Benedetta Frigerio
La Nuova Bussola Quotidiana
Cada vez mais vozes se levantam nos Estados Unidos para denunciar, já há alguns anos, os vínculos entre depressão, incapacidade de concentração, insônia, dificuldades de relacionamento, hiperativismo e violência ligada ao uso de telefones celulares por crianças e adolescentes. Também a Itália está percebendo o quanto as novas tecnologias afetam o crescimento saudável do ser humano. De fato, recentemente a Sociedade Italiana de Pediatria (Sip) elaborou um documento, fortalecido também pela supervisão de 68 estudos sobre o assunto, no qual esclarece que “a superexposição à tecnologia em menores de 12 anos pode causar sérias consequências para o desenvolvimento da criança”.
Mas, do que se trata?
Redução de atividade com aumento de risco de obesidade; privação do sono; dificuldade de aprendizagem; irritabilidade; efeitos negativos sobre a atenção; aumento do risco de depressão e ansiedade na infância; aumento da impulsividade; diminuição da capacidade de autocontrole.
Paralelamente a esses problemas físicos e educacionais, crescem os relatos de abusos contra crianças, mesmo muito pequenas, que são aliciadas pela rede, quando os pais deixam os celulares ou tablets nas mãos deles.
Basta pensar na recente denúncia de uma mãe cuja filha de 9 anos foi pega por dois rapazes que pediram que ela enviasse vídeos pela internet em que ela praticava atos sexuais com seu irmão de 6 anos. Já em 2015, algumas meninas de 10 anos caíram na armadilha da pedofilia online, enquanto apenas duas semanas atrás a polícia postal entregou o resultado da operação “Poison”: em diversos chats, aos quais 700 menores tiveram acesso (até de 10 anos), apareciam abusos de crianças muito pequenas, violência sexual e de todo tipo, cadáveres e corpos mutilados. Por fim, agora é costume ler notícias de prisões por pornografia infantil, em que o aliciamento de menores ocorre justamente online.
“Essas consequências extremas são filhas também do vazio de sentido e da crise da família, e vêm acompanhadas dos danos educacionais […] que atingem toda uma geração”
É impossível não se perguntar onde estão os pais e como é possível que eles permitam o uso desses dispositivos até mesmo para os pequenos. Sobretudo porque a tendência de oferecer a tecnologia como calmante desde a idade mais tenra não é isolada (basta dar uma volta para ver até bebês em cadeiras de rodas acalmados por celulares). Valeria Bertin, professora primária e presidente da Caso Arte Scienza Movimento, associação que há 22 anos atua na educação de crianças por meio da arte, da ciência e do esporte, contou para o La Nuova Bussola o que acontece nas casas de muitos italianos:
Dando aulas para o ensino básico e gerindo inúmeras atividades para menores, percebi os enormes e generalizados problemas causados pelo telefone celular e pela má educação das famílias. Muitas vezes também porque os pais percebem tarde demais os danos que essas ferramentas causam aos filhos. Às vezes eles não têm a menor ideia do que se passa nos chats, mas alguns chegam-me desesperados porque veem os seus filhos mudados e dependentes dos dispositivos que eles próprios lhes deram, como se não pudesse ser feito de outra forma porque “todo mundo tem um”. Ou então me dizem: “No final, acabei cedendo”, como se o processo fosse inevitável. E ainda: “Controlei quantas horas ele passou na internet… foi uma tarde inteira” e eu pergunto: “Mas você onde estava?”
Bertin diz que até os professores estão percebendo o quão generalizado é o problema:
Na minha escola, um menino de 8 anos bateu nos pais porque eles cortaram sua internet, o que significa que estamos experimentando crises de abstinência. Nós, professores, estamos observando os alunos e vemos coisas nunca antes vistas: os pequenos não sabem ficar uns com os outros, não têm regras, não sabem lidar com as frustrações, têm problemas crescentes de concentração e aprendizado. Vejo bebês de poucos meses segurando um celular sem que suas mães percebam o estrago que estão causando em troca de um momento de calma.
E o que diz Bertin aos adultos?
Digo aos pais para adiarem o máximo possível o uso desses aparelhos pelos filhos: queremos que os menores se abstenham de dirigir carros e que estudem antes de pegar no volante, mas lhes permitimos usar smartphones como se fossem triciclos, quando, na verdade, são Ferraris. Também lembro que eles devem ser os primeiros a não abusar das novas tecnologias. Somos nós, os adultos, os primeiros dependentes. Creio, porém, que além de educar os pais, nós precisamos de um movimento cultural que não os deixe sozinhos, que fale sobre o problema e o enfrente.
Um pequeno movimento está sendo criado dentro da polícia italiana. Anna Curcuruto, superintendente da Polícia Estadual de Reggio Calabria, percorre há alguns anos as escolas junto com várias de suas colegas para dizer que
o problema é que a família não é mais capaz de dizer “não”, tivemos mães que nos respondem que aos 11 anos dão o telefone aos filhos “porque senão meu filho vai me fazer uma guerra dentro de casa”. Então eu me pergunto: onde foi que erramos?…
E, depois, acrescenta: “Quando os seus pais entregam um telefone para o filho, estão lhe entregando uma arma, as palavras matam”. A título de exemplo, a policial diz que
Edith, 8 anos e meio, enforcou-se num armário. Matteo, de 11 anos, se enforcou no quartel-general dos escoteiros… Eliana, 15 anos, se jogou embaixo de um trem; ela queria que seu corpo fosse feito em pedaços porque sua alma já estava em pedaços. Mas nós não nos lembramos deles, os deixamos nas crônicas do jornal e vamos para outro lado: tudo o que fazemos é colocar um ‘like’, um ‘gostei’, um ‘que desagradável’, um ‘você não vale nada’.
Porém, essas consequências extremas são filhas também do vazio de sentido e da crise da família, e vêm acompanhadas dos danos educacionais elencados pelo documento da Sip, talvez menos vistosos, mas que atingem toda uma geração. O fenômeno é tão alarmante que até a política começa a lidar com isso: é o caso do projeto de lei italiano sobre a proibição do uso de tecnologia por crianças e menores.
Algumas vozes se levantaram no legislativo italiano e se juntam a de especialistas e psicólogos que concordam com a possível suspensão da venda de telefones celulares para menores de 14 anos. Recentemente, após o suicídio de um adolescente de 13 anos de Gragnano, o psiquiatra Paolo Crepet lembrou que, para que a família se encarregue com mais força de seus filhos, o Estado deve, todavia, atuar em favor dela.
Benedetta Frigerio é formada em Ciência Política pela Universidade Católica de Milão. Trabalhou em diversos jornais italianos como “Libero” e “Tempi”, além de trabalhar para a NBQ, escreve para a revista “Timone”.
La Nuova Bussola Quotidiana, todos os direitos reservados. Publicado com permissão. Link original: “Il telefono è un’arma in mano ai ragazzi”.