nisso pouco entusiasmo em comparação com o que encontraria na liberação de seus impulsos mais baixos. A pessoa virtuosa, porém, é aquela que identifica a sua felicidade com o bem, e assim sua vida interior se estabilizou em um estado de harmonia com o que é bom.
No modelo kantiano, privilegia-se um modelo puritano e doentio do terceiro homem sobre o quarto homem. Em Kant, encontramos uma celebração tipicamente prussiana da pessoa de força de vontade. É claro que o panorama acima é bastante teórico e, na vida real, as distinções entre as condições morais interiores são fluidas. Sendo miseráveis como somos, nossa vida moral é sempre vivida no fio da navalha, e uma pequena mudança de circunstâncias pode derrubar nossa vida interior num instante. Por esse motivo, os antigos mestres não falavam apenas em “evitar o pecado”, mas em “evitar ocasiões de pecado”.
Algo da ética kantiana pode ser visto na personagem de Boromir em O Senhor dos Anéis de Tolkien. Ele deseja o Anel, mas no final (talvez tendo falhado em fazer uma máxima universal da ação a que seu ardente desejo o conduzia) submete-se à orientação de Lord Elrond e concorda em apoiar o hobbit Frodo, como membro da Sociedade. Depois disso, ele luta diariamente contra a tentação de pegar o Anel, e diariamente a supera.
Boromir é um homem com uma vontade forte, mas em uma ocasião ele sucumbe e tenta arrebatar o Anel de Frodo. Para o moralista clássico, Boromir lutava pela virtude, mas nunca possuiu verdadeiramente a virtude que procurava cultivar. (Boromir, no entanto, expiou seus erros sacrificando sua vida ao defender os hobbits Merry e Pippin, e recebeu a absolvição de Aragorn antes de morrer).
Mais tarde, na saga, tomamos conhecimento do irmão mais novo de Boromir, Faramir (cuja personagem foi arruinada pelos filmes de Peter Jackson – que, por outro lado, são admiráveis). Faramir é um aristocrata completo. Ele não é apenas um soldado corajoso que protege os povos do Ocidente contra os ataques de Mordor na devastada fronteira de Ithilien, mas também é um filósofo, um historiador, “manso de comportamento e amante do folclore e da música”.
Ele é dedicado a seu pai, seus ancestrais e seu país. Faramir lidera a única liturgia de toda a Trilogia, durante a qual ele e seus homens rezam, voltando-se “para aquilo que está além da Casa Élfica e sempre existirá”, ou seja, a morada dos deuses. Faramir é talvez a personagem mais maravilhosa de toda a história de O Senhor dos Anéis (ele até mantém uma adega bem abastecida de bons vinhos).
A ética kantiana é frequentemente tida como uma certa salvaguarda contra o utilitarismo e o consequencialismo rígidos. Mas, infelizmente, Boromir também era um utópico e, portanto, inevitavelmente também um consequencialista. Ele sonhava com um futuro de supremacia para Gondor (onde seu pai governava como Regente), que – imaginava ele – poderia ser estabelecido pelo uso do Anel. Ele previa um fim aparentemente bom e, portanto, o uso de meios maus seria justificado, ou assim ele pensava. Ele demonstrou sua vontade de destruir algo real e bom, ou seja, a Sociedade, por algo imaginado e precário.
Faramir, por outro lado, não olha para um futuro ideal cuja realização está longe de ser garantida, mas olha para trás para determinar o que é exigido dele no presente. Uma das primeiras coisas que os hobbits aprendem sobre Faramir é que ele é um mestre em história. Faramir não é atormentado pela fantasia e pelo apetite, mas executa o que a prudência exige diante da situação real.
Faramir não é um homem lutando para ser bom. Ele é um homem que é bom. Ele dominou a si próprio ao longo de décadas de autossacrifício como Patrulheiro, e agora governa a si mesmo, e assim ele é um homem em estado florescente. Boromir pensou imediatamente em como o Anel poderia servir às ambições de Gondor, mas quando Faramir descobre – devido à tagarelice descuidada do hobbit Samwise Gamgee – que o Anel está ao seu alcance, Faramir (lembrando sua declaração anterior de que ele nunca usaria qualquer “arma do Lorde das Trevas” para algum fim aparentemente bom) diz o seguinte:
“Nem se o encontrasse na estrada, eu o levaria”, eu disse. Mesmo se eu fosse um homem que desejasse essa coisa, e mesmo que não soubesse claramente o que era essa coisa quando eu falei, eu ainda manteria essas palavras como uma promessa, e me manteria firme. Mas eu não sou um homem desses. Ora, eu sou sábio o suficiente para saber que existem alguns perigos dos quais um homem deve fugir… nem mesmo mencione essa coisa novamente em voz alta. Uma vez é suficiente.
Faramir é um homem que cultivou os hábitos de pensamento reto, de fala e ações corretas. Ele é um homem, como diria C.S. Lewis, de peito.
Faramir afirmou que ele nunca usaria nada feito por Sauron, e por sua palavra ele se considera obrigado – não porque ele deliberou e chegou a uma máxima abstrata satisfatória, e não porque lutou e superou seus impulsos vorazes, mas porque ele não presume outra forma de agir. Enquanto Boromir lutou pela virtude e nunca a alcançou, Faramir age sem esforço de acordo com as exigências da prudência e da justiça, porque ele já tem a virtude. Como ele bem observa, ele não apenas não gosta do pecado, mas não gosta de ocasiões de pecado: “há alguns perigos dos quais um homem deve fugir”.
O autodomínio e a bondade pura de Faramir são mostrados em um diálogo com Samwise no final do capítulo:
Sam hesitou por um momento, depois fez uma longa reverência: “Boa noite, capitão, meu senhor”, disse ele. “Você correu um risco, senhor.”
“Mesmo?” disse Faramir.
“Sim, senhor, e mostrou a sua mais alta qualidade.”
Faramir sorriu. “Você é um servo atrevido, Mestre Samwise. Mas não: o elogio do que é louvável está acima de todas as recompensas. No entanto, não havia nada para louvar nisto. Eu não tinha atração ou desejo de fazer nada além do que fiz.”
Podemos ser tentados a pensar que Faramir está defendendo o ponto de vista kantiano – que sua ação não teve “valor moral” porque não nasceu de uma luta. Mas, em vez disso, para Faramir simplesmente não é óbvio que sua virtude seja louvável, pois não é algo diferente do que ele é. A virtude que ele demonstrou não é algo que ele está lutando para cultivar, mas é a própria atividade do que ele é – é o que o capacita para viver a serviço dos outros.
De fato, Faramir está tão “morto para si mesmo” – como diria a velha terminologia – que ele é inteira e intencionalmente direcionado ao outro. Para ele, o que é louvável não é sua própria ação – que ele nunca se importou em considerar –, mas o caráter íntegro de seu convidado desajeitado.
Quaisquer poderes, glória, prestígio, riquezas etc., que poderiam ter vindo (momentaneamente) pela posse do Anel, não têm atrativo para Faramir. De fato, mais tarde, quando seu pai morre e ele se torna o Regente de Gondor, ele alegremente cede seu poder ao legítimo Rei – algo que seu pai não foi capaz de fazer – e em obediência ao Rei ele governa o principado de Ithilien, um feudo dentro do império de Aragorn.
Tendo se apaixonado e casado com a grande escudeira e matadora de Reis-Bruxos, Éowyn, seu coração está completo, não com as glórias enganosas do mundo, mas com o amor dela, para o qual ele abriu espaço com o dom total de seu próprio eu. Como conselheiro-chefe do rei Aragorn, o príncipe Faramir passou o resto de seus dias criando seus dois filhos com sua amada esposa e caçando os orcs restantes.
Este personagem, Faramir, nos apresenta em um conto o que a professora Anscombe transmitiu à jovem virtuosa que não se via como tal. Faramir é um homem bom não porque está em estado de luta moral, mas porque é um homem em estado de prosperidade, transformado por ter tornado sua a bondade. Precisamos de histórias.
Não basta ter uma concepção de virtude; é preciso testemunhar uma pessoa virtuosa. Não basta conhecer verdades; precisamos de verdades encarnadas, pois somos encarnados. Este é um dos grandes dons que descobrimos na narração de histórias, e a razão pela qual – como disse um amigo meu – ler O Senhor dos Anéis faz de você um homem.
Sebastian Morello é palestrante e colunista. Aluno de Sir Roger Scruton, publicou livros sobre filosofia, história e educação. Ele mora em Bedfordshire, Inglaterra, com sua esposa e filhos.
The European Conservative, todos os direitos reservados. Publicado com permissão. Link original: “Kant’s Practical Reason vs. Faramir’s Morality”.