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Bonum est diffusivum sui

A Opção Beneditina

R.R. Reno
First Things

Nesta semana comemora-se o dia de São Bento (11 de julho), padroeiro da Europa e figura chave para a constituição da Europa Ocidental. Resgatamos portanto uma resenha do livro Benedict Option [A opção Beneditina], de Rod Dreher, realizada pelo editor-chefe da First Things, R.R. Reno, escrita em maio de 2017, mas cujo tema continua relevante nos dias de hoje.

Existe algo de muito correto no chamado à ação de Rod Dreher em A Opção Beneditina: A Strategy for Christians in a Post-Christian Nation [A Opção Beneditina: uma Estratégia Para Cristãos no Mundo Pós-cristão, na edição brasileira]. 

Ele nos incita a questionar se não teremos “transigido demais com o mundo” e sugere caminhos para renovar a integridade das nossas comunidades religiosas. Ao mesmo tempo, há algo de errado. A Opção Beneditina é transpassado por uma retórica de crise. A terrível imagem dos nossos desafios presentes é mais passível de confundir os cristãos do que nos levar a discernir o caminho a percorrer. 

Dreher é um jornalista que alcançou a perfeição na arte de blogar. No site American Conservative, ele reúne material de um amplo espectro de fontes, citando-os livremente, enquanto entremeia comentários e observações afiadas da sua autoria. Os comentários dos leitores são integrados no seu próprio comentário num autêntico toma lá, dá cá. O resultado é algo único na internet: uma conferência contínua liderada por um professor dinâmico e engajado, que confere urgência e entusiasmo ao assunto de que fala.

Figuras de linguagem arrebatadoras e apelidos memoráveis são o forte de Dreher. No começo dos anos 2000, ele se deu conta de que jovens conservadores têm cada vez menos o perfil de americanos de classe média membros do Rotary Club. Eles não gostam de lojas de departamentos e cadeias de restaurantes. Muitos dividem com os progressistas um interesse em alface orgânica, frangos criados ao ar livre e queijo de produção local. Ele reuniu estas e outras tendências em Crunchy Cons, lançado em 2006.

Dreher estava descobrindo algo importante, e “crunchy con” entrou no léxico norte-americano, um testemunho do talento de Dreher para cunhar uma frase memorável. O mesmo vale para “Opção beneditina”, que Dreher extrai do final recorrente de After Virtue, de Alasdair MacIntyre, que prevê uma nova Idade das Trevas e nossa necessidade de “outro – sem dúvida muito diferente – São Bento.” 

É impossível acompanhar os debates sobre a Opção beneditina. Isso não apenas porque Dreher pressionou sua adoção com regularidade incansável por vários anos (tanto que James K. A. Smith caracterizou o projeto de Dreher como uma campanha contínua para promover o reconhecimento da marca – BenOp™). Todos nós sentimos que o contexto social para a fé e a prática cristã está mudando nos Estados Unidos e no Ocidente de forma mais ampla, e sabemos que precisamos decidir o que significa ser a Igreja hoje.

Dreher, entretanto, erra em seu relato sobre nossas circunstâncias. Ele faz observações astutas sobre desafios específicos, incluindo um aviso importante sobre nosso cativeiro às telas que parecemos sempre ter em mãos (sobre essa ameaça espiritual, veja Patricia Snow, “Look at Me”, maio de 2016). O problema é que ele os reúne e os enquadra como uma ameaça apocalíptica à própria sobrevivência do cristianismo. A geração millennial está abandonando o cristianismo e “se as tendências demográficas continuarem, nossas igrejas logo estarão vazias”. 

Aqueles que permanecem são deficientes de catequese e cativos de um deísmo pseudo-cristão fino como papel, no qual a virtude cardeal é ser “legal”. A revolução sexual é triunfante em toda parte. O casamento gay é a regra do país. Floristas e padeiros estão sendo perseguidos. A liberdade religiosa pode em breve ser extinta. “Perdemos em todas as frentes” e “ninguém, exceto os mais iludidos da velha escola da direita religiosa, acredita que essa revolução cultural pode voltar atrás”. Em alguns momentos, A Opção Beneditina pode ser lido como uma Breitbart com incenso.

“A  velha escola da direita religiosa” recebe tratamento duro por toda parte. É irônico, portanto, que Dreher use o padrão de engajamento público da direita religiosa. “Eu escrevi A Opção Beneditina para acordar a igreja e incentivá-la a agir para se fortalecer, enquanto ainda há tempo.” Substitua “Estados Unidos” por “Igreja”, e você terá exatamente a razão para um número qualquer de livros de conservadores religiosos e sociais das últimas décadas. Antes que seja tarde! Enquanto ainda há tempo! A estrutura retórica de A Opção Beneditina requer um desastre iminente. Assim, não é de surpreender que Dreher seja atraído pelo dilúvio como a imagem bíblica adequada para o nosso tempo. A tempestade está chegando. Não há como escapar, apenas… a Opção Beneditina.

Precisamos tomar cuidado para não exagerar nosso perigo e julgar mal nossas circunstâncias. Não “perdemos em todas as frentes”. Um compromisso com a santidade da vida aumentou gradualmente ao longo da última geração. Estudos recentes mostram que os millennials fazem menos sexo do que seus pais ou avós faziam na idade deles – um sinal, talvez, de que a revolução sexual não está se movendo com força cada vez maior. O casamento gay é um fenômeno marginal, e o transgenerismo, o último estágio do movimento LGBT, enfrenta resistência popular de forma alguma limitada a conservadores religiosos. 

O governo Obama usou ordens executivas e outras técnicas para infringir a liberdade religiosa, mas quando foi levantada a questão central sobre o total poder discricionário das comunidades religiosas em suas escolhas de liderança ministerial, a Suprema Corte se opôs unanimemente aos esforços do governo para diminuir a proteção constitucional da liberdade religiosa.

Nossos tempos são como qualquer outra época histórica entre a ascensão de Cristo ao Céu e seu retorno em glória: uma combinação complicada de tendências boas e ruins. Após a Segunda Guerra Mundial, as nações da Europa se secularizaram em um grau sem precedentes. Dados os laços estreitos dos Estados Unidos com o Velho Mundo, isso não poderia deixar de nos afetar. 

Embora a frequência à igreja não tenha diminuído em grau significativo nas últimas três gerações, nossa cultura pública tornou-se mais secular. Durante essas mesmas décadas, no entanto, o cristianismo cresceu rapidamente na África e em outras partes do mundo. Segundo alguns relatos, o cristianismo pentecostal é a força mais poderosa da América Latina, transformando as correntes mais profundas da cultura local. 

Mesmo no Ocidente secular do século XXI, a noção de uma cultura pós-cristã obscurece tanto quanto esclarece. A Roma Antiga não teria se angustiado com inúmeros migrantes se afogando no Mediterrâneo.

Dreher diz que a “cultura judaico-cristã do Ocidente” está morrendo, substituída por uma cultura terapêutica de autorrealização. Isso é correto em certo nível. Mas a instituição de vanguarda dessa nova cultura terapêutica – a universidade – está em crise, não as igrejas e as sinagogas. Tenho confiança de que as instituições religiosas, por mais limitadas ou prejudicadas que sejam no futuro, serão instituições vivas e vitais para meus netos. Eu não acredito que a universidade vá sobreviver. 

A tradição distintiva do ensino superior que surgiu na Idade Média está sendo absorvida pelas estruturas corporativas-burocráticas de nossa sociedade. Em contraste, mosteiros, movimentos missionários e igrejas de esquina não estão. 

Ok, nossas comunidades religiosas são influenciadas por essa cultura terapêutica de autorrealização, como aponta Dreher. Ela fornece o raciocínio para muitos sermões que pregam o falso evangelho da auto-aceitação. Mas não devemos estar cegos para o fato de que esse falso evangelho enfraquece muito mais as instituições seculares do que as religiosas. As pessoas ainda se juntam às igrejas. Eles pararam é de ingressar em lojas maçônicas, partidos políticos e equipes de boliche.

E depois há o “individualismo radical” que Dreher assume ser triunfante. Isso é certo, mas apenas meio-certo. O populismo que está perturbando a política em todo o Ocidente retira sua energia do nacionalismo. Como defendo em “Return of the Strong Gods”, essa poderosa tendência clama pela restauração do sagrado na vida pública. É uma rebelião contra a “modernidade líquida” que transforma tudo em matéria-prima para usarmos ao nosso bel-prazer. O surgimento do populismo não há de ser necessariamente bom para o cristianismo. Ele pode levar a uma idolatria perigosa. Mas o populismo de hoje nos lembra que as tendências das últimas décadas não continuarão para sempre. A roda da história gira.

Há muitos bons conselhos em A Opção Beneditina sobre como renovar e aprofundar a identidade cristã. Mas temo que o livro encoraje alguns de nossos debilitantes autoenganos. A modernidade comporta um conceito de que há uma “inundação” histórica mundial que transforma tudo de maneira sem precedentes, mas isso não é verdade. 

Não estamos vivendo em uma era única em que o cristianismo deve se tornar uma contracultura. O Sermão da Montanha enquadra um modo de vida que sempre foi uma contracultura. Não somos os únicos a ter necessidade de nos separar do mundo. “O mundo”, como utilizado no Novo Testamento, é um regime governado pelo pecado e pela morte, um modo de vida que pressupõe o interesse próprio como fundamental e tem como fim a morte. Ser cristão sempre significou morrer para o “mundo” nesse sentido. Ao fazê-lo, tornamo-nos uma luz para o mundo, que, neste caso, significa a ordem criada, que Deus deseja redimir.

Dreher recomenda a alegria e o amor, mas a retórica da crise os expulsa – o que é uma pena, pois são as bases confiáveis ​​para o testemunho cristão, como tenho certeza que ele sabe e deseja afirmar. Em muitos trechos de A Opção Beneditina, os conceitos teológicos e teorias históricas tornam-se instrumentos flexíveis de exortação e ferramentas para tirar os leitores de sua complacência. 

Precisamos que nos chacoalhem para nos despertar. No entanto, essa abordagem [de uma crise irreversível] pode alimentar um padrão moderno, encontrado em grande parte no cristianismo conservador dos Estados Unidos, especialmente no cristianismo protestante conservador. O domínio do intelecto é mobilizado e remodelado para enfrentar esta ou aquela crise. Não há espaço para a contemplação.

Não quero ser entendido como uma Pollyanna. As lutas de hoje são reais e assustadoras. Mas elas não são singularmente perigosas. Durante séculos, a Igreja se engalfinhou com uma cultura guerreira que inflamava desejos desordenados por honra. Às vezes ela se comprometia, muitas vezes falhava. E, depois que conseguiu cristianizar a cavalaria, a Igreja foi quase imediatamente subornada pelas dinastias que dominaram a Europa. Agora devemos combater a adoração à Mamom e a revolução sexual – também com resultados mistos, às vezes sendo levados cativos por eles, às vezes derrubando-os como ídolos falsos. 

Precisamos ser ágeis em nossos esforços para viver a fidelidade [cristã] nos Estados Unidos do século XXI. Rod Dreher nos oferece uma orientação útil. Mas quando tudo estiver dito e feito, o que nos sustentará é simplesmente a Opção Cristã.


R.R. Reno é o editor-chefe de First Things.First Things, todos os direitos reservados. Publicado com permissão. Link original: “Benedict Option”.

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