Bernardo Lins Brandão
Se o homem é um animal metafísico, sua experiência do ser não lhe está dada, no entanto, logo de início. Ela deve ser conquistada a partir de um longo caminho no qual nos abrimos para as diversas realidades com as quais nos deparamos ao longo da vida.
Gostaria aqui de apresentar uma breve sistematização desse caminho, a ser melhor desenvolvida posteriormente, que é fruto de minhas leituras de textos da tradição platônica em diálogo com obras de filósofos continentais da primeira metade do século XX que, com maior ou menor propriedade, foram entendidos a partir do movimento existencialista: Heidegger, Sartre, Gabriel Marcel, Martin Buber, Simone Weil.
Eis suas linhas gerais: estamos desde sempre implicados no ser que, desde o despertar de nossa consciência, a nós se revela; mas, pela própria estrutura de nosso intelecto, somos convidados a nos aprofundarmos nele, o que só podemos fazer de maneira gradual.
O ser, a princípio, nos aparece como o inexorável, como aquilo que se impõe e que devemos, por cega obediência, seguir. É aqui que me aproprio de algumas considerações de Heidegger a respeito do inautêntico e do impessoal, pensando-as como descrições parciais de um momento de nosso caminho metafísico, pelo qual devemos necessariamente passar, mas que devemos também superar.
É quando passamos a nos perceber como um foco de ação, é na anamórphosis (a conformação existencial, noção que adapto, para meus propósitos, de Jean-Luc Marion) que alcançamos quando nos deparamos com a nossa liberdade (tematizada, por exemplo, por Sarte em O existencialismo é um humanismo), que nosso encontro com o ser chega a uma nova fase, que chamo de descoberta do eu. Nela, o ser não é mais o inexorável; ele se manifesta a nós, duplamente, como possibilidade e atrito.
Mas o humano que se esgota no eu é um ser incompleto. Seguindo as reflexões de Martin Buber, penso que é apenas na relação com um Tu que nos tornamos verdadeiramente pessoa. Um terceiro momento de nosso itinerário, assim, é a descoberta do outro. É aqui que podemos propriamente falar em phrónesis, sabedoria prática, e que a eudaimonía, entendida por Aristóteles como a vida virtuosa em comunidade, pode ser alcançada; o humano é, afinal, um ser em doação.
A jornada, no entanto, continua: para além do eu e do outro, está a imensidão do real. A manifestação da plenitude do ser só é possível quando o entendemos para além do humano, quando o captamos como o que nos abarca e transcende, mas também nos acolhe, isto é, quando nos sentimos parte do cosmos — anamórphosis cada vez mais urgente, com a crescente crise ecológica. Nesta etapa, para além da phrónesis, nos aproximamos do que os antigos entendiam por sophía — a sabedoria almejada pelo philósophos.
Mas, como entendiam os antigos platônicos, tampouco o cosmos, enquanto universo corpóreo, é a realidade final. O mundo que captamos pelos sentidos é estruturado pela ordem inteligível, da qual é um espelho. É quando transcendemos o cosmos e captamos, com o noús, essa ordem superior que alcançamos plenamente a sophía, tal como a entendia Platão, mas também Aristóteles, como ele dá a entender em seu primeiro livro da Metafísica.
Uma sabedoria que tampouco é a palavra final, como indicou Platão, com sua ideia do Bem, e Plotino, ao falar do Um que não pode ser nomeado. Segundo os platônicos, ao contemplar a totalidade do ser, nos tornamos capazes de ascender, subitamente, ao seu princípio, para além de todo o discurso; o Absoluto pode ser contemplado, indiretamente, pelo filósofo, no espelho do mundo, mas também diretamente, pelo místico, em uma união contemplativa a abolir sujeito e objeto, e pelo santo, que pela graça experimenta a própria vida interior de Deus, a Trindade.
Em suma, o itinerário do humano em busca do ser tem seu fim quando o próprio ser é também superado.
E éros? É o protagonista da história, o daímon que nos conduz na jornada, desejo infinito que atormenta o humano e nos impele à superação.
É ele, enquanto amor sui, que nos leva à descoberta do eu e que em seguida, em frente à face do outro, nos faz superá-lo. É ele também que, diante do céu estrelado nos faz perceber que o outro que amamos não é nossa plena satisfação, mas (como dizia Tolkien) um companheiro de naufrágio, e que o lar ao qual almejamos e do qual somos nostálgicos é o próprio ser.
É éros, nostalgia infinita, que nos leva, sucessivamente, ao eu, ao outro e ao cosmos, e que, no decorrer da jornada, transmuta-se em ágape, transbordar de uma plenitude, que aqueles que o experimentam identificaram como a verdadeira alegria.
Publicado originalmente em O caminho do ser: entre o eu, o outro e o cosmos. Reproduzido aqui com a permissão e cortesia do autor.