Desde meados do século XX, o mercado de trabalho e a própria compreensão do que seja o trabalho vem passando por profundas e rápidas transformações. As escolas de negócios e gestão passaram a buscar novas respostas aos desafios da competitividade e produtividade, considerando não só fatores como o resultado da empresa ou a promoção do empregado, mas também a satisfação do cliente e a realização do profissional.
As mudanças foram tão radicais e exigentes que muitas empresas se dispuseram a criar os seus próprios centros de estudo e pesquisa corporativos, não se limitando à formação técnica através de treinamentos, mas implantando verdadeiras filosofias no modo de produzir e de trabalhar, como é o caso da Toyota.
Na década de cinquenta, os executivos Eiji Toyoda e Taichi Ohno, forçados pelas carências circunstanciais do pós-guerra no Japão, desenvolveram as bases do que viria a ser o sistema de produção enxuta, cujo princípio era o combate aos desperdícios e a melhor utilização possível da mão-de-obra disponível.
Mais do que uma opção, a produção enxuta era uma imposição da escassez a que estava submetida a indústria japonesa, não permitindo a adoção de técnicas de gestão típicas de um regime de abundância, como era o caso do americano.
Se o sistema de produção artesanal tinha um alto custo de produção e baixa produtividade, o sistema de produção em massa era uma fonte inesgotável de desperdícios e pouco compromisso com o consumidor. Uma amostra desta mentalidade é a declaração de Henry Ford no início do século XX: “o cliente poderá adquirir um automóvel na cor quiser, desde que seja preto.”
O sucesso do sistema de produção enxuta foi o resultado da combinação das vantagens dos sistemas artesanal e em massa, ao evitar os altos custos do primeiro e a rigidez do segundo, priorizando tanto a qualidade do produto como a racionalidade do processo produtivo.
A empresa Toyota foi a precursora deste sistema. Desde a invenção do tear autoativado, ela soube combinar a incessante busca pelo combate aos desperdícios com a melhoria contínua dos processos. Charles Fishman descreve bem esta atitude entre seus funcionários no artigo intitulado No Satisfaction at Toyota de 2006:
A competitividade da Toyota é quieta, interna e autocrítica. Está enraizada em uma obsessão pela melhoria que ela consegue inculcar em cada um de seus funcionários, uma penetrante falta de complacência com qualquer coisa que tenha sido atingida no dia anterior. [1]
Hoje as fábricas da Toyota se comportam como um grande cérebro, uma espécie de laboratório onde a missão é melhorar o processo continuamente, fazendo de cada profissional um pesquisador, um auditor comprometido com a qualidade. Esse processo de melhoria contínua é chamado de kaizen, sendo considerado por muitos como a chave do sucesso do modelo de produção enxuta que, aliado aos círculos de qualidade e ao just-in-time [2] permite o sucesso das empresas que o empregam.
De acordo com James P. Womack:
A produção enxuta é uma maneira superior do ser humano produzir bens. Ela propicia melhores produtos, numa maior variedade, e a um custo inferior. Igualmente importante, ela propicia um trabalho mais desafiador e gratificante para empregados, em todos os níveis, da fábrica à alta administração. [3]
O pior desperdício não é a quebra ou a falha da máquina, nem o reprocesso ou o estoque, mas o que convive na rotina de quem o executa. São os trajetos desnecessários, os procedimentos inadequados ou malfeitos, são as defesas de “feudos”, as omissões, discussões e vaidades. É um inimigo não declarado cuja tática é a guerrilha. Por isso a única arma eficaz para combatê-lo é a criação de uma cultura de prevenção e melhoria contínua.
Além da escassez circunstancial, o sistema de produção enxuta partiu de uma outra premissa: o caráter mais exigente do comprador desde o final do século XX. Com a evolução dos meios de comunicação e a crescente competitividade entre empresas, o comprador mais bem esclarecido e posicionado passou a não admitir mais o desperdício e a falta de qualidade, tanto do produto como do processo. Entrou na empresa, fez-se cliente e passou a influenciar decisões antes restritas só ao produtor.
A postura mais exigente deste cliente passa a exigir também uma nova postura da empresa, que não pode mais limitar-se só ao produto, mas deve estender-se a todo processo de produção, desde a origem da matéria prima dos seus fornecedores até o pós-venda de seus clientes. As questões ambientais, sociais, tributárias e éticas passam a influenciar todo o processo.
É uma nova era em que a indústria já não é só de transformação, mas de “agregação de valor”. E, nesta cultura, tudo o que for somado ao preço do produto, sem que se agregue em correspondente valor, é desperdício. O cliente está disposto a pagar por aquilo que consome, inclusive pelo intangível, mas não mais pela ineficiência do processo produtivo.
A política de combate ao desperdício não pode ser vista, portanto, como uma mera ferramenta de produtividade ou redução de custos, mas como uma mentalidade que norteia todo o sistema de produção e a própria conduta profissional.
É um elemento de cultura que deve ser inserido na mentalidade de todo profissional e que vai além daquilo que é visto ou pode ser controlado, é algo que deve estar presente na consciência de cada um como forma de conduta pessoal.
Esta disposição intrínseca é racional e pode ser construída em cada profissional, formando uma verdadeira cultura organizacional. É algo como sentir-se mal por jogar lixo num chão limpo, é ter a impressão de ser observado ao proceder mal. Este constrangimento é, na verdade, a manifestação de uma consciência bem formada que repele qualquer agressão.
O senso de economia e combate aos desperdícios não se restringe em combater o lado negativo de uma postura, mas incentiva também o criativo e inovador desta disposição. Economizar não é só gastar menos, mas gastar bem, tendo em conta a correta aplicação dos recursos.
Se considerada a condição humana de necessidades ilimitadas diante de uma disponibilidade limitada de bens, a racionalidade econômica é condição fundamental para o progresso tanto de uma empresa ou nação, como da própria pessoa.
Ao oferecer esta oportunidade de interação e participação do funcionário, a empresa não só evita o desperdício mensurável e material dos processos, como combate o desperdício intangível e de difícil percepção do comportamento humano. É o desperdício implícito na monotonia de uma tarefa mecânica, pouco exigente e nada realizadora, que frustra a pessoa e prejudica a empresa, como destaca Victor Garcia Hoz em sua obra:
Os fatores negativos da monotonia, a falta de sentido do trabalho, a rigidez na organização e normas de atividade, a falta de consideração pelo trabalho efetuado, são fatores negativos que podem ser corrigidos para a realização da “Obra Bem-feita”. O componente intelectual da verdadeira alegria exige que a realização da “Obra Bem-feita” seja acompanhada pelo conhecimento de que se procedeu bem, isto é, pela consciência de que se atua de acordo com as exigências da dignidade e possibilidades humanas, bem como com as exigências do próprio trabalho. Isto significa que é importante explicar ao profissional o sentido imediato e último do seu trabalho. Só assim o trabalho poderá ser ‘portador de alegria’. A realização de uma “Obra Bem-feita” não requer um trabalho mecânico, mas um trabalho consciente, especificamente humano. [4]
O sistema de produção enxuta impõe um desafio de renovação tanto aos profissionais como aos gestores atuais, é uma mudança que exige deixar a “segurança das lagoas” para enfrentar a “riqueza de um mar aberto”. Como no caso japonês, é mais uma vez a necessidade que irá mover o homem, exigindo-lhe respostas de acordo com a sua consciência e missão, como destaca o professor William A. Sahlman da Harvard Business School:
O que define os gestores empreendedores é a busca de oportunidades além dos recursos tangíveis então oferecidos por suas empresas, é o desejo de identificar novas oportunidades em vez de se limitar a proteger o que as empresas já possuem. Em resumo, o gerenciamento empreendedor exige uma mudança na forma de aferir o que está sendo feito, quem está fazendo e qual o modo de execução adotado. Muitos executivos não conseguem escapar da armadilha dos custos irrecuperáveis ou perdidos: a manjada resistência em reduzir os prejuízos e aceitar o triste fato de que os investimentos anteriores não se pagarão, não importa o tempo que se espere. Empresas que se empenham em proteger seus sistemas de produção (mesmo após a falência do modelo no qual se baseiam) caíram direitinho nessa arapuca. A substituição de um modelo mais antigo por um mais novo exige coragem e determinação para destruir os “casulos de proteção” erguidos ao redor de práticas e estruturas consolidadas – algo que poucas empresas conseguem fazer. [5]
Estas organizações construíram seu pensamento com uma maior ênfase na condição humana, estimuladas tanto pela busca de resultado como pelo rechaço à visão mecanicista predominante, que era profundamente arraigada em princípios estáticos, mostrava-se agora inoperante diante dos desafios de um mundo ávido por mudanças.
Segundo a mecânica newtoniana, o mundo da matéria é uma máquina cujas operações se podem determinar exatamente por meio de leis físicas e matemáticas, um mundo estático e eterno a flutuar num espaço vazio, um mundo que o racionalismo cartesiano torna cognoscível por via da sua decomposição nos elementos que o constituem. Esta ideia do mundo-máquina é de tal modo poderosa que se vai transformar na grande hipótese universal da época moderna, o mecanicismo. (…) O determinismo mecanicista é o horizonte certo de uma forma de conhecimento que se pretende utilitário e funcional, reconhecido menos pela capacidade de compreender profundamente o real do que pela capacidade de o dominar e transformar. [6]
Embora a visão mecanicista tenha trazido inquestionáveis progressos às ciências exatas, mostrou-se inadequada para ler e contribuir com as ciências humanas. O seu caráter utilitarista e funcional foi um desvio que causou sérios transtornos ao conhecimento humano e ao comportamento do homem, chegando ao ponto de desqualificar, enquanto ciência, tudo o que não pudesse ser demonstrado. O modelo que priorizava o objeto ao sujeito esgotou-se na medida em que o homem passou a ter consciência de seu valor, de sua dignidade enquanto homem. A própria liberdade de empreender como premissa do sistema capitalista foi o valor propulsor desta mudança, chegando a ser considerada esta mudança na condição humana como a grande marca de nossa era.
Daqui a algumas centenas de anos, quando a história do nosso tempo estiver sendo escrita com a perspectiva de um distanciamento maior, muito provavelmente o mais importante evento que os historiadores verão não será a tecnologia, nem a internet, nem o comércio eletrônico. Será a mudança sem precedentes ocorrida na condição humana. Pela primeira vez, literalmente pela primeira vez, um número substancial e crescente de pessoas tem a possibilidade de fazer escolhas. Pela primeira vez, as pessoas terão de administrar a si próprias. E é preciso que se diga uma coisa: elas estão totalmente despreparadas para isso. [7]
A constatação de Drucker não é isolada. Muitos outros pensadores, administradores, empresários e profissionais percebem que o mundo exige mudanças, propõe escolhas, e as facilidades alcançadas pela ciência de nada valem se o homem não souber o que quer, se não conhecer os princípios de sua natureza. Tom Morris entre outros, propõe um retorno aos filósofos clássicos para que o sucesso no mundo moderno seja alcançado e sustentado.
Todos os pensadores antigos recomendavam insistentemente a seus ouvintes a necessidade de se autoconhecer. Sem autoconhecimento, pessoas talentosas e habilidosas estão desprovidas, em tudo o que fazem, de um dos alicerces mais básicos do sucesso duradouro. (…) O verdadeiro sucesso nos negócios e na vida envolve descobrir nossos talentos, desenvolvê-los e utilizá-los tanto para o bem alheio quanto para o próprio bem. (…) O que funcionou no passado nem sempre se revelará a melhor estratégia no futuro. Não podemos deixar que nossos hábitos e orgulho impeçam a abertura e a mudança. [8]
Este retorno aos clássicos, ao modelo de desenvolvimento de virtudes, passa a tomar corpo e importância entre estas escolas de pensamento. O fazem não apenas por convicção, mas por necessidade, o mundo dos negócios o exige.
Stephen Covey chega a citar em seu livro “Os sete hábitos das pessoas altamente eficazes” que o sucesso americano dos últimos cinquenta anos era superficial, propondo um retorno à ética do início da civilização americana, marcada pela Ética do Caráter como base do verdadeiro sucesso.
Na mesma época, além das minhas pesquisas sobre percepção, eu também estava profundamente envolvido em um estudo abrangente da literatura sobre sucesso publicado nos Estados Unidos desde 1776. Estava lendo ou conferindo literalmente centenas de livros, artigos e ensaios sobre temas como autoestímulo, psicologia popular e motivação própria. Ao alcance de minha mão encontrava-se a essência e o conjunto daquilo que um povo livre e democrático considerava a chave para uma vida bem-sucedida. Conforme meu estudo conduzia ao passado, através de duzentos anos de escritas sobre sucesso, eu notei que um padrão surpreendente emergia do conteúdo desta literatura. Em função de minhas dificuldades, e em função de dificuldades similares de muitas pessoas com as quais eu havia trabalhado por muitos anos, comecei a sentir mais e mais que grande parte da literatura de motivação e sucesso nos últimos cinquenta anos era superficial. Estava repleta de consciência das aparências sociais, técnicas e soluções rápidas – ‘band-aids’ e ‘aspirinas sociais’ que serviam para os problemas agudos e que de vez em quando até davam a impressão de resolvê-los temporariamente, mas que deixavam intocados os problemas crônicos. Estes reapareciam, voltavam periodicamente. Em um contraste marcante, a literatura dos primeiros 150 anos, mais ou menos, era focada no que se poderia chamar de Ética do Caráter, considerada a base do sucesso – coisas como a integridade, humildade, fidelidade, persistência, coragem, justiça, paciência, diligência, modéstia e a regra de ouro – fazer aos outros o que desejamos que nos façam. [9]
Este retorno à ética e às virtudes, segundo Drucker e Covey, exige preparo, formação. Não pode ser algo superficial que atenda ao interesse de momento, é uma mudança que irá marcar nossa era e a vida dos profissionais e pessoas que desta mudança tomarem consciência. É algo que merece um estudo em particular para que, em seu aprofundamento, possa assentar-se a construção de uma nova e mais confiável consciência profissional.
NOTAS:
[1] https://www.fastcompany.com/58345/no-satisfaction-toyota
[2] Just In Time é um sistema de administração da produção que determina que tudo deve ser produzido, transportado ou comprado na hora exata. Pode ser aplicado em qualquer organização, para reduzir estoques e os custos decorrentes. Com este sistema, o produto ou matéria prima chega ao local de utilização somente no momento exato em que for necessário. Os produtos somente são fabricados ou entregues a tempo de serem vendidos ou montados.
[3] James P. Womack, Daniel T. Jones e Daniel Roos , A Máquina que Mudou o Mundo, 5ª edição ,editora Campus.
[4] GARCIA HOZ, V. Pedagogia visível: educação invisível, Ed. Nerman, São Paulo, p. 74-80
[5] SAHLMAN, William. Revista HSM Management. 2005. Nr. 18.
[6] SANTOS, B. S. Um discurso sobre as ciências. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
[7] DRUCKER, P. Revista Você S. A. São Paulo, 26. ed. a. 3, p. 48-51, ago. 2000
[8] MORRIS, T. Revista Você S. A. São Paulo, 26. ed. a. 3, p. 52-55, ago. 2000.
[9] COVEY, S. R. Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes. 7ª ed. São Paulo: Best Seller, 2001.