A comunicação é hoje um dos principais desafios de nossa sociedade moderna. De nada servem os melhores sistemas de tratamento de informação e o emprego das tecnologias mais avançadas se a informação desejada não chegar de maneira efetiva e confiável ao destinatário da mensagem.
Foi-se a época em que podíamos crer cegamente nos meios de comunicação de massa como instrumentos de informação, e podíamos, a partir deles, tirar nossas conclusões e consequentes decisões. O mais trágico é que estes grandes meios de comunicação não só têm o poder de informar como também a capacidade de influenciar na formação das pessoas, e se a este poder não corresponde a responsabilidade e o compromisso com a verdade, o estrago é grande.
Evidente que esta responsabilidade não pode ser atribuída somente aos meios que informam. Na verdade, a primeira e maior responsabilidade cabe aos que a recebem, especialmente se têm aos seus cuidados pessoas que deles dependem, como é o caso dos pais de família, educadores e gestores públicos.
Etimologicamente, a palavra comunicação origina-se do latim “communicare”, que significa tornar comum, ligar, unir, dividir algo com alguém, etc. Se a base da comunicação é a transferência de informação e o conhecimento entre as partes, como podemos progredir num processo que não tenha por base a verdade? Sem a confiança no emissor, não há como o receptor apropriar-se da mensagem de forma pronta, pois ficará sempre a dúvida da veracidade do objeto e da intenção daquele que a transmite.
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Talvez não tenhamos consciência, mas todos os dias nós exercitamos a nossa confiança nos outros: atravessamos as ruas de nossa cidade como pedestres, certos de que os carros em sentido contrário irão parar ao sinal vermelho para nos deixar passar, ou de que a comida que nos servem no restaurante não estará contaminada. Se não houvesse confiança na pessoa do outro que nos serve ou que apenas cruza o nosso caminho, nada faríamos. Como podemos então realizar operações muito mais complexas e delicadas se não confiarmos naquilo que os veículos de comunicação ou qualquer outro interlocutor nos transmite?
Sendo a comunicação um elemento chave de nossa cultura e mesmo de nossa natureza humana, uma vez que o homem só se reconhece na medida em que se informa e se educa, a falta de confiança não só destrói os relacionamentos como restringe o próprio processo vital de desenvolvimento humano. Se a confiança é a base segura de todo relacionamento, o desenvolvimento pessoal, assim como o de toda sociedade, é função direta da verdade que é transmitida e apreendida pelos interlocutores.
Todos estamos obrigados a formar bem a nossa consciência a partir do esclarecimento e apropriação da verdade, mas sem a confiança no outro e naquilo que ele transmite, este caminho torna-se não apenas mais inseguro como pode ser desastroso e frustrante, pois muito pior do que uma vida solitária é uma vida baseada na mútua desconfiança. É a confirmação do velho ditado: “antes só, do que mal acompanhado”, e parece ser esta a opção de muitos que, hoje, estão desiludidos com a normalização da falsidade e evitam o convívio tão essencial para o desenvolvimento da pessoa.
Hoje nem mesmo a lei nos dá garantias do agir bem, isto por falta do que a filósofa Jutta Burgraff chama de “epiqueia” (equidade), uma antiga virtude relacionada com a prudência que significa interpretar a lei segundo o espírito do legislador e não segundo a letra morta. Foi o princípio utilizado por São Pedro quando, diante do Sinédrio, afirmou ser o seu dever obedecer a Deus antes que aos homens. A obediência à verdade é a obediência à Boa Nova, ao espírito que vivifica e que nos faz compreender o verdadeiro sentido da lei.
Mesmo nas relações de serviço, o compromisso da comunicação com a verdade é fundamental. Por se tratar de uma relação humana em que o despertar do interesse entre as partes se faz essencial, não se pode desprezar a condição ativa em que concorrem todos os âmbitos do ser, desde o biológico e afetivo, até o racional e espiritual.
A comunicação é, conforme o entendimento do professor Nicola Abbagnano,
“este caráter específico das relações humanas que são ou podem ser relações de participação recíproca ou de compreensão, tornando-se assim um sinônimo de coexistência ou de vida com os outros”.
Para ser eficaz, a comunicação deve ocorrer num ambiente de sintonia, ou seja, num ambiente de baixa resistência ou de mínimo ruído entre os principais agentes de interesse na mensagem. O interesse entre as partes é o primeiro e mais importante fator, mas não o único para que o processo seja eficaz.
Outros elementos poderão influenciar positivamente ou negativamente o processo, tais como: capacidade intelectual, nível cultural, condição física, condição ambiental, complexidade da informação, confiança entre as partes, habilidade do emissor, atenção do receptor, entre outros. Didaticamente poderíamos agrupar estes fatores em três grandes grupos: interesse dos agentes, capacidade das partes e condições do processo.
O interesse dos agentes é, sem dúvida, o principal fator de eficácia, pois a comunicação é um ato positivo de interação que exige estímulo e motivação. Se o interesse pessoal não for comum entre as partes, todo o processo fica prejudicado.
A comunicação configura-se assim numa atitude de abertura ao outro, de disponibilidade generosa para compartilhar, dar e receber. De nada servirão as condições propícias se não houver uma disposição positiva neste processo de troca.
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Sem o interesse comum, ou pelo menos o respeito ao outro, o agir é solitário, e nas atividades de repercussão pública o resultado é desastroso. A atitude descomprometida com o diálogo deprecia a qualidade das informações, o que, além do prejuízo específico, gera um quadro de resistência cultural.
A comunicação é quem dá vida à informação, ela é o ato consciente que gera os resultados pretendidos. Por se revestir de intenções, forma e motiva, até mesmo porque a informação nunca é neutra, conforme observa o professor Ricardo Yeppes:
“Informar é emitir mensagens que descrevem e analisam realidades naturais, artificiais e humanas. Porém tem uma característica importante: nunca é neutra, pois está feita com critérios prévios de seleção e valoração de fatos e dados que foram relevantes para o informador”.
Ainda segundo o professor Yeppes,
“comunicar é algo mais que informar, é dialogar, dar uma informação a alguém que responde, implicar-se em um intercâmbio de saberes. Se a comunicação não tem em conta o destinatário, não existe comunicação: a verdadeira comunicação é percorrer o caminho para o outro”.
Além do interesse entre os agentes, também deve ser considerada a capacidade das partes e as condições do processo. Assim como entre o agir e o pensar há uma distância considerável, também entre o que se deseja comunicar e o que é captado pode haver uma grande diferença.
A apreensão da realidade não é tarefa fácil, não se faz de repente, e muito mais difícil é saber transmiti-la, por isso aquele que comunica deve ajudar ao que recebe, colocando-se no lugar dele para melhorar sua capacidade de compreensão. Mais do que um processo, a comunicação é, portanto, uma relação humana, um bem que se realiza entre sujeitos.
Numa sociedade onde a capacidade das pessoas e os interesses são diversos, é função daqueles que defendem o bem comum equalizar estas capacidades sem formatar as pessoas, pois num mundo onde a inovação e a criatividade são valores raros, qualquer possibilidade de reducionismo pode implicar em perda tanto para a pessoa como para a sociedade. Sem limitar o sujeito, devemos delimitar o objeto.
É o que propõe o guru da administração Stephen Covey:
“Nenhuma habilidade de comunicação é mais indispensável a um gestor do que a capacidade de emoldurar um problema. A forma como alguém emoldura um problema influencia como as outras pessoas o percebem e destaca aspectos determinados; emoldurar é a essência de fazer com que se comunique algo a alguém”.
Faz parte desta emolduração saber o que de fato importa, qual é o “único necessário” pelo qual vale a pena lutar nesta vida, pois se não sabemos o que tem valor perene, entulhamos nosso coração de informações inúteis e até maldosas, corroendo nossa alma com o ácido da frivolidade, quando não da falsidade.
Talvez o primeiro interlocutor que precisamos tratar com veracidade e coragem é o nosso próprio eu, estabelecendo um diálogo verdadeiro com o nosso ser interior, reconhecendo nossos defeitos e talentos, criando uma abertura à nossa intimidade em que só a verdade importa. Esta abertura ao ser interior nos permitirá reconhecer quem somos, e o que de fato queremos, libertando-nos da ditadura da aprovação social ou da massificação dos costumes que rebaixam a pessoa a um mero elemento indistinguível nessa massa.
Talvez o grande equívoco da comunicação de massa seja justamente o fato dela se prestar às massas, não como prestação de um serviço, mas fazendo uso das pessoas para formar uma massa que, quanto mais informe, mais dócil pela sua inconsciência. Se queremos melhorar a comunicação e resgatar seu fundamento de verdade, comecemos por resgatar a verdade de cada ser, olhando para o nosso interior para revelar aquilo que de mais verdadeiro há em nós.