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Bonum est diffusivum sui

(EDC) O que podemos aprender com as reformas educacionais pelo mundo

O que podemos aprender com as reformas educacionais pelo mundo?

É comum imaginar a política como um embate entre as ideologias de esquerda e de direita. Dentro desse embate, a educação é tida como uma arena de combate pela mente da nova geração e, consequentemente, pela realização de sua ideologia. Em 1894, Dewey fundou sua primeira “escola laboratório”, baseando-se na educação como vivência democrática, Mussolini realizou uma reforma educacional em 1929 para a criação de um povo único sob a sua ideia de pátria, Mao Tsé-Tung realizou em 1966 sua revolução cultural para a eliminação da visão imperialista na China. Todas essas foram transformações educacionais que impactaram o mundo inteiro. 

Para uma política do bem comum, não se deve agir a partir da propaganda ideológica. Essa propaganda não auxilia a aquisição do conhecimento pelo aluno, muito menos a transformação da sociedade com meta ao bem comum. É preciso, portanto, analisar a fundo as transformações educacionais com visões de esquerda e direita, a fim de retirar delas lições que podem ser inseridas ou rechaçadas em uma política educacional coerente com a natureza humana.

Campanha de Alfabetização em Cuba

Na conferência da ONU em 1960, Fidel Castro disse ao mundo que Cuba eliminaria o analfabetismo em seu país. Para tanto, em 1961, foi lançada uma grande campanha de alfabetização que contou com 200 mil voluntários no total. O processo se iniciou com uma convocação feita pelo próprio ditador para que o povo assumisse a missão de ir aos que precisavam e os integrassem na nova sociedade socialista de Cuba. Kozol (1978) realizou entrevistas com pessoas que participaram dessa campanha e, segundo ele, as pessoas aderiram à campanha motivados mais pela esperança de uma sociedade igualitária e unida sob o líder carismático Fidel Castro do que pelo medo de represálias.

O programa seguiu em etapas elaboradas primeiramente pelos conselheiros educacionais de Fidel. Os que se voluntariaram receberam treinamento de até 10 dias na Playa Varadero e muitos ainda eram jovens. Kozol (1978) afirma que a pessoa mais nova que se voluntariou possuía 8 anos, a maioria estava entre 15 e 19 anos, mas a equipe contava também com pessoas mais velhas, sendo que a pessoa mais velha possuía 60 anos.

O clima dos voluntários era de preparação para a guerra, portanto as equipes de trabalho foram denominadas como Brigadistas. O clima militar estava presente no treinamento e prosseguiu durante a missão. Para os participantes, a sensação era de missão pois estavam saindo de sua zona de conforto, em direção a uma tarefa que não dominavam necessariamente, mas que o faziam em prol de um bem maior.

Muitos brigadistas foram para as cidades, mas o programa contou com brigadistas que chegaram às zonas rurais de Cuba, muitas delas zonas montanhosas e de mata fechada. O relato foi de que as rações distribuídas muitas vezes eram insuficientes e as instalações precárias, tendo em vista que os brigadistas se hospedavam na casa da família que era educada ou em tendas do exército. O conjunto para a alfabetização continha um manual de uso das apostilas que contavam com orientações como “pergunte ao educando o que ele pensa das imagens e dos textos” e orienta que o brigadista mantenha um diário. O conjunto continha também dois livros chamados Alfabeticemos e Venceremos, que eram próprios para a alfabetização, com o ensino pelo método silábico e com uma forte carga ideológica relatando os ideais da revolução cubana. Os principais temas eram a exaltação a Fidel, a questão fundiária, o imperialismo e a revolução como práxis social.

Destaca-se que a população cubana não era doutrinada no marxismo, mas o engajamento dos voluntários e a campanha de alfabetização realizou uma profunda mudança doutrinal e mental na população. O sentimento de retomada da nação pela população contra o imperialismo desembocou na adesão dos princípios e valores marxistas e revolucionários de Fidel e Che Guevara. Junto ao ensino da leitura e da escrita e da doutrina marxista vieram também algum apoio material do governo. Financiado, à época, pela URSS, Cuba levou o exército para construir pontes e abrigos nas regiões mais precárias e levou as rações para suplementar a alimentação dessa população no período da alfabetização.

No entanto, toda essa mobilização inicial não deu o resultado esperado. Apenas 119 mil dos 500 mil alunos foram considerados alfabetizados na primeira campanha. Isso levou o governo a reorientar a campanha para uma maior assistência aos professores. Segundo Beidlid (2007), Fidel dizia que o “professor é a alma da educação”. Sendo assim, a campanha seguiu com introdução de professores especialistas que visitavam as áreas mais necessitadas de melhorias e que aprimoraram a atividade pedagógica da região. Ademais, os brigadistas se reuniam mensalmente para dividir experiências e arranjar soluções às dificuldades.

Em novembro de 1961 a primeira cidade hasteou a bandeira de “Território livre do analfabetismo” e em dezembro o governo cubano hasteou a mesma bandeira. Segundo Lorenzetto e Neys  (1965), a taxa real de analfabetismo ficou em 4%, o que denota uma melhora impressionante na alfabetização em massa. De fato, Gasperini (2000) considera um programa exitoso tendo em vista o baixo custo financeiro da campanha e os bons resultados alcançados, sugerindo que a educação de qualidade pode não estar correlacionada com o maior gasto em educação. Beidlid (2007) cita James Wolfem, ex-presidente do Banco Mundial, ao dar o reconhecimento do avanço cubano na educação.

Cuba estruturou seu sistema de educação em cima dessa campanha de alfabetização. Ao longos do anos, o sistema se desenvolveu com turmas de até 25 alunos, fornecimento de alimentação e esporte aos alunos, formação continuada do professor por 6 anos e manutenção de um ideal humanista, por mais que seja revolucionário.

Os resultados estão expressos em UNESCO (2001) em que mostra Cuba com pontuações bem elevadas em comparação com os demais países latino americanos, tanto em leitura quanto em matemática. Gasperini (2000) complementa a análise ao qualificar a participação da comunidade, pais e associações locais, como importantes no desenvolvimento das escolas e na tomada de decisão das mesmas.

Porém, o sistema educacional cubano não pode ser considerado isento de defeitos. Quanto ao ensino básico, parece, sim, haver uma qualidade na formação de uma pessoa que saiba ler, escrever e realizar operações matemáticas. No entanto, é preciso lembrar que os valores que unificam a sociedade, nesse caso, são valores socialistas que ferem a natureza humana. Ademais, em 2000, a média salarial dos professores era de US$ 20 por mês, abaixo da linha de pobreza e que os alunos não possuíam habilidades técnicas atualizadas com o mercado e a produtividade globais, o que os impede de competir no mercado internacional. 

Tal realidade se evidenciou com o fim da URSS, financiadora do regime cubano, quando houve uma crise financeira que forçou uma flexibilização das regras de turismo no país. Muitos professores migraram para tarefas ligadas ao turismo e a manutenção dos 25 alunos por turma passou a ficar inconsistente. O governo se voltou para o problema aumentando o salário para US$ 30 por mês e inserindo televisores nas salas de aula. No entanto, essa mudança não foi o suficiente para trazer de volta uma grande quantidade de professores.

Pode-se considerar que o custo baixo da educação em Cuba era fruto da presença de certo princípio de solidariedade e unidade entre o povo. A solidariedade se refletia no desejo pela igualdade e no senso de missão existente no povo cubano e a unidade se dava sob a figura de Fidel Castro. À medida que as novas gerações se sobrepuseram às anteriores, o caráter solidário era contrastado com a ausência de melhoria de vida e a unidade sob Fidel Castro ficou contestada pela perda do fervor revolucionário.

De fato, a ideologia revolucionária e socialista é um impasse ao bem comum, pois sua visão de um novo homem socialista subjuga a natureza do homem. O ideal revolucionário é de uma sociedade igualitária e sem classes, mas que se concretiza na existência de um Estado autoritário que restringe os ímpetos naturais do ser humano quanto à satisfação material e imaterial. Toda busca pessoal e familiar que não compactue com o novo homem socialista é sufocada e punida e, além disso, a educação revolucionária fere os direitos naturais das crianças por condicionar seus valores à ideologia socialista.

No entanto, a parte que não é ideológica foi bem executada em Cuba. Isto é, a alfabetização e o ensino da matemática foram bem realizados (UNESCO, 2001). A que se deve esse ponto positivo? Especialmente ao foco dado ao professor como principal ator do ensino. Em primeiro lugar, o professor recebia uma formação continuada de 6 anos e as turmas eram limitadas a 25 alunos (Uçar, 2022). Essa realidade possibilita que o professor adquira os conhecimentos necessários para lidar com as dificuldades de sala de aula e que ele tenha capacidade de dar atenção aos alunos que apresentarem maior dificuldade de aprendizagem. Em segundo lugar, os professores, suas uniões laborais, associações e os pais dos alunos possuíam influência na gestão pedagógica e administrativa da escola. Apesar de isso ser utilizado em uma educação ideológica, no âmbito da gestão escolar, torna-se um ponto positivo.

Em terceiro lugar, os professores eram exaltados pela propaganda governamental como exemplos de cidadãos e os mesmos professores eram reconhecidos entre os pais e os alunos. Acrescente-se a isso a intenção de formar um tipo de homem com valores definidos, o que coloca o professor como autoridade e exemplo para os alunos e não como meros prestadores de serviço.

Assim sendo, vários dos elementos que causaram um grau de educação adequado aos alunos cubanos são justamente aqueles esperados de um sistema educacional que visa o Bem Comum. Eles são (1) uma condição material básica ao aluno, (2) a liberdade didática do professor, (3) uma formação constante do professor aliada à valorização do mesmo, (4) uma gestão descentralizada e com participação dos pais e (5) uma preocupação pelo desenvolvimento do homem para além das exigências de mercado.

Contudo, os elementos que impedem a realização do bem comum em Cuba são, não tanto formais, mas materiais, isto é, o conteúdo ideológico que é ensinado e pobreza material da sociedade. (1) A educação marxista é sumamente contrária ao bem comum pois dissemina o ódio entre as classes indo contra a amizade mais elevada, a amizade pela virtude. (2) A opressão estatal quanto à atuação pública é contra o bem comum pois gera cidadãos pusilânimes, sem fortaleza. (3) A falta de recursos materiais é um impedimento à justiça e à realização das aspirações mais elevadas do ser humano.

Programa No Child Left Behind

Para se entender o No Child Left Behind Act é preciso uma breve introdução sobre o sistema americano anterior a ele e as teorias educacionais que perpassam a mentalidade política americana. Em 1996, a OCDE elaborou um documento chamado “The Knowledge-Based Economy” em que orienta os países a focarem na economia baseada no conhecimento. Em seguida, em 1999, a OCDE lançou o projeto PISA, uma avaliação para medir o conhecimento em leitura, matemática e ciências entre os países.

Em 2000, a primeira avaliação do PISA foi realizada. Nessa avaliação, o desempenho educacional dos EUA foi próximo à média ou abaixo da média da OCDE nos quesitos de leitura, matemática e ciências. No entanto, os EUA eram um dos países que mais gastavam com educação por aluno entre os mesmos países da OCDE. Logo, houve uma comoção governamental para propor um grande pacto pela educação. Em 2001, Democratas e Republicanos se uniram para passar rapidamente o No Child Left Behind Act que realizava uma profunda mudança no sistema educacional americano.

A própria palavra sistema educacional americano é imperfeita pois, segundo a constituição, o governo federal não possui direito de interferir no projeto educacional dos estados. Na época da reforma, cada estado possuía uma meta própria, um plano próprio e um meio de avaliação próprio. Esse foi, inclusive, um dos motivos identificados pelo governo federal para que o resultado fosse desapontador. Na avaliação do PISA 2000, os EUA estava na média da OCDE, ou abaixo dela, e com uma das maiores diferenças de pontuação entre escolas e entre alunos. Isto é, o desempenho dos alunos nos testes eram desiguais e muito disso, segundo a avaliação do governo federal, se resumia ao relaxamento das metas e avaliações estaduais e à desigualdade social.

Após feito esse diagnóstico, foi utilizado a estratégia própria da OCDE de uma padronização das avaliações para todos os estados e um consequente mecanismo de punições e premiações a partir dos resultados. Cada escola receberia um benchmark que deveria almejar e seria determinado um progresso anual adequado para cada escola e estado, denominado Adequate Yearly Progress (AYP) (Simpson, LaCava e Graner, 2004). As punições e premiações serviriam como incentivos às escolas para contornar o problema do relaxamento das metas.

Ademais, foi adotado o mecanismo de mercado, a competição, para a equalização dos valores gastos por aluno e para a elevação do nível de ensino (Orfield, 2004). Segundo o princípio da competição, as escolas competiriam pelos prêmios discricionários do governo e pela matrícula dos alunos com base no desempenho realizado e com base no AYP. Desse modo, a eficiência na relação resultado/custo daria os resultados desejados pelo governo de aumento da média e redução das desigualdades.

O sistema que seguiu ao NCLB continha um padrão de avaliações de onde se retiraria o AYP e os relatórios de cada escola e estados. A partir das avaliações, são distribuídos os prêmios discricionários do governo federal para as escolas que se destacaram e se as punições às escolas que não corresponderam à evolução desejada; uma das punições possíveis era a tomada da escola pelo governo (Simpson, LaCava e Graner, 2004). Corroborando a ideia de um sistema de competição, foi possível a inserção de vouchers de pais com filhos em escolas públicas para serem usados em escolas privadas de maior desempenho (Orfield, 2004).

Os professores receberam o apoio do What Works Clearinghouse (WWC) que era uma instituição de validação de métodos científicos de educação. A ideia era que os professores recebessem relatórios de métodos cientificamente testados por essa entidade e que esses métodos fossem adotados pelos professores.

Os resultados, no entanto, não foram animadores. O resultado dos EUA no PISA continuou mediano e até mesmo decaiu, como no caso da pontuação em matemática que caiu 20 pontos entre 2000-2015. 

AnoLeituraMatemáticaCiências
2000502490500
2003495483491
2006474489
2009500487502
2012498481497
2015497470496
Fonte: Dados Roraima e PISA Dashboard

Ademais, os estados consideraram uma afronta sobre o sistema federativo dos EUA, 38 estados conduziram, no mínimo, uma lei ou resolução ao Congresso Americano contestando as metas, o conteúdo ou a própria intervenção do governo federal sobre o sistema educacional dos estados e 12 deles impuseram limites às ações do programa NCLB (Simpson, LaCava e Graner, 2004).

Os motivos para o insucesso da reforma são sobreposição de metas estaduais e federais, peso financeiro sobre os estados, padrões muito elevados e desacordo entre os formuladores dos programas e operacionalizadores, diretores e professores (Linn, Baker e Betebenner, 2002; Simpson, LaCava e Graner, 2004; Orfield, 2004). A sobreposição ocorreu porque o governo federal decidiu centralizar as avaliações e, portanto, passou-se a ser a meta das escolas, em vistas de evitar punições, mas as metas estaduais também estavam válidas. O peso financeiro sobre os estados ocorreu porque, apesar de o governo federal garantir os testes e o WWC, a melhoria das escolas estava a cargo dos governos estaduais e os auxílios federais prometidos para realizar essa melhora não se concretizaram; para piorar, foi necessário que os estados restringissem os gastos. Quanto aos padrões elevados, considera-se que o governo federal, desejoso de rápidas mudanças, superestimou os efeitos da competição sobre as escolas.

O último motivo aqui levantado é, talvez, o mais decisivo. Os professores e os diretores foram vistos, dentro da ótica de mercado, como técnicos que manuseiam instrumentos plenamente cambiáveis. No entanto, a preparação dos professores se dá ao longo de anos, por métodos específicos e costumes consolidados. Ademais, as diferenças entre os estados são tantas que a padronização dos conteúdos e dos objetivos tornaram os professores ainda mais sobrecarregados (Walker, 2017; Simpson, LaCava e Graner, 2004). Walker (2017) revela como efeito da pressão por melhores resultados ao descrever os ambientes tensos em sala de aula e a cultura de burnout dos professores americanos.

Com todos esses reveses, o projeto foi substituído pelo programa Every Student Succeed Act (ESSA) na administração Obama em 2015. Ele altera muitos dos dispositivos de premiação e punição existentes no NCLB. No entanto, durante a implementação do NCLB, houve a campanha, da qual fazia parte Bill Gates e outras pessoas importantes dos EUA, pela implementação de um padrão único curricular. 

O Common Core, como foi chamado, foi promovido a partir de 2010 como forma de unificar os currículos e contou com a adesão de alguns estados inicialmente. No entanto, diante do rechaço por alguns estados dessa padronização curricular, a iniciativa foi promovida pelo primeiro governo Obama para que fosse aceita como o padrão curricular nacional. Por algum motivo, o próprio governo Obama, já no segundo mandato, editou no ESSA que era proibido que a secretaria de educação realizasse pressões nos estados para que eles adotassem o Common Core.

De qualquer forma, percebe-se que a adoção do modelo baseado em padrões e testes possui um apelo centralizador. Esse é um problema quando se trata de educação para o Bem Comum, pois a educação deve servir às famílias e partir delas, o que se torna impossível com um padrão curricular nacional.

Em suma, os elementos que contribuem para o Bem Comum nessa reforma americana são os de (1) intenção de diminuir a diferença no conhecimento entre as classes sociais e (2) a parcial unidade política que produziu a política. Os elementos contrários ao Bem Comum são (1) a elaboração da política pública no sentido top-down, (2) a quebra da subsidiariedade ao se sobrepor os estados, (3) a visão de um professor como agente econômico movido pela racionalidade, (4) a exigência sobre os professores sem a devida capacitação e apoio, (5) falta de recursos para adequação escolar e (6) redução das liberdades escolares com a imposição de currículos padronizados.

Reforma Finlandesa

Em contraposição à incapacidade de melhoria da educação norte-americana no No Child Left Behind, a reforma finlandesa que percorreu as décadas de 80 e 90 obteve um resultado surpreendente. No PISA de 2000, a educação finlandesa ficou em primeiro lugar em literatura e ciências e em segundo em matemática. Tal resultado foi surpreendente até mesmo para os formuladores de políticas públicas finlandeses tendo em vista que na Finlândia os testes não são padronizados e nem servem para ranquear os alunos (Berry e Sahlberg, 2006)

Para chegar em tal resultado, o governo finlandês precisou partir do reconhecimento das características de sua nação para propor uma reforma nacional. A situação da nação era de uma sociedade culturalmente conservadora em 1970, mas que passou por um processo de centralização e instituição de garantias sociais do welfare state. No entanto, sua economia ainda era basicamente de extração de madeira, indústria de metais pesados e agricultura.

Na década de 80, houve a promoção dos princípios liberais na gestão pública, o que perdurou na década de 90. Essa nova visão de mundo alterou as propostas educacionais mas, diferentemente do movimento ocorrido nos EUA, na Finlândia a ideologia de uma educação baseada na competição não obteve espaço. Pelo contrário, o mote da reforma educacional finlandesa foi de suporte aos alunos de pior desenvolvimento, garantia financeira para as escolas e liberdade do professor e do diretor nas escolas.

A reforma começou em 1978 com a introdução da obrigatoriedade de formação dos professores com título de mestre. Muito mais do que o mero título, o objetivo foi formar professores com a capacidade de identificar os problemas dos alunos e se adaptar à situação de cada sala de aula, além de corrigir a rota do ensino quando necessário. Ademais, foi inserida a formação específica de cuidados especiais para os alunos que apresentassem uma dificuldade maior no ensino. Tudo isso foi importante para que se propusessem as reformas que vieram a seguir.

Durante a década de 80, a administração escolar foi descentralizada e a produção dos testes começou a ser criada pela própria escola ou município. O governo apenas fiscalizava a efetiva aplicação dos testes. Justamente por isso, o currículo finlandês foi flexibilizado a fim de que cada professor pudesse ensinar de modo mais efetivo e próximo dos alunos, além de julgar por si o momento correto de abordar determinados temas. Portanto, o governo finlandês não sentia a necessidade de testar os jovens nacionalmente, mas de formar cada vez melhor os professores para julgar o desenvolvimento dos alunos.

Essa mistura de professores responsáveis e bem treinados com maior liberdade escolar possibilitou o desenvolvimento de uma cultura de confiança entre os pais e a escola (Sahlberg, 2010). Evidentemente, houve durante o processo a constante revisão das decisões tomadas, mas com a participação dos próprios professores por meio de sua união institucional. Com isso, o Estado reconheceu a capacidade dos professores, os professores assumiram um senso de missão e os pais confiaram seus filhos aos mesmos professores (Sahlberg, 2010).

Porém, o modelo finlandês não se aplica ao caso brasileiro sem adaptações. A cultura finlandesa, desde antes da reforma, valoriza a leitura e sua literatura nacional (Sahlberg, 2010), a densidade populacional é baixa e o capital social é alto, isto é, as famílias na média possuem uma condição adequada para a vida familiar e as interações sociais e políticas são estáveis. No Brasil, os pontos destacados acima são muito heterogêneos a depender da região; em alguns locais estão mais ou menos presentes na organização social. O paradoxo é que muitas das transformações das más condições sociais brasileiras ocorrerão apenas  a partir de uma melhora do sistema educacional. 

Como iniciar o movimento de transformação política brasileira pela educação?

O exemplo finlandês dá algumas respostas. Ele segue alguns princípios claros e o primeiro é a dignidade humana. Cada aluno é considerado um aluno per se, isto é, cada um possui o direito de progredir física, afetiva e intelectualmente. Esse princípio é basilar ao desenvolvimento de uma sociedade saudável, portanto, à realização desse fim, soma-se outros princípios.

O princípio da subsidiariedade fica evidente na reforma finlandesa. De uma sociedade centralizada existente na década de 70, as decisões políticas que se seguiram devolveram o poder de decisão às instâncias inferiores que estão mais perto do problema, ou seja, os professores. Para que os professores possuíssem a capacidade de realizar esse trabalho, foi subsidiado a eles a formação adequada para cumprir tal função.

Da parte do professor, está presente o princípio de participação. O perfil do professor, pela cultura de confiança dada a ele, deve tomar como missão a educação das crianças para além de sua profissão. Ou seja, na Finlândia, os alunos ingressam na universidade para serem professores por um desejo de cumprir sua vocação de educador. Ainda assim, muitos não passam nos testes de admissão, que são bem concorridos (Sahlberg, 2009). Essa participação do professor já existia culturalmente na Finlândia, mas ficou sistematizado no ensino com a introdução das escolas vocacionais.

Após o ensino compreensivo, dos 7 aos 15, o aluno tem a possibilidade de entrar em uma escola vocacional. Essas escolas vocacionais servem como preparadores para uma profissão específica e para a validação dos anseios de trabalho dos alunos. O aluno tem a opção de seguir uma escola superior que prepara de modo mais acadêmico os estudantes.

Portanto, o princípio de participação está presente na formação do professor desde a escola, passando pela faculdade, mas se concretiza no exercício da função de professor nas escolas quando o professor assume a responsabilidade do desenvolvimento dos alunos. No entanto, tal responsabilidade não se dá com pressão pois não há uma busca incessante por melhoria dos resultados em testes. A exigência é que o professor esteja em contato com os pais dos alunos, que ele busque novas alternativas de abordar os conteúdos e o desenvolvimento do aluno.

Justamente nesse momento, percebe-se mais um princípio importante, a solidariedade. Na Finlândia, é comum que os professores se reúnam duas vezes ao mês com outros professores, professores especiais e assistentes de classe (Sahlberg, 2010). Desse modo, o princípio da solidariedade aliado ao da participação conseguem produzir a unidade necessária para o exercício da educação para a dignidade humana.

Nesse ponto, o processo de reforma educacional na Finlândia é um exemplo de políticas para o Bem Comum. Em seus pontos positivos, a reforma (1) se iniciou com a formação dos professores e (2) as novas leis passaram pela consulta da realidade e opiniões dos diretores e professores. (3) Houve uma descentralização administrativa e pedagógica e (4) o conteúdo incentivado pelo enxuto parâmetro curricular nacional envolvia elementos de artes manuais, ética, matérias básicas enquadrando-se em uma visão holística de educação. De certo modo, a liberdade de escolha das escolas se deu pela (5) capacidade de gerir recursos de origem previsíveis (no caso, governamentais). Outro fator positivo é a introdução do (6) acompanhamento mais próximo dos alunos por professores especializados e, por fim, considera-se positivo (7) a existência de conselhos de professores para a troca de experiências.

Filipe Dalboni

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