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Bonum est diffusivum sui

O mundo pelo olho de Sauron: a série Os Anéis de Poder

Joseph Pearce
The Imaginative Conservative

O que aconteceria se uma-loja-para-todas-governar-e-na-escuridão-aprisioná-las colocasse as mãos em um-anel-para-todos-governar-e-na-escuridão-aprisioná-los?

Em outras palavras, o que aconteceria se a Amazon colocasse as mãos no Anel do Poder? Este poderia ter sido apenas um pensamento assustador, mas agora é uma repugnante realidade.

Tendo comprado os direitos de O Senhor dos Anéis, a Amazon estreou sua “prequela” do épico de Tolkien no início deste mês. Pelo que parece, é tão ruim quanto o esperado. Digo “parece” porque, pessoalmente, não tenho planos de sujar a minha mente com essa imagem. Eu tenho coisas melhores para fazer com meu tempo do que me deixar ser melecado.

No entanto, tenho amigos que enfrentaram o primeiro episódio. Esta é a impressão imediata de um deles sobre a agenda oculta:

Foi muito sutil e mascarado com distrações, mas eu percebi afinal que eles estavam apresentando seu mundo woke idealizado – como seria se a ascendência woke conseguisse trocar completamente os papéis de homens e mulheres na sociedade, como eles parecem querer fazer. Eles têm tentado feminizar os homens e empoderar as mulheres, e esse é o mundo que vemos aqui. Todos os homens são bastante andróginos em sua maneira de falar, fracos e covardes, enquanto Galadriel exibe todo o machismo. Quando o grupo que ela lidera é atacado por um troll, os homens fogem, deixando Galadriel para matá-lo como uma espadachim digna de uma churrascaria japonesa.

A série também pratica o que seus produtores chamariam de discriminação racial “positiva” ou “afirmativa”. Os papéis do forte e do sábio são, de maneira desproporcional, desempenhados por atores que [deliberadamente] não são brancos.

“O ponto principal de O Senhor dos Anéis é que o verdadeiro heroísmo é inseparável da verdadeira humildade, e que esta é inseparável do verdadeiro amor.”

Tudo isso era esperado, mas é apenas um espetáculo secundário que não deveria nos distrair da verdadeira escuridão no centro dessa distorção e profanação do espírito da obra de Tolkien. O ponto principal de O Senhor dos Anéis é que o verdadeiro heroísmo é inseparável da verdadeira humildade, e que esta é inseparável do verdadeiro amor. O espírito de Os Anéis de Poder da Amazon é exatamente o contrário disso. O heroísmo é inseparável do orgulho, e este é inseparável do autoempoderamento.

Vamos lembrar, porque é perigoso esquecê-lo, que Tolkien descreveu O Senhor dos Anéis como “uma obra fundamentalmente religiosa e católica”. O espírito da obra está, portanto, arraigado numa compreensão cristã do amor, ou caritas, que é exatamente o oposto da compreensão mundana do que também é chamado de “amor”. No centro do amor cristão está a verdade paradoxal de que “os primeiros serão os últimos”. Amar é entregar nossas vidas, em autossacrifício, pelo amado. Este amor verdadeiro é heroico de verdade e só é possível se possuirmos a humildade necessária para nos colocarmos em segundo ou em último lugar. O amor cristão é, portanto, uma escolha racional.

“Para o mundano, o amor é um sentimento, uma emoção, um desejo. É, portanto, irracional.”

A compreensão mundana do amor é inteiramente diferente. Na verdade, ela é diametralmente o oposto demoníaco do amor verdadeiro. Para o mundano, o amor é um sentimento, uma emoção, um desejo. É, portanto, irracional. Se eu puder encontrar alguém que tenha sentimentos semelhantes em relação a mim como eu tenho em relação a ele, podemos satisfazer e gratificar os sentimentos e emoções um do outro. A gente se sente bem. Mas se, ao contrário, já não nos sentimos bem, não “amamos” mais essa pessoa e começamos a procurar outra pessoa para gratificar e satisfazer nossos impulsos e necessidades emocionais.

Esse tipo de “amor” é essencialmente egocêntrico. Está arraigado no orgulho. Ele não dá a vida pelo amado, mas dá a vida do amado para si próprio. É este orgulho que leva às exigências do “autoempoderamento”. Este é o tipo de “empoderamento” que anseia pelo poder que o Anel tem a oferecer.

“há também um outro lado do poder do Anel: Seu poder corrompe aquele que, ao usá-lo, busca o autoempoderamento.”

Tolkien afirmou que O Senhor dos Anéis é uma alegoria do poder, especialmente do poder usurpado para a dominação. Aqueles que buscam o autoempoderamento que o Anel oferece sempre acabam dominando os outros. Quanto mais nos autoempoderamos, mais usaremos esse poder para servir aos nossos próprios desejos egoístas às custas daqueles que são mais fracos do que nós.

Mas há também um outro lado do poder do Anel. Seu poder corrompe aquele que, ao usá-lo, busca o autoempoderamento. Ou seja, é a “gollumnização” do eu até que o eu se torne escravo do próprio orgulho escolhido. O possuidor torna-se o possuído.

Esta é a verdadeira razão pela qual Os Anéis de Poder da Amazon é a própria negação do amor e da humildade verdadeiros que anima O Senhor dos Anéis. Aqueles que defendem o orgulho e o autoempoderamento estão se gollumnizando e procurando fazer o mesmo com os outros. Os Anéis do Poder é a gollumnização de O Senhor dos Anéis.

Vamos terminar com uma lição do próprio Senhor dos Anéis que servirá como uma metáfora para o que a aliança Amazon-Mordor fez com a bondade, a verdade e a beleza da obra de Tolkien.

Fonte: Wikimedia Commons

Em um dos momentos mais sombrios da história, Frodo e Sam chegam à Encruzilhada a caminho de Mordor. À luz do sol poente eles vêem a estátua de um antigo rei, “uma enorme figura sentada, quieta e solene como os grandes reis de pedra de Argonath”.

Para seu horror, eles veem que as mãos violentas e bárbaras dos orcs o mutilaram e desfiguraram, ultrajando-o com grafites imundos,

“rabiscos ociosos misturados com os símbolos imundos que o povo-verme de Mordor usava”.

A antiga estátua havia sido decapitada,

“e em seu lugar foi colocada, como forma de escárnio, uma pedra redonda e tosca, pintada de forma grosseira por mãos selvagens com a efígie de um rosto com um esgar e um grande olho vermelho no meio da testa”.

O simbolismo desta cena é forte e evidente. A estátua, esculpida com amor por um antigo artista com a efígie do rei, pode ser comparada à beleza e à majestade da obra de Tolkien. A estátua é um símbolo vivo e edificante da civilização, tal como O Senhor dos Anéis. 

Em contraste, a contaminação da estátua pelas forças das trevas é um reflexo da inversão e da perversão do espírito de bondade, verdade e beleza que a estátua representa. A decapitação do rei e sua substituição por uma feia e maliciosa pedra rude, pintada e coroada com o símbolo de Sauron, significa o triunfo do Usurpador sobre o Criador, a virada da ordem do cosmos de cabeça para baixo.

E, no entanto, em meio a esse aparente triunfo das trevas sobre a luz, a própria luz dissipa as trevas:

De repente, tomado pelos raios horizontais [do sol poente], Frodo viu a cabeça do velho rei: estava jogada na beira da estrada. “Olha, Sam!”, gritou ele, sobressaltado ao falar. “Olha! O rei tem uma coroa de novo!”
Os olhos estavam encovados e a barba esculpida quebrada, mas sobre a testa alta e severa havia uma coroa de prata e ouro. Uma trepadeira com flores como pequenas estrelas brancas se prendia sobre as sobrancelhas como em reverência ao rei caído, e nas fendas de seu cabelo pedregoso brilhava uma erva-pinheira amarela.
“Eles não podem vencer para sempre!”, disse Frodo. E então, de repente, o breve vislumbre se foi. O Sol mergulhou e desapareceu e, como o apagar de uma lâmpada, caiu a noite escura.

Nestas poucas linhas, como por um milagre da graça, os hobbits tiveram um vislumbre microcósmico da ordem do cosmos. Como em várias outras ocasiões em O Hobbit e O Senhor dos Anéis, a luz do Sol (significativamente maiúscula) é o dedo da Providência, ou seja, a Presença do Próprio Criador. Por Sua luz, o poder das trevas é removido para que os hobbits possam ser encorajados por uma visão da restauração da verdadeira hierarquia. Assim o Criador revela sua Criação, na forma da erva-pinheira e da trepadeira, coroando o rei e a obra de arte com flores de prata e ouro, restaurando a glória da civilização com a promessa de ressurreição. É Deus abençoando a Arte; é a Criação coroando a Subcriação; é a Vida coroando o Bom, o Belo e o Verdadeiro! 

Embora o “breve vislumbre” desapareça logo, foi, como claramente entende Frodo, a “graça repentina e milagrosa” sobre a qual Tolkien escreve em seu ensaio Sobre os contos de fadas, uma alegre epifania que

“Nega […] a derrota final universal e em certa medida é “evangelium”, dando um vislumbre fugaz da Alegria, Alegria para além das muralhas deste mundo”.

Ela mostra, como Sam cantaria em outro momento sombrio logo depois, que “acima de todas as sombras caminha o Sol”, e é por isso que podemos ter certeza, como Frodo proclama, que os poderes das trevas não podem vencer para sempre.

A aliança Amazon-Mordor fez o possível para desfigurar a beleza de O Senhor dos Anéis. Seu coração cristão de um amor racional foi substituído por um coração de pedra rude. Ele foi decapitado pela eliminação da razão que o anima e do amor racional que é o triunfo da própria razão. Ele foi pichado com o orgulho de Sauron. Sua bondade, sua verdade e sua beleza foram removidas e tudo o que resta é a feiúra da realidade enxergada pelo olho de Sauron.

Os Anéis de Poder da Amazon é a própria negação do amor e da humildade verdadeiros que anima O Senhor dos Anéis.”

Os amantes da obra-prima de Tolkien devem responder a tal ato de profanação da mesma forma que todos os verdadeiros hobbits deveriam responder. Devemos olhar para os Céus, para a luz além de todas as trevas. “Acima de todas as sombras caminha o sol”, diz Sam. E, como Frodo proclama: “Eles não podem vencer sempre!”

Joseph Pearce é colaborador sênior do The Imaginative Conservative. Natural da Inglaterra, o Sr. Pearce é Diretor de Publicação de Livros no Instituto Augustine, editor da St. Austin Review e editor da série das Edições Críticas Inácio.

The Imaginative Conservative, todos os direitos reservados. Publicado com permissão. Link original: “Seeing With the Eye of Sauron: Amazon’s ‘Rings of Power’”.

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