Tommaso Scandroglio
La Nuova Bussola Quotidiana
A mera hipótese de que a líder do partido Fratelli d’Italia se torne primeira-ministra [1] coloca em parafuso um certo universo feminista: seria isso uma conquista para o movimento, por se tratar de uma mulher como chefe do executivo; ou a sua derrota definitiva, por ser de direita a única mulher que conseguiu emergir com força nessa disputa? A questão suscita algumas reflexões sobre o argumento feminista.
E se Giorgia Meloni se tornasse primeira-ministra, a primeira mulher a ser presidente do Conselho de Ministros? [2] Isso daria um belo curto-circuito no feminismo, que deveria ficar exultante para ser coerente, por um lado, porque Meloni é uma mulher, mas por outro ficaria igualmente atormentado porque Meloni é – na opinião deles – “pós-fascista” (e toda feminista que queira ser digna desse nome tem que ser de esquerda).
Esse curto-circuito foi bem ilustrado pela postura da jornalista Elena Stancanelli que, em artigo do La Repubblica de 26 de julho passado, escreveu:
“Giorgia Meloni pode ser a primeira mulher a se tornar primeira-ministra deste país. O que pensar a respeito? Devemos considerar isto um avanço, tendo em vista uma divisão mais equitativa dos cargos de chefia, ou uma derrota definitiva?”
Uma derrota, sublinha a jornalista, paradoxalmente devida ao próprio feminismo. E, de fato, ele acrescenta:
“Lutamos para que as mulheres se erguessem e a única que se ergue é uma pós-fascista que grita sim à família natural, não ao lobby LGBT, sim à universalidade da cruz, não aos burocratas de Bruxelas e outras amenidades semelhantes”.
É como se dissesse: O feminismo vence, mas inclinado à direita. Uma hilária reviravolta. Invasão da direita em algo que nós, da esquerda, inventamos.
Stancanelli parece identificar a solução para esse curto-circuito, mas não quer admiti-la. Até chega a tocar nela, mas deliberadamente não a agarra. A solução é simples: quem deve ser primeiro-ministro? O mais capaz! Seja homem ou mulher.
O feminismo, a seu turno, incorre em erro porque sua resposta a esta pergunta é sempre: uma mulher! E se ela for de direita? É melhor uma mulher “fascista” ou um homem “democrático”? Aqui é que o impasse para as novas sufragistas fica impossível de superar.
“A mulher com chances reais de ascensão é aquela que se sobressai como o alicerce, o suporte da família – aquela que reconhece a existência de uma natureza nas coisas que deve ser respeitada.”
Vamos observar, contudo, como Stancanelli esperneia para sair desse beco sem saída . Por um lado, ela admite que nunca se deve ficar satisfeito que Meloni se torne primeira-ministra porque ela é uma opositora política. Portanto, ela bem entende que o importante é a substância, não o sexo da pessoa que encarna essa substância. Assim, diz Stancanelli:
“Não me parece, portanto, que para as mulheres ou para os homens da ala democrática se coloque a questão de estarmos ou não contentes com o sucesso de Giorgia Meloni enquanto mulher. Ele é um adversário político, ponto final”.
Então, primeiro vem o mérito do programa político e depois o sexo. Nossos aplausos por ela provar que não é 100% feminista.
Então, em outro front de batalha, a repórter avisa que admitir que o critério da competência é mais relevante do que o sexo feminino é coisa de machos “tóxicos”, e depois tenta o duplo twist carpado: as mulheres são melhores, mas há pouco espaço para elas na esquerda. Meloni conseguiu construir um partido sozinha (aqui está o critério de competência) porque é mulher (aqui está o critério “mulher”) e é assim, infelizmente, que uma mulher de esquerda deve fazer para se destacar.
Esse argumento permite combinar competência com feminismo, ao priorizar o segundo elemento: as mulheres são melhores que os homens a priori; se elas não emergem na disputa política, isso é culpa das circunstâncias tão desejadas pelo patriarcado masculino. À direita, Meloni, justamente por ser mulher, conseguiu se libertar desses vínculos discriminatórios. Assim, a jornalista faz votos de que isto também aconteça à esquerda. De fato, seu artigo intitula-se: “Giorgia Meloni, uma lição para a esquerda“.
O fechamento do artigo destaca esse conceito estereotipado do feminismo: nós mulheres somos tão boas quanto os homens, na verdade mais.
“Para ter uma mulher no topo da coalizão de esquerda – escreve Stancanelli – seria preciso essa mesma coragem para minar a ideia de que competência e talento estão necessariamente ligados a uma certa imagem, uma certa maneira de vestir, um certo gênero sexual”.
Meloni é, para ela, a prova comprovada de que o feminismo está certo, mas infelizmente sua eventual vitória aconteceu à direita e não à esquerda. Essa é a essência do discurso de Stancanelli, que, por constrangimentos ideológicos, não consegue admitir uma série de outras evidências possíveis.
A primeira já mencionamos: se Meloni vencer, isso acontecerá sobretudo por seus méritos, por seu programa, e porque, como veremos melhor adiante, ela é da oposição. Não por ser mulher.
“talvez, pode-se pensar, estes conteúdos – que remetem a uma imagem de mulher avessa ao progressismo – também tenham contribuído para convencer o eleitorado”
A segunda: talvez seja a feminilidade que dê vantagem às candidatas, não o feminismo. Talvez seja a concepção de mulher representada à direita, ainda que com deficiências infinitas, que vença a concepção da mesma promovida à esquerda. Não é a mulher de carreira – que joga o marido e os filhos para escanteio para se libertar deles – que poderá emergir como força política.
Não é, tampouco, aquela que grita que seu corpo é só dela e que, portanto, ela pode fazer o que quiser com ele. Nem aquela que fica repetindo, a cada diferença sexual considerada, que isso cheira a discriminação, e que, para ser mulher de verdade, é preciso imitar os homens e fazer tudo o que eles fazem.
A mulher com chances reais de ascensão é aquela que se sobressai como o alicerce, o suporte da família – aquela que reconhece a existência de uma natureza nas coisas que deve ser respeitada. Uma mulher que, justamente como apontou Stancanelli sarcasticamente, é a favor da família natural, contra o concúbito artificial formado por duplas homossexuais e contra “outras amenidades semelhantes”.
Talvez, pode-se pensar, estes conteúdos – que remetem a uma imagem de mulher avessa ao progressismo – também tenham contribuído para convencer o eleitorado (apesar de essas temas pesarem pouquíssimo no juízo do eleitor médio, embora ainda façam parte das suas considerações, como veremos em algumas linhas).
“a oposição sempre pode, com candura virginal, apresentar-se como imaculada ante os pecados dos que estão no governo”
Se Meloni vencesse, o feminismo não triunfaria com ela – como Stancanelli gostaria de argumentar – porque este, em seus traços peculiares, encontra seu habitat natural apenas à esquerda. Quem venceria, neste caso, seria, simplesmente, um certo programa e uma certa estratégia política.
Como reza o ditado, quem segura um martelo, vê pregos por toda parte. E Stancanelli, junto com toda a sua kompagne, interpreta a realidade apenas à luz do feminismo. Por isso, identifica a eventual vitória de Meloni como uma confirmação da argumentação do feminismo: foi o fato de ser mulher que permitiu a Meloni construir um partido sozinha e, assim, se destacar.
A coisa, na verdade, tem razões muito mais banais do que parece: qualquer um, homem ou mulher, que se opusesse a este governo só poderia se beneficiar dos erros dele. O único partido de oposição tem sido o Fratelli d’Italia e, por isso, sabemos que, pela teoria do pêndulo que favorece primeiro um lado e depois o lado oposto, a oposição sempre pode, com candura virginal, apresentar-se como imaculada ante os pecados dos que estão no governo porque não precisa confrontar suas propostas com os fatos de uma gestão que as tenha colocado à prova.
E a teoria do pêndulo não é nem feminista, nem machista. É apenas um dado da realidade.
[1] As eleições na Itália ocorrem no próximo domingo, dia 25 de setembro. A coalizão partidária de Giorgia Meloni é favorita para conquistar o maior número de cadeiras nas duas casas parlamentares, o que lhe permitirá elegê-la como primeira-ministra.
[2] No sistema parlamentarista italiano, os cidadãos elegem diretamente apenas os membros do parlamento. O partido que tiver o maior número de parlamentares eleitos também constitui o poder executivo, uma vez que tal partido ganha também o direito de nomear o primeiro-ministro. Este, após ser confirmado pelo presidente da república, irá nomear os seus ministros de governo, presidir o Conselho de Ministros e exercer efetivamente o poder executivo. O presidente da república, por sua vez, é chefe de Estado, mas não chefe de governo. Ele é eleito pelo parlamento italiano periodicamente e possui uma função institucional, mas não executiva. (Nota do tradutor)
Tommaso Scandroglio tem experiência de docência nas áreas de Ética e Bioética, Filosofia do Direito, Filosofia Moral e Antropologia Filosófica, lecionando na Università Europea di Roma e no portal de EaD Schola Palatina. É também autor de livros sobre Filosofia do Direito e escreve regularmente para os veículos Corrispondenza Romana, La Nuova Bussola Quotidiana e sua edição inglesa New Daily Compass.
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