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Bonum est diffusivum sui

Restaurar o que se perdeu: o caso da Suécia

Para desenvolver o conservadorismo sueco, é essencial um retorno às suas mais profundas raízes, que se encontram no catolicismo e na vibrante sociedade civil formada por suas igrejas protestantes independentes. Não basta abraçar uma pauta conservadora relativista ou secular.

Clamens Cavallim, Johan Sundeen, Lars Eklund – 01.09.21

O conservadorismo, em suas várias formas, une os valores elevados à continuidade histórica, à organicidade e à particularidade de um povo e sua cultura. Um projeto conservador, enquanto abordagem cautelosa diante da mudança – pois compreende a resistência dramática aos projetos utópicos de transformação revolucionária –, apenas é viável enquanto se mantém vivas as tradições que conectam a geração presente aos seus antepassados.

Mas como podemos pretender implantar uma sociedade conservadora quando uma nação já está largamente “modernizada”? O que há para conservar quando um estado paternalista derrubou as instituições naturais de tal maneira que o entusiasmo pela mudança radical – em outras palavras, o progressismofoi internalizado como identidade primária das pessoas?

Em tal situação, o conservadorismo inevitavelmente se torna um projeto de restauração do que se perdeu – e de resgate do que possui um valor perene. Quais são, no entanto, os critérios para escolher quais tradições e valores devem ser restaurados quando tais tradições não possuem base na experiência vivida? O conservadorismo, em tais situações, se torna meramente uma ideologia secular dentre outras, promovendo um certo ideal de sociedade – e, nesse caso, um ideal desatualizado?

Essas são questões cada vez mais imediatas para todo o mundo ocidental à medida que se radicaliza o núcleo dos princípios da modernidade – tais como a autonomia individual, o relativismo e o secularismo. Essa radicalização é particularmente intensa na Suécia, um país caracterizado pela aliança entre o individualismo atomista, o materialismo e o Estado de Bem-Estar Social ao modo de um Leviatã. Na Suécia, socialismo e liberalismo se combinaram para produzir uma mentalidade singular que valoriza a aceleração da mudança, tanto tecnológica quanto moral, enquanto, por mais contraditório que seja, esforça-se para dar segurança a todos.

As origens da “condição sueca”

A condição sueca resultou de um desenvolvimento no qual as nascentes instituições modernas foram transformadas por dentro em mascates de ideologias radicais. Ela começou com a Reforma Protestante no século XVI, quando o poder secular transformou a Igreja Católica (transnacional) na Suécia em uma instituição nacional subserviente ao poder político. Por mais que o governo tenha introduzido a liberdade religiosa na década de 1950 e o sistema de absorção da igreja pelo Estado tenha mudado substancialmente em 2000, a Igreja Luterana da Suécia ainda é governada pelos partidos políticos através de eleições eclesiais especiais, e é regulada pela lei secular até mesmo em suas crenças, sua propriedade, sua governança e sua presença geográfica.

O Partido Social Democrata, que tem estado no poder quase ininterruptamente por noventa anos, decidiu no início do século XX não buscar a completa separação entre igreja e estado, mas secularizar e radicalizar a sociedade através da igreja. Assim como os reis protestantes antes deles, os social-democratas reconheceram a utilidade de uma igreja nacional como uma instituição para legitimar o poder político – mas não como uma testemunha de Deus e da Sua lei eterna que seja capaz de julgar a ordem presente.

A partir de 1960, o radicalismo de esquerda transformou decisivamente a Igreja da Suécia, como documentado por Johan Sundeen em seu livro The Church of 1968 (68-kyrkan: Svensk kristen vänsters möten med marxismen 1965-1989). Intelectuais protestantes procuraram fazer uma síntese entre marxismo e cristianismo. Eles apresentaram a Revolução Cultural Chinesa, a situação da Nicarágua sob os sandinistas e até mesmo a ditadura comunista na Coréia do Norte como “Reinos de Deus na terra”.

Apesar desse tipo de entusiasmo ter sumido depois de 1970, a Igreja da Suécia permanece especificamente politizada. Em um livro publicado recentemente, The Way of Reformism: On Social Democracy and the Church (Reformismens väg – om socialdemokratin och kyrkan), o social democrata Jesper Bentsson nota com certo prazer que provavelmente não há outra instituição na sociedade ocidental que fora radicalizada a tal nível como a Igreja da Suécia.

Juntamente da transformação ideológica na igreja nacional ocorrida na década de 1960, as abordagens esquerdistas conquistaram o debate cultural sueco, afetando todas as esferas da sociedade. Consequentemente, o debate público não se centra na verificação da realidade, não se discute se a ideologia socialista estava correta ou não, mas qual foi sua melhor forma e como ela pode ser implementada.

Apesar de ter havido alguma oposição ao socialismo como ideal econômico, as ideias esquerdistas logo deixaram sua marca na política do partido conservador. Em 1969, o antigo Partido Högern, a direita sueca, foi renomeado para Partido Moderado (Moderaterna). Durante esse período, deixaram de enfatizar a importância das pequenas comunidades e da identidade da nação, bem como abandonaram a defesa do papel social da Cristandade e da inviolabilidade da vida humana. As conexões remanescentes com o conservadorismo são, de acordo com o cientista político Jan Hylén, anomalias em um partido agora caracterizado pelo liberalismo e individualismo.

O maremoto do socialismo na década de 1960, liderado pela geração babyboomer, é importante para explicar o porquê de a Suécia ter sofrido por décadas com a falta de uma oposição conservadora influente e confiante. De fato, uma mudança significativa já ocorrera durante o final da Segunda Guerra Mundial. Intelectuais e políticos da vanguarda se distanciaram das visões do conservadorismo, do cristianismo e do novo humanismo, julgando-as manchadas pelo Nacional-Socialismo.

A Suécia não participou da guerra e, portanto, não teve que se submeter ao mesmo projeto de reconstrução moral e física que outros países após 1945. Este fato, junto com a ausência de uma Igreja com um papel independente na vida pública, explica parcialmente o porquê de a Cristandade e seu projeto de construção civilizacional não terem sido relevantes, como na Alemanha ocidental e na Itália, para a política de desenvolvimento no pós-guerra. Em vez disso, o Partido Social Democrata orquestrou uma rápida “modernização” da Suécia.

Ademais, após o grande reinado da Social Democracia (que começou em 1932) ser finalmente – mas apenas temporariamente – quebrado em 1976, e quando o Império Comunista Soviético se desintegrou uma década após, foi o liberalismo que saiu triunfante, não o conservadorismo ou a democracia cristã. O estado sueco próximo do socialismo se afrouxou e os monopólios estatais de televisão, rádio e serviços telefônicos, serviços postais, transporte ferroviário, farmácias e cassinos foram abolidos. Nesse sentido, a presença do liberalismo cresceu na mistura liberal-socialista, mas os princípios básicos não se alteraram.

Que a mentalidade sueca permaneceu intacta está claro na última versão (2020) da Inglehart-Welzel World Cultural Map, que é baseada na extensa World Values Survey (WVS). No mapa de valores, a Suécia ainda ocupa o canto superior direito, combinando altos níveis de racional-secularismo e valores de auto expressão. Estes se contrapõem aos valores tradicionais e permanentes que caracterizam o canto oposto da esquerda inferior, a área dos países de maioria muçulmana tais quais Egito, Iêmen e Jordânia.

No centro está uma mistura de países europeus católicos como Croácia e Hungria, juntamente com países asiáticos e sul-americanos, como Tailândia, Singapura e Chile. O ponto mais impressionante é o quão extrema a mentalidade sueca é diante de uma comparação global, que está em forte contraste com a autopercepção geral dos suecos de estarem em uma
posição ideológica razoável no meio do espectro.

Não obstante, nos últimos dez anos uma mudança de mentalidade gradualmente tomou forma na Suécia quando os altos e constantes níveis de imigração eventualmente resultaram numa crise moral nacional. O inexorável caráter da modernização, apoiando-se no declínio da religião e no enfraquecimento dos laços familiares, não podia mais ser tomado como um fato. Nessa situação, alguns, obviamente (como na França), insistiram em forçar ainda mais os valores modernos. Ironicamente, o liberalismo, desse modo, vai se tornando cada vez mais intolerante. O individualismo e a ideia moderna de liberdade são agora obrigatórios e devem ser impostos. Ao mesmo tempo, uma janela de oportunidade se abriu para atitudes e ideias conservadoras, permitindo-nos insistir nos laços culturais e históricos profundos.

Vinte anos atrás, Svante Nordin, um professor de História das Ideias, escreveu para o jornal nacional Svenska Dagbladet que, “o conservadorismo intelectual que… teve um papel proeminente no debate nos EUA e na Grã Bretanha, mas também na França e Alemanha, não possui equivalente algum na Suécia”. Até introduções frequentemente usadas em disciplinas como História das Ideias e Ciência Política trataram muito parcamente – e esnobemente – da tradição que emergiu após o ataque de Edmund Burke à Revolução Francesa.

Um redespertar na Direita

Atualmente, contudo, há sinais de que existe uma intelectualidade conservadora se levantando naquele país. Após várias décadas adormecida, há literatura de alta qualidade sendo publicada. Por exemplo, em 2020, Jakob E:son Söderbaum publicou Modern konservatism: filosofi, bärande idéer och inriktningar i Burkes efterföljd (Conservadorismo Moderno: Filosofia, Principais Ideias e Orientações em Burke), o primeiro panorama substancial deste tipo publicado na Suécia. Este é o trabalho mais minucioso em uma leva de publicações, incluindo várias antologias e coleções de ensaios apresentando as tradições conservadoras suecas e continentais.

Não obstante, sinto-me no dever de oferecer uma nota de cautela. O conservadorismo na Suécia deve ser um projeto construtivo, de modo que não seja necessário em locais onde ainda há instituições e costumes que incorporam aqueles princípios morais e humanos, naturais e transcendentes, que são pressupostos de uma abordagem conservadora. Atualmente, no entanto, um instinto de sobrevivência étnica irrefletido dá como certas – curiosamente – precisamente as tradições que não estão mais vivas.

O conservadorismo, se não é para ser uma mera defesa do “Swedish way of life” e dos “nossos valores”, precisa, como insistiu Russell Kirk, de “Coisas Permanentes”. O primeiro princípio de Kirk é crucial. Ele prescreve que “o conservador acredita que há uma ordem moral permanente. Essa ordem é feita para o homem, e o homem é feito para ela: a natureza humana é uma constante, e as verdades morais são permanentes”. O reconhecimento de uma tal “ordem moral permanente” é o núcleo principal da civilização, sujeitando toda reivindicação e ambição do poder humano ao veredito daquilo que transcende as decisões e ambições políticas, mesmo aquelas tomadas pela maioria absoluta. A alternativa é o barbarismo que dita que “quem tem o poder determina o que é o certo”, embora o diga mais elegantemente. Mas como pode existir uma ordem feita para o homem se não há um Deus para fazê-la?

O outro princípio formulado por Kirk caracteriza a natureza cautelosa da reforma conservadora: prudência, prescrição, variedade, imperfectibilidade, liberdade e propriedade, comunidade voluntária e contenção. Esses princípios são, contudo, menos úteis quando a modernização das conversas intelectuais, das instituições sociais e da vida familiar já foram minuciosa e sistematicamente destruídos. Este é o caso da Suécia, onde tal projeto de destruição alcançou um patamar que até mesmo a maioria das ditaduras comunistas europeias falharam em alcançar.

Uma razão importante para a presente condição sueca é o enfraquecimento da crença e da prática religiosa tradicionais. De acordo com a World Value Survey, apenas 10% dos suecos consideram a religião importante em suas vidas, e menos de 5% pensam que é importante que crianças aprendam sua fé religiosa em casa. De acordo com o primeiro princípio de Kirk – a ordem moral permanente – a religião é insubstituível.

A autoridade transcendente de Deus é a âncora sobrenatural da prudência conservadora. Quando as instituições religiosas e seus representantes optam por promover princípios morais sem um fundamento absoluto, mas apenas como meras convicções mutáveis de acordo com as reviravoltas e contorções da sociedade moderna – ou, como na Suécia, quando as convicções de fato assumem uma fluidez normativa – então o projeto conservador se torna uma reles preferência por mudanças que se impõem a um passo mais lento.

Por isso, se o conservadorismo deve ser mais do que apenas mais uma forma de identidade política, ele deve atender aos princípios que transcendem as particularidades culturais. Especialmente quando tais valores perenes não compõem formas de cultura desenvolvidas organicamente e precisam, em vez disso, ser restaurados ou introduzidos pela primeira vez.

Declarar, como faz Jakob E:son Söderbaum em Modern Conservatism, que os estudiosos conservadores geralmente concordam que o conservadorismo é secular e que o Cristianismo, portanto, é meramente uma dentre as várias fundações da Civilização Ocidental – ou que a moral cristã não possui mais direitos de reivindicar uma universalidade do que todas as outras religiões, tais como o hinduísmo, o islã ou o xintoísmo – é abraçar o relativismo e ignorar a questão vital da Verdade.

De acordo com tal posição, o conservadorismo deve apenas reformar respeitosamente a cultura e a civilização que for vigente e dominante em um certo local do globo. Nessa ótica, a religião, longe de ter auxiliado na manutenção de uma ordem moral perene feita para o homem, apenas ditou ordens morais diferentes feitas pelo homem.

É natural que o renascimento conservador na Suécia busque apoio da igreja sueca, já que ela significa uma ponte de continuação cultural ao longo dos séculos. Mas é importante lembrar que a reforma protestante – que foi uma revolução – nacionalizou-a, cortando assim a conexão dela com a Igreja universal e tornando-a uma ferramenta de controle político. O rompimento da igreja da Suécia com a comunidade eclesial mais ampla foi continuado pelo Partido Social Democrata durante o século XX e, eventualmente, radicalizado pelos movimentos revolucionários em 1960.

A condição da igreja nacional da Suécia sublinha nosso ponto principal: diga-se que a Suécia problematiza, de um modo único, o ideal conservador de integração e continuidade cultural. A modernização das instituições suecas – e de sua alta e baixa culturas – tem sido tão penetrante que um renascimento cultural precisará ser amplamente reconstrutor. É certamente mais fácil derrubar do que reconstruir. Em consequência disso, o conservadorismo na Suécia, por mais contraditório que isso pareça, deve focar em criar novas instituições: escolas, think-tanks, revistas e publicações. E os pensadores conservadores deverão explorar a história da Suécia em busca de inspiração, do mesmo jeito que um estudioso vasculha entre arquivos empoeirados por novos insights.

Nesse processo de “renascimento conservador”, a religião deve ter um importante papel – especialmente a herança Católica pré-reforma e a devoção das igrejas protestantes independentes. Ambas representam formas de religião desconectadas do poder político e ambas sofreram repressões até o fim do século XIX. O retorno do catolicismo à Suécia, em particular, tem o potencial de prover um componente vital de uma história maior – de resgatar o que se perdeu. Nesse contexto, a arquitetura sacra pré-reforma tem um importante papel simbólico mesmo que apenas ruínas permaneçam.

O interesse atual no conservadorismo está amplamente abastecido pelos resultados socialmente desestabilizantes da imigração em massa. Em 2020, 19,7% das pessoas vivendo na Suécia nasceram em solo estrangeiro e em alguns municípios chega a 50-60%. Isso, claro, complica a ideia de uma continuidade cultural local e realça o papel das religiões transnacionais como portadoras de normas e costumes antigos.

Por exemplo, de acordo com a enquete recente da Pew Research Center, apenas 9% dos suecos pensavam que é necessário acreditar em Deus para ser moral, enquanto no Quênia, 95% pensavam que é necessário; na Itália, 30% e na Alemanha 57%. Mais uma vez, a Suécia marca um caso extremo.

A história de um retorno e de uma redescoberta da herança perdida do catolicismo sueco está associada à chegada de um desconcertante número de identidades étnicas e linguísticas de todo o mundo. Em contraste com isso, a igreja da Suécia foi fundada sobre a base da ruptura protestante, combinada com a afirmação das mudanças modernas e de uma ideia de homogeneidade cultural sueca que está rapidamente sucumbindo. Assim, o maior potencial para uma nova dinâmica religiosa emergir – uma que se encaixe no desenvolvimento do conservadorismo sueco – está num “diálogo” entre sociedade civil formada pelas igrejas protestantes independentes e as raízes culturais mais profundas e universais da Igreja Católica.


Clemens Cavallin é professor de Religião, Filosofia da Vida e Ética.

Johan Sundeen é palestrante sênior de História das Ideias.

Lars F. Eklund possui licenciatura em Estudos Clássicos. Foi conselheiro político no Gabinete do Primeiro Ministro (1991-94) e Vice-prefeito da cidade de Gothenburg, na Suécia.

The European Conservative, todos os direitos reservados. Publicado com permissão. Link original: https://europeanconservative.com/articles/essay/to-restore-what-has-been-lost-the-case-of-sweden/

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