É senso comum que a família é o fundamento básico de toda sociedade e que a partir dela temos um alicerce seguro para construir nossas vidas junto daqueles que mais amamos. Também é senso comum que para abrigar uma família precisamos de uma casa, de instalações adequadas que possam nos dar algum conforto e segurança para empreendermos nossa vida no mundo.
Mais do que abrigo, as paredes de nossa casa nos oferecem as condições de preservação e florescimento de nossa intimidade, já que abrigados e acolhidos somos estimulados tanto para o desenvolvimento de nossos talentos como para a superação de nossas debilidades, o que contribui não só para a formação pessoal como para contribuição coletiva de que tanto necessita a nossa sociedade. Ainda que seja feita de tapumes, a casa tem o poder de nos trazer a sensação de propriedade e de pertencimento, um lugar para chamar de nosso e desenvolver os nossos talentos.
A conjunção destes dois conceitos fundamentais da vida pessoal realizada em sociedade – o da família e o da casa – nos permite compreender o valor de um lar como um ambiente que abriga e favorece o surgimento e o cultivo da vida privada em condições para o florescimento da vida social e política que a sociedade requer. Quanto melhores forem as condições desse cultivo familiar, mais abundantes e maduros serão os frutos colhidos pela sociedade.
Algo que me chama a atenção é a fragilidade destas mudas de araucárias plantadas em parques pela cidade. Em seu primeiro estágio de crescimento, tudo o que as sustenta é um simples recipiente de pet reaproveitado, que mais parece tolher seu crescimento do que protegê-las das intempéries. No entanto, é graças a este pequeno cuidado que a maioria destas pequenas mudas sobrevivem até se tornarem frondosas árvores, ricas tanto em recursos como em significado, especialmente para nós, paranaenses.
Assim como não podemos criar nossos filhos em estufa, também não podemos deixá-los expostos a todas as intempéries e degradações a que a rua os sujeita. Temos que protegê-los, especialmente nos seus estágios iniciais, nos quais a ação da família e do ambiente de um lar se fazem insubstituíveis. A família é algo realmente divino, porque nela somos expostos de forma controlada e progressiva, desde o nascimento, a inúmeros conflitos e desafios que favorecem a nossa formação como pessoa.
Nesta formação humana, nem a escola e nem o estado têm autoridade e competência para assumir o papel da família. O alimento que recebemos, o esforço que fazemos para andar e falar, a nossa sujeição aos hábitos saudáveis de higiene e horários, dentre outros fatores, cumprem uma função vital, que vai além de um mero processo de desenvolvimento psíquico e motor quando somos crianças, é algo que tem uma importância fundamental na nossa formação moral, social e cívica.
A formação moral estabelece uma estreita relação entre a formação da pessoa e a do cidadão, que se bem compreendida e aplicada já nos primeiros anos de vida, traz inúmeros benefícios de estabilidade e desenvolvimento para a pessoa. Todos desejamos melhores líderes para conduzir a nossa sociedade, mas como tê-los se não forem formados nos valores que defendemos? Todos esperamos que nossos gestores públicos sejam pessoas exemplares, desprendidas e confiáveis, comprometidas com o bem comum, mas qual é a nossa contribuição para que estas pessoas surjam em nosso meio?
Se quereremos líderes comprometidos com o bem da sociedade, não deveríamos, também nós, comprometer-nos com a formação de pessoas íntegras, formadas com valores cívicos e humanos desde o berço? Como aquela araucária num parque da cidade, a criação de nossos filhos exige um esmerado esforço e dedicado cultivo para que possa se desenvolver e produzir seus saborosos frutos. Como não é algo que vejamos de imediato, exige uma profunda consciência e desprendida atitude de quem o faz, algo possível apenas aos pais em sua missão educadora.
A melhor formação que podemos dar aos nossos filhos é a exigência moral, o esforço por adquirir virtudes, mas isto exige coerência, e por isso tão poucos o fazem, porque dá trabalho, exige tempo, dedicação, e sobretudo, exemplo próprio. É muito mais fácil lutar por um bom emprego, ter um bom salário e delegar a formação deles aos outros, aos especialistas. É uma visão cartesiana que segmenta as partes sem ter noção do bem ou do mal que repercute no todo.
Esta é a grande batalha que se trava na sociedade e que só pode ser vencida no âmbito da família, a batalha da formação, da visão transcendente que prioriza o ser ao ter e ao fazer. Não podemos cair na armadilha do sucesso, nem mesmo da felicidade terrena, o fim que nos deve orientar é a felicidade eterna, que pode vir acompanhada de satisfações terrenas, mas que não se encerra nelas.
A batalha da formação começa pela unidade conjugal representada por um projeto único que não anula as personalidades, mas que as realça em novas descobertas que só se revelam aos que a ela se dedicam. Não é algo que se descreve, mas que se experimenta e que se desenvolve pela prática como é próprio de todas as virtudes. Havendo um telos, um fim elevado, haverá também um compromisso que faz da doação o fundamento do amor realizado no bem do outro e na educação dos filhos.
Um grande equívoco na formação de uma família é buscar nela a própria felicidade, projetando sobre o outro aquilo que desejamos para nós. Não nos casamos para ser felizes, mas para fazer feliz a quem amamos – este é o fundamento do amor, a doação. Projetar sobre o outro uma expectativa de felicidade é além de um erro, uma carga de responsabilidade que a ninguém compete corresponder.
Como diz Gustavo Corção,
“a fragilidade do matrimônio decorre de uma desmedida exigência de felicidade, ou melhor, da aplicação dessa exigência a uma coisa que não suporta tal pressão. Há uma insolência nossa nessa impaciente cobrança de ventura, e há sobretudo um equívoco, porque pretendemos tirar da casa, do matrimônio, do amor humano, um infinito rendimento, quando é finita e sempre muito exígua a nossa própria contribuição.”
Se o cultivo do amor-próprio já é, em si, um mal, quando projetado sobre o outro, torna-se ainda mais nocivo, por fazer infelizes aos demais. Pode parecer utópico, mas escolher a pessoa com quem pretendemos passar o restante de nossos dias é uma escolha que deve ser fundamentada no amor, o que significa encontrar, tratar e formar esta pessoa a quem desejamos servir.
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Assim vivido, o amor gera recompensa, retorna a quem procede com consciência e verdadeira doação de si. Só os que conseguem superar o amor-próprio conseguem de fato amar. É preciso, no entanto, dizer, que se uma pessoa é incapaz de amar sequer a Deus – Ser perfeito e origem de todo amor – como pode amar um semelhante seu com todas as suas imperfeições? Desconectados da fonte ficamos sujeitos às intempéries tanto do mundo como das paixões interiores, vulneráveis aos humores próprios e alheios.
A constituição de um lar cristão exige fundamentos atemporais prescritos já em nossa criação, um ato a três em que o amor não se resume ao sentimento, mas transcende ao profundo compromisso de cooperação numa obra muito maior do que os nossos pobres projetos humanos podem almejar. Quanto mais elevado é o edifício, mais profundo deve ser o fundamento e, como almejamos a felicidade eterna, não podemos sustentar nossas vidas em frágeis sentimentos de bem-estar.
A construção de um lar nos permite não só conviver com alguém que nos reconhece como pessoa única, mas alguém disposto a nos ajudar num projeto único que dá significado à nossa existência e valida a nossa própria identidade enquanto pessoa humana. Ainda que sejamos capazes de cometer todos os erros, se observarmos os bons princípios que formam a família, temos a possibilidade de realizar a mais maravilhosa obra a que um ser vivo é chamado neste mundo: amar o seu semelhante assim como Deus nos ama.