Por Christopher Lasch
(Continuação de: O conservadorismo contra si mesmo: “paternidade planejada”)
A cultura da classe média baixa, tanto agora como no passado, é organizada em torno da família, da igreja e da comunidade local. Valoriza a continuidade da comunidade mais do que o progresso individual, e a solidariedade mais do que a possibilidade de ascensão social.
A manutenção das formas orgânicas de vida existentes desempenha um papel mais importante na vida da classe média baixa do que os ideais convencionais de sucesso.
Os pais querem que seus filhos progridam, mas também querem que eles sejam bons seres humanos, que respeitem os mais velhos, que resistam à tentação de mentir e trapacear, que assumam de bom grado as responsabilidades que recaem sobre eles e quesuportem as adversidades com coragem.
O desejo de “preservar seu modo de vida” – como escreve E. E. LeMasters em um estudo sobre trabalhadores da construção civil – tem precedência sobre o desejo de subir na escala social. Um deles diz:
“Se meu filho quiser usar uma maldita gravata a vida toda e se curvar para algum chefe, isso é um direito dele, mas, por Deus, ele também deveria ter o direito de ganhar a vida honestamente trabalhando com as suas mãos, se é isso que ele gosta.”
Sociólogos têm observado, geralmente com um tom de desaprovação, que os simples trabalhadores parecem não ter ambição. De acordo com Lloyd Warner, as donas de casa da classe trabalhadora dão o tom dominante do conservadorismo cultural.
Elas são adeptas de um código de moralidade “rígido” e “convencional” e raramente se atrevem a “tentar algo novo”. Propostas que parecem representar “afastamentos do modo convencional de fazer as coisas” encontram sua condenação automática.
Essas donas de casa claramente têm uma “forte determinação em fazer bem suas tarefas” e obtêm “profunda satisfação em cumprir suas responsabilidades para com suas famílias e amigos”, mas não se interessam por metas de longo prazo.
“Suas esperanças estão basicamente centradas em tocar a vida [e] assumem um sentido de não querer que sua rotina atual seja perturbada – elas querem continuar como estão, mas, ao fazê-lo, melhoram suas circunstâncias e ganham mais liberdade.”
Anthony Lukas toca no mesmo ponto, sem fazer qualquer censura, no seu relato notavelmente imparcial sobre as guerras escolares de Boston de meados dos anos 70. Lukas contrasta a “ética da continuidade de Charlestown” com o “imperativo americano do progresso”.
O povo de Charlestown, exilado para os subúrbios por seus vizinhos mais ambiciosos, renunciou às pretensões que estão implícitas em palavras como “oportunidade, avanço, aventura”.
Em vez disso, preferem as boas e velhas noções de “segurança da comunidade, solidariedade e camaradagem”. Por sua vez, os membros da classe média alta que observam essa realidade não conseguem esconder o seu desprezo pelo que consideram um “fatalismo pequeno-burguês”.
Um ensaio que tenta explicar a “subutilização de serviços de assistência médica por cidadãos de colarinho azul” [isto é, operários] observa que as classes sociais na América são divididas por concepções contrastantes do corpo:
“É como se a classe de colarinho branco pensasse no corpo como uma máquina a ser preservada e mantida em perfeitas condições de funcionamento, seja por meio de próteses, reabilitação, cirurgia estética ou tratamento perpétuo, enquanto os de colarinho azul (os trabalhadores) pensam no corpo como tendo uma extensão limitada de utilidade, pois entendem que a saúde corporal pode ser usufruída na juventude, mas também que depois é natural sofrer e suportar estoicamente os efeitos da idade e da decrepitude”.
Nós poderíamos ajuizar que o realismo da classe trabalhadora deveria ser moralmente preferível à concepção da classe média alta que vê o corpo como uma máquina que requer “cuidado perpétuo”. Os autores daquele artigo, no entanto, tiram a conclusão oposta: uma aceitação estoica do declínio corporal, argumentam eles, reflete uma “autoimagem danificada”.
Uma análise dos conflitos culturais recentes reforça a conclusão, provocada pela exposição às tradições conservadoras do pensamento político e social, de que a essência do conservadorismo cultural é um certo respeito aos limites.
A visão conservadora central implica na aceitação de que a liberdade humana é limitada pelas condições naturais da vida, pelo peso da história, pela falibilidade do juízo humano e pela perversidade da vontade humana.
Os conservadores são frequentemente acusados de terem uma estima exagerada pelo passado, mas o que realmente os impressiona talvez não seja tanto a superioridade moral do passado, mas o caráter inescapável que ele possui.
O que somos é, em grande parte, um legado de acontecimentos passados – nosso gênero, nossa herança genética, nossas instituições, nossas predisposições –, inclusive a predisposição universal de se ressentir das restrições que o tempo e a natureza impõem à nossa liberdade e sonhar em aboli-las.
“a nossa liberdade… começa com o reconhecimento das restrições dentro das quais ela deve operar”
O que era chamado, em épocas passadas, de “pecado original” referia-se ao aspecto mais perturbador de nossa herança natural: nossa incapacidade natural de submissão graciosa à nossa posição subordinada no esquema mais amplo das coisas.
Porém, os conservadores foram, sem dúvida, precipitados demais ao confundirem a submissão aos limites naturais da liberdade humana com a submissão à autoridade política estabelecida.
Ora, a distribuição do poder político existente não é ordenada pela natureza, e muito menos pelo Céu. Isso tampouco significa, é claro, que as nossas instituições possam ser modificadas por um ato de vontade coletiva – ou que possamos nos tornar qualquer coisa que escolhermos, ou mesmo que possamos alterar as condições políticas de nossa existência – sem que estejamos dispostos a pagar um preço por isso.
O valor do conservadorismo está no entendimento de que aqueles que buscam escapar do passado perdem qualquer esperança de reconquistá-lo e se expõem a um retorno inesperado de forças reprimidas.
Está também no reconhecimento de que nunca poderemos superar totalmente nossas origens; e a nossa liberdade, portanto, começa com o reconhecimento das restrições dentro das quais ela deve operar.
Christopher Lasch é Professor de História na Universidade de Rochester. Ele também é autor da obra The Culture of Narcissism and The Minimal Self.
First Things, todos os direitos reservados. Traduzido e publicado com permissão. Link para o texto original: Conservatism agains Itself
Continua em: O conservadorismo contra si mesmo: capitalistas e sua vitória de Pirro