“Vale a pena dedicar um capítulo a alguns fenômenos produzidos pela radioatividade nominalista. Comecemos aqui pelo Cientificismo. Como atrás já dissemos, esse termo não designa o maior incremento de pesquisas, o maior ardor de estudo nos domínios das ciências naturais. Tudo isto, em si, é bom.
O que não é bom é o estado de espírito que coloca a Ciência da natureza na presidência de uma civilização, depois da abdicação da Sabedoria. Uma vez que a inteligência não alcança as coisas superiores, apliquemo-la nesse trabalho de apalpar os fenômenos para deles tirar uma nova confiança em nós mesmos, e para ordenhar a nosso gosto essa imensa mãe telúrica, brutal, que às vezes, no seu sono pesado, mata os próprios filhos.
Esse estado de espírito, nos primeiros tempos, produzirá uma grande euforia. A humanidade, depois de descobrir a pólvora, o movimento dos astros, a força do vapor, o poder mágico da eletricidade, terá, como teve no século XVIII e XIX, momentos de exultação. A cândida ideia que ocorrerá a muitos espíritos é a seguinte: na continuação dos tempos, a Ciência polirá todas as arestas do Velho Homem, iluminará todas as trevas, resolverá todas as dificuldades.
Ora, essa ideia, comicamente falsa, extravagantemente falsa, foi difundida e tornou-se o ar que respiramos e a água que bebemos; e isto só aconteceu porque a Civilização Ocidental Moderna já não tinha à sua presidência os dados da antiga sabedoria. Se a tivesse, ouviria a censura clara e irrefutável: a ciência dos elementos exteriores aumenta o domínio do homem sobre eles, mas não acrescenta nada ao domínio do homem sobre si mesmo.
Conhecer a natureza inferior é bom; conhecê-la em detrimento do conhecimento da alma e de Deus não é bom. Uma civilização, uma cultura, uma sociedade não podem ser presididas pela Ciência, que é cega, surda e muda para os problemas mais comuns e mais profundos de nossa humanidade.
Como já tivemos ocasião de salientar, a Ciência pode nos dizer que nossos pulmões estão anormais e devem ser tratados desta ou daquela maneira; mas é inteiramente incapaz de nos sugerir o que podemos nós fazer com pulmões normais. A Ciência pode proporcionar-nos veículos aperfeiçoados para nossos deslocamentos; mas é incompetente, destituída de qualquer recurso, para nos aconselhar aonde devemos ir, e aonde não convém irmos.
A respeito das coisas mais triviais, o amor, a felicidade dos filhos, a alegria de ter amigos, a Ciência embatuca, ou então, irritada, trata essas coisas com desprezo; em compensação torna-se loquaz e abundante se a consultarmos sobre logaritmos, temperatura do sol, propriedade das elipses, e outras coisas desse jaez.
Não estamos criticando nem ridicularizando a Ciência. Ponham-na em seu lugar próprio, e seremos os primeiros a admirá-la, e até a agradecer-lhe o favor de inspirar os médicos e farmacêuticos que asseguram a sobrevivência que nos permite escrever estas linhas. Ponham-na, porém, no altar, ou nas abóbadas das idades: reclamaremos e gritaremos que nesta posição ela se transformará em calamidade.
O bem-estar conquistado pela ciência não causa elevação humana no sentido próprio do termo; mas condiciono-a favoravelmente. Ainda mesmo nos problemas técnicos, onde parece soberana a ciência, no seu duplo aspecto teórico e prático, quem traz a última decisão é a filosofia.
Tomemos por exemplo o problema dos telefones no Rio de Janeiro. Estamos há quase vinte anos sem poder instalar os telefones pedidos. Será técnico o problema? Será econômico? Será físico, químico, astronômico? Não. O problema é filosófico e religioso: não temos telefones por causa da atuação de uma seita bárbara que professa uma filosofia ou uma religião chamada “nacionalismo”. Eles dizem que nos defendem, e o resultado é que não temos o aparelho inventado há 100 anos e profusamente distribuído na face da terra.
A Ciência e a Técnica cuidam de coisas utilíssimas, e por isso mesmo lhes escapam as coisas que transcendem o útil, e que são as que mais importam. Dão-nos cem, duzentas, mil, um milhão de coisas úteis e boas; mas um milhão de coisas úteis e boas não conseguem integrar-se num bem de outra ordem, a que aspira a alma humana. Um milhão de maravilhas da ciência não consolam o namorado infeliz; não detêm as lágrimas do pai que perdeu o mais belo dos meninos; não interessam ao santo que procura maior amor de Deus.”
(CORÇÃO, Gustavo. Dois Amores – Duas Cidades. Vol II, pp. 43, 44 e 45.)
Na imagem, óleo sobre tela “Nicolau Copérnico em conversa com Deus” (Jan Matejko, Polônia, 1872).