É ponto pacífico para o homem moderno que o desenvolvimento econômico é um bem a ser procurado. Em contraste, outro ponto a ser levantado é a avidez com a qual o homem moderno se debruça sobre a busca das riquezas.
No presente artigo, utilizaremos a teoria de Richard Werner sobre a criação monetária pelos bancos para explicar um pouco do desenvolvimento econômico dentro do capitalismo e utilizaremos a sabedoria de Santo Tomás de Aquino para demonstrar a parte ética desse processo. Werner é um professor de Economia Bancária que viveu grande parte de sua vida no Japão e documentou a bolha financeira e a estagnação na economia japonesa, além de ser um dos poucos no combate contra a concentração financeira internacional. Cabe, por um momento, considerarmos sobre o termo “riquezas” antes de prosseguir à solução de Werner para o desenvolvimento.
Santo Tomás de Aquino, comentando Aristóteles, afirma que as virtudes não podem ter como fim o enriquecimento. Do mesmo modo, ele afirma serem pessoas incontinentes aquelas que se aplicam com excessiva diligência à obtenção de riquezas. Ora, o que é aplicar-se com excessiva diligência à obtenção de riquezas? É fazer concorrer toda a ação humana para a obtenção de um lucro. Assim, o homem que ordena suas ações de modo desmedido para a obtenção de riquezas não age em seu próprio bem e, tampouco, para o bem dos demais.
“os homens que lidam com o mercado financeiro são altamente estressados, muitos deles têm uma vida repleta de promiscuidade e consumo de drogas e, nesse grupo, o índice de suicídio é alto”
No entanto, ao versar sobre o significado do Bem Comum temporal, o mesmo Santo Tomás de Aquino considera a aquisição dos instrumentos para a virtude, – isto é, das riquezas – como uma condição para a sua consecução. As riquezas são os bens em geral que nos são úteis e, nesse sentido, percebe-se que é necessário os bens de subsistência para viver a virtude em família.
Do mesmo modo, para que se possa praticar a virtude da liberalidade é importante que se tenha também além da subsistência, possibilitando o auxílio de quem passa dificuldade. Em casos mais específicos, o leitor pode imaginar exemplos em que para exercer um ato virtuoso será necessário algum bem útil que sirva de instrumento. Daí se depreende que o desenvolvimento econômico faz parte da busca pelo Bem Comum, desde que esteja ordenado às virtudes.
Perceba, leitor, que estar ordenado ao Bem Comum pressupõe que a aquisição e a utilização dos bens estejam de acordo com a prática virtuosa. Afirmou-se acima que a incontinência das riquezas é a diligência excessiva e minuciosa para a obtenção de riqueza, e tal vício impede a prática das virtudes. Ademais, Santo Tomás afirma que a medida correta da posse de riquezas é aquela que possibilita ao homem a subsistência e a prática da virtude da liberalidade.
Considere-se, contudo, a percepção moderna do sucesso. Não é verdade que o homem tido por bem sucedido dos tempos atuais é aquele que se dedicou de modo quase sobre-humano ao êxito nos negócios? Os grandes homens dos tempos atuais não são aqueles que fizeram grande fortuna com seu engenho, como Bill Gates, Steve Jobs, Warren Buffet entre outros? Não seria também o êxito do pensamento liberal fazer com que cada pessoa busque o máximo para si, crente de estar gerando “riqueza” e, assim, colaborando para a prosperidade geral?
Aprofundando a análise, é preciso perceber que toda essa concepção moderna de aquisição de riqueza consiste, na verdade, na obtenção do dinheiro e não de riquezas. Enquanto as riquezas são, como anteriormente afirmamos, os instrumentos materiais para a prática da virtude, o dinheiro é, por sua vez, o instrumento para a obtenção de riqueza.
O dinheiro age como mero instrumento de troca enquanto referência entre dois produtos distintos. Sua potencialidade (capacidade de ser trocada por qualquer outro bem da economia) é identificada por Santo Tomás com a insaciável concupiscência humana. (Iª-IIae q. 2 a. 1 ad 3) O homem intemperante busca uma sequência infinita de satisfações que, ao fim e ao cabo, o impedirão de alcançar o gozo final da contemplação.
Por analogia, o dinheiro é o instrumento dessa desordem e, socialmente, acaba tornando-se a finalidade última de uma economia desordenada. Por isso, concluímos que uma economia desordenada é aquela na qual os homens buscam com todas as suas forças a obtenção do dinheiro.
O sinal de que este raciocínio está no rumo certo é a já difundida percepção de que os homens que lidam com o mercado financeiro são altamente estressados, muitos deles têm uma vida repleta de promiscuidade e consumo de drogas e, nesse grupo, o índice de suicídio é alto. De fato, isso ocorre porque lidam diretamente com a busca do dinheiro enquanto única finalidade.
Tal desordem não fica apenas no âmbito pessoal, ela pode ser, e de fato é, transferida para o âmbito familiar e social. Todo dinheiro que circula no mercado financeiro provém de algum lugar, circula nos instrumentos financeiros como ações, derivativos, títulos de dívida etc., e afetam o setor produtivo por meio de investimentos.
“a descentralização bancária gera descentralização produtiva e a concentração bancária gera desigualdade”
Quando muitos ganham dinheiro com ativos financeiros, a tendência é uma concentração de dinheiro em títulos de participações em empresas (ações), que por sinal aumentam os balanços financeiros das empresas o que, teoricamente, induziria um aumento nos investimentos. No entanto, a mesma velocidade de entrada do dinheiro pode ser a velocidade de saída. Tal movimentação permite que o dinheiro investido em ação tenha como finalidade apenas o aumento do preço da ação e não se reverta em investimento e produção. Essa é uma das explicações da existência de uma instituição como a Black Rock que possui, simplesmente, US$10 trilhões de ativos sob seu controle enquanto o PIB do Brasil está próximo de US$1,5 trilhão.
Recordando os dizeres anteriormente apresentados de Santo Tomás, percebe-se que a prosperidade do homem moderno é, de certo modo, ilusória, pois depende da sustentação de preços. Quando há uma crise, há uma corrida para se obter moeda corrente (dólar, por exemplo) que faz com que haja uma venda em massa de ativos financeiros. Assim, os preços desses ativos caem bruscamente e muito do que se imaginava valioso, perde seu valor. Logo, muito do que se chama de “riqueza” hoje e que circula no sistema financeiro poderá ser perdido.
Foi justamente isso que ocorreu em 2008. Tendo havido uma inflação dos preços dos imóveis, a finalidade do comércio de casas migrou do fornecimento de um produto para a revenda.
Ora, se a finalidade da aquisição de um bem não for uma virtude (uma ação segundo a natureza), como o é a aquisição de uma moradia, mas for a obtenção de mais dinheiro como ímpeto de enriquecimento desmedido, haverá uma desordem moral e social. No caso em questão, quando os ganhos especulativos não foram mais suficientes para pagar os custos dessas operações, os preços das casas caíram e seus ativos financeiros, por consequência, perderam valor (preço). Muitas instituições usavam esses ativos financeiros ligados ao mercado imobiliário como contrapartida de outras movimentações financeiras. Iniciou-se, assim, o desmonte do “castelo de cartas financeiro” que só foi estancado com a criação de dinheiro por meio do Federal Reserve para manter os preços dos ativos do mercado financeiro, via compra de ativos financeiros com dinheiro novo. E é aqui que entra a teoria de Werner.
Werner identificou que os Bancos Centrais, enquanto criadores de moeda, são, por consequência do mecanismo de circulação da moeda, mantenedores dos preços dos ativos atuais. Em seu livro Princes of Yen, ele descreve de forma clara e com conhecimento de causa a mudança da criação de moeda dos bancos centrais para a inflação de ativos financeiros e imobiliários no final da década de 70. Porém, ele descobriu algo mais: por meio de entrevistas com banqueiros e banqueiros centrais, ele identificou uma orientação de empréstimo dos bancos comuns para o setor imobiliário sem avaliação de risco rigorosa, mas projetando como um fato dado o aumento do preço do imóvel.
Como reflexo disso, no documentário disponível no Youtube chamado Prince of Yen (https://youtu.be/p5Ac7ap_MAY), ele afirma que o parque ao redor do palácio imperial do Japão valia, pelo preço do terreno, mais do que todo o Estado da Califórnia. Indo além nas investigações, Werner se deparou com o mecanismo de criação de dinheiro na economia: como os bancos criam dinheiro? Ele identificou três teorias: uma que diz que os bancos não criam dinheiro, mas que são apenas intermediários de moeda (Teoria dos Bancos Intermediários), outra que diz que os bancos sozinhos são intermediários, mas que, no agregado, há um acréscimo de dinheiro (Teoria das Reservas Fracionárias) e uma outra, que perdeu a hegemonia no início do século XX, que diz que cada banco cria moeda a cada empréstimo (Teoria da Criação de Crédito). O pesquisador identificou que essa última parece ser a teoria mais correta, pois cada banco tem, ao mesmo tempo, o direito de guardar depósitos e de fornecer empréstimos.
Quando um banco fornece um empréstimo, dificilmente ele retira dinheiro de suas reservas e fornece in cash ao tomador. Na verdade, ele cria, por meio de um artifício contábil, um depósito fictício, meramente escritural, cujo valor correspondente poderá, no futuro, ser sacado pelo tomador do empréstimo ou apenas transferido contabilmente de uma conta para outra.
Assim, os bancos realizam a criação de empréstimo em dois atos independentes (1) criação de um valor escriturado em depósito e (2) o saque do valor correspondente a esse depósito. No momento da criação do valor em depósito, há a criação de dinheiro por meio do aumento do balanço contábil do banco e, caso o tomador de empréstimo deseje sacar o dinheiro, esse ato será apenas mais um saque das reservas do banco, não possuindo qualquer dependência factual com a geração do depósito. Desse modo, Werner estipulou que 97% da criação de dinheiro é proveniente dos bancos e não do banco central diretamente.
“bancos comunitários com atuação local pulverizariam a criação do dinheiro, evitando distorções de preços, facilitariam o surgimento das pequenas e médias empresas e dariam condições de se pensar o desenvolvimento econômico local”
Isso nos leva a considerar, finalmente, sua conclusão quanto à criação de dinheiro. Quanto mais a destinação dos empréstimos for para ativos financeiros ou consumo, mais efeitos danosos trará à economia. O empréstimo para ativos resulta em bolha (como quando há o uso de recurso financeiro de outra pessoa para impulsionar os ganhos em um investimento – alavancagem – no mercado financeiro, por exemplo) e o empréstimo para consumo gera aumento do preço dos produtos (o que chamamos comumente de inflação). Mas há um terceiro destino do empréstimo que é o do investimento em novos projetos. Para ele, caso os bancos criem dinheiro para a realização de empreendimentos os efeitos negativos da expansão de dinheiro não ocorrerão.
Em termos de desenvolvimento, essa teoria traz uma indicação importante: a descentralização bancária gera descentralização produtiva e a concentração bancária gera desigualdade.
Pense que uma pessoa pode produzir mais ou inovar a partir do recebimento de um recurso que lhe possibilite o novo empreendimento. Pense agora que a economia de um país esteja fundada em um sistema bancário concentrado. Os empreendimentos concorrerão de modo muito mais acirrado pelo crédito e (é o que ocorre muitas das vezes) serão privilegiados os empreendimentos de larga escala com alta taxa de retorno. O que parece ser lógico economicamente no âmbito individual (a visão do grande banco) é danoso socialmente falando, pois orienta o fluxo de dinheiro novo para as grandes corporações e resulta em uma concentração maior de renda e falta de diversificação produtiva.
No entanto, ao imaginar que essa teoria possa ser aplicada com o objetivo de restauração do sistema bancário, acende-se uma luz de esperança. Uma reforma nas regras dos bancos para que se tornem bancos comunitários com atuação local pulverizaria a criação do dinheiro, evitando distorções de preços, facilitaria o surgimento das pequenas e médias empresas e daria condições de se pensar o desenvolvimento econômico local.
Essa é uma teoria que pode ser aprofundada e talvez até refutada, mas parece ser a que melhor explica os problemas da economia moderna em sua raiz, além de oferecer uma solução aplicável.
Enquanto o sistema bancário e financeiro for concentrado e continuar em sua rota de concentração, os homens modernos, ávidos pela riqueza, estarão sempre em profunda competição entre si pela sua cota, a qual parte de fundos que estão vindo de alguns poucos grupos. Caso esses fundos estejam descentralizados e não necessariamente busquem a maximização de lucro da instituição a qualquer custo (que é a natureza de um banco comunitário), pode-se, quem sabe, fazer com que os homens modernos e seus empreendimentos se redirecionem para o bem da comunidade e se tenha condições de pensar em uma vida mais virtuosa e ordenada para o Bem Comum.
Por fim, cabe um questionamento mais filosófico quanto à natureza da moeda, a legitimidade das moedas fiduciárias e a criação de moeda pelos bancos. Será que não é justamente essa criação de moeda que induz os homens ao comportamento acima descrito: o de correr ferozmente atrás de dinheiro? Esse é um outro aspecto dessa realidade que precisará de outro artigo.
Filipe Mendes Dalboni é mestrando em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais e graduado pela Universidade Federal de Viçosa, com especialização latu sensu pela Faculdade Pio XII.