Por Christopher Lasch
(Continuação de: O conservadorismo contra si mesmo: as elites versus a natureza)
O conservadorismo não implica em propostas necessariamente autoritárias e hierárquicas. Se os conservadores não são críticos o bastante das instituições existentes e das tradições por trás delas, é porque sua compreensão da falibilidade humana os faz ver a necessidade de estruturas que disciplinem o coração rebelde do homem e, ao mesmo tempo, lhe forneçam o suporte moral em meio às incertezas e decepções da vida.
Essa mesma consideração do estado de fraqueza e rebelião do homem, contudo, tem implicações igualitárias que podem contrariar a tendência de equiparar ordem social com hierarquia.
Outra tendência contrabalanceadora no pensamento conservador é a preferência pela autoridade local sobre a centralizada. E isso precisamente porque os conservadores entendem a facilidade com que sucumbimos à tentação, principalmente às tentações do poder; eles tentam fazer com que o poder seja disperso o mais amplamente possível.
Um senso de limites se revela, de outra forma, na crença conservadora de que amamos e respeitamos indivíduos particulares, não a humanidade como um todo, e que a promessa sedutora da fraternidade universal é um pobre substituto para as comunidades locais nas quais os detentores do poder são imediatamente responsáveis perante os seus vizinhos.
Por conseguinte, se o conservadorismo é entendido como um respeito aos limites, ele é logicamente incompatível com o capitalismo moderno ou com a ideologia liberal de crescimento econômico ilimitado.
“O desenvolvimento econômico enfraqueceu os fundamentos econômicos e morais do ‘estado familiar bem ordenado’ tão valorizado pelos liberais do século XIX.”
Historicamente, o liberalismo econômico tem se baseado na crença de que os apetites insaciáveis do homem, anteriormente condenados como fonte de instabilidade social e infelicidade pessoal, poderiam impulsionar a máquina econômica – assim como a curiosidade insaciável do homem impulsionava o projeto científico – e, deste modo, garantir uma expansão infinita das forças produtivas.
Para os fundadores da economia política do século XVIII, no capitalismo, o seu caráter gerador de expectativas crescentes, necessidades [artificiais], gostos recém-adquiridos e novos padrões de conforto pessoal deu origem a uma forma de sociedade capaz de uma expansão [econômico-tecnológica] ilimitada.
Sua ruptura com as formas mais antigas de pensar repousa na afirmação de que as necessidades humanas deveriam ser consideradas não como naturais, mas como históricas e, portanto, insaciáveis.
À medida que a oferta de confortos materiais aumenta, os padrões de conforto também aumentam, e a categoria de necessidades passou a incluir bens que antes eram considerados luxos. A inveja, o orgulho e a ambição fizeram com que os seres humanos quisessem sempre mais do que precisavam, mas esses “vícios privados” tornaram-se “virtudes públicas” ao estimular a indústria e a invenção.
Por outro lado, a parcimônia e a abnegação significavam estagnação econômica para eles. Bernard Mandeville escreveu:
“Não encontraremos, em geral, mais inocência e honestidade do que entre as pessoas mais analfabetas, pobres e tolas do interior”.
E, segundo David Hume, os
“prazeres do luxo e o lucro do comércio despertaram os homens de sua indolência… [e levaram a] mais melhorias em todos os ramos do comércio interno e externo”.
Tanto Hume quanto Adam Smith argumentavam que um desejo crescente por confortos materiais, erroneamente tomado pelos críticos republicanos do comércio como um sinal de decadência e colapso social iminente, gerou novos empregos, novas riquezas e um nível de produtividade constantemente crescente.
Smith não hesitou em chamar a atenção para as características moralmente problemáticas da nova ordem. Por estar tão confiante de que a perspectiva sedutora da abundância universal eliminaria quaisquer objeções persistentes às suas implicações éticas, ele podia se dar ao luxo de reconhecer que o capitalismo liberal era alimentado pelos vícios da ambição, da vaidade e da ganância e por um respeito moralmente equivocado pelos “prazeres das vãs e vazias distinções de grandeza”.
No “abatimento da doença e no cansaço da velhice”, a insignificância moral dos bens mundanos apareceria em sua verdadeira luz, segundo Smith, pois nem as posses, nem mesmo a beleza e a utilidade tão amplamente admiradas em “qualquer produto da arte” humana se provariam capazes, sob tais condições de adversidade, de trazer a verdadeira felicidade.
No entanto, o homem raramente considera essa questão sob esta “luz abstrata e filosófica”. E “é bom que a natureza nos imponha dessa maneira”, escreveu Smith em The Theory of Moral Sentiments, em uma passagem que aludia, pela primeira vez, à “mão invisível” que leva os homens a acumular riqueza e, assim, inadvertidamente, servir como benfeitores sociais em sua busca de posses enganosamente atraentes, mas em última análise vazias.
“É esse engano que desperta e mantém em contínuo movimento a indústria da humanidade.”
Os filósofos da abundância, ainda que permanecessem imperturbáveis com tal “engano” no próprio coração do seu sistema, não podiam suprimir inteiramente a reserva mais prática de que uma ordem social fundada na promessa de abundância universal poderia achar difícil justificar até mesmo os mínimos sacrifícios pressupostos por uma economia autorregulada de outra forma.
Hume apontou que uma ética da abundância pode enfraquecer até mesmo a inclinação residual a adiar as gratificações. Os seres humanos, observou ele,
“são sempre muito inclinados a preferir o interesse presente ao distante e remoto; não é fácil para eles resistir à tentação de qualquer vantagem que possam desfrutar imediatamente”.
Enquanto “os prazeres da vida são poucos”, essa forma de tentação não representa uma grande ameaça à ordem social.
As sociedades baseadas no comércio, no entanto, poderiam intensificar a busca de “divertimentos febris e vazios”; e a “avidez… de adquirir bens e posses”, advertiu Hume, “é algo insaciável, perpétuo, universal e diretamente destrutivo para a sociedade”.
No século XIX, a esperança de que o comércio tornaria os homens “fáceis e sociáveis”, em vez de gananciosos e vorazes, baseou-se, em grande parte, na institucionalização da gratificação adiada supostamente obtida através da família.
“A paixão por progredir começou a implicar no ‘direito de recomeçar’ sempre que os compromissos anteriores se tornassem excessivamente onerosos.”
Filantropos, humanitários e reformadores sociais do século XIX argumentaram em uníssono que a revolução das expectativas crescentes significava um padrão mais alto de vida doméstica, não uma orgia de autoindulgência ativada por fantasias de riqueza pessoal desmedida, de riquezas adquiridas sem esforço por meio de especulação ou fraude, de uma abundância de vinho e de mulheres.
O fato de uma sociedade comercial fomentar tais ambições os perturbava sem parar, e era para contrabalancear esse sonho espalhafatoso de sucesso, esse desejo desenfreado de ficar rico, que os defensores de um desenvolvimento econômico mais ordenado davam tanta importância à família.
A obrigação de sustentar uma esposa e filhos, em sua opinião, disciplinaria o individualismo possessivo e transformaria o potencial jogador, especulador, playboy ou vigarista em um provedor consciencioso.
Ao vincular o consumo à família, os guardiões da ordem pública esperavam não apenas estimulá-lo, mas civilizá-lo.
Sua confiança de que novos padrões de conforto não apenas promoveriam a expansão econômica, mas nivelariam as distinções de classe, uniriam as nações e até mesmo aboliriam a guerra, é impossível de entender, a menos que lembremos que ela se baseia na domesticação da ambição e do desejo.
A longo prazo, é claro, essa tentativa de construir a família como contrapeso ao espírito aquisitivo foi uma causa perdida.
Quanto mais o capitalismo passou a ser identificado com gratificação imediata e obsolescência planejada, mais implacavelmente desgastava os fundamentos morais da vida familiar.
“A empresa familiar deu lugar à grande companhia; a fazenda familiar, por sua vez, deu lugar — mais lenta e dolorosamente — a uma agricultura coletivizada, controlada em última instância pelas mesmas casas bancárias que arquitetaram a consolidação da indústria.”
A crescente taxa de divórcios, já uma fonte de preocupação ansiosa no último quartel do século XIX, parecia refletir uma crescente impaciência com as restrições impostas por responsabilidades e compromissos de longo prazo.
A paixão por progredir começou a implicar no “direito de recomeçar” sempre que os compromissos anteriores se tornassem excessivamente onerosos.
O desenvolvimento econômico enfraqueceu os fundamentos econômicos e morais do “estado familiar bem ordenado” tão valorizado pelos liberais do século XIX.
A empresa familiar deu lugar à grande companhia; a fazenda familiar, por sua vez, deu lugar — mais lenta e dolorosamente — a uma agricultura coletivizada, controlada em última instância pelas mesmas casas bancárias que arquitetaram a consolidação da indústria.
A revolta agrária das décadas de 1870, 80 e 90 provou ser o primeiro turno de uma longa e perdida luta para salvar a fazenda familiar, consagrada na mitologia americana, ainda hoje, como condição sine qua non de uma boa sociedade, mas sujeita, na prática, a um ciclo de mecanização, endividamento e superprodução que tem levado tais fazendas à ruína.
Christopher Lasch é Professor de História na Universidade de Rochester. Ele também é autor da obra The Culture of Narcissism and The Minimal Self.
First Things, todos os direitos reservados. Traduzido e publicado com permissão. Link para o texto original: Conservatism agains Itself